Insolação de amor

Com Insolação, longa sobre utopias e paixões imperfeitas, Felipe Hirsch estreia na telona

por Luara Calvi Anic em

Sabe aquela paixão arrebatadora, que te deixa sem chão, claramente alterado? Pode ser gripe. Mas também pode ser insolação. Insolação é o nome do primeiro filme do diretor Felipe Hirsch, e Temporada de Gripe (2003) foi um dos espetáculos montados pela sua Sutil Cia. de Teatro. “Quando fizemos o espetáculo, gripe era você cair numa paixão depois começar outra, melhorar, começar outra, cair de novo. E Insolação tem um pouco o mesmo sentido, são essas paixões que nós vivemos e que tendem a falhar”, diz.

Felipe assina a direção ao lado de Daniela Thomas, sua parceira profissional há quase dez anos, grande cenógrafa e codiretora de filmes como Terra Estrangeira  e Linha de Passe, ambos de Walter Salles. O filme traz Paulo José, Simone Spoladore, Maria Luiza Mendonça, Leonardo Medeiros e Leandra Leal. “Todos eles podem ser o mesmo personagem porque sofrem, de alguma maneira, da mesma intensidade que a paixão gera na vida deles, mas também do mesmo desespero que ela falhe como qualquer outra utopia”, explica. Rodado numa área periférica de Brasília, a fotografia geométrica da cidade é refresco para os olhos, mas é também angústia para os corações mais calejados por amores e utopias fracassadas. A seguir, o diretor bateu um papo com o site da Tpm

O filme tem uma luz fria, azulada, não passa necessariamente a ideia de um lugar quente, apesar de os personagens estarem sempre suados. Onde é que está a insolação no filme?
Quando  fizemos o espetáculo Temporada de Gripe (2003) do mesmo autor do filme, Will Eno, gripe era você cair numa paixão depois começar outra, melhorar, começar outra, cair de novo. E Insolação tem um pouco o mesmo sentido, são essas paixões que nós vivemos e que tendem a falhar. Existe um sol estonteante na cidade, mas existe um gelo muito grande dentro desses personagens. Eles estão sofrendo fisicamente com o sol, mas ao mesmo tempo existe esse contraste imenso. Uma frieza nessa busca emocional em relação às paixões que são despertadas ao longo do filme e da vida eles.

Então qual o sentimento comum aos personagens?

Estão vivendo ápices de paixões. E todos eles se confundem. Aquele homem mais velho que vive de restos de lembranças [Paulo José] se confunde com o homem de meia-idade que está querendo sair dali finalmente [Leonardo Medeiros], e que vê numa mulher que vem de fora a oportunidade para isso [Maria Luiza Mendonça]. Todos eles podem ser o mesmo personagem porque sofrem, de alguma maneira, da mesma intensidade que a paixão gera na vida deles, mas também do mesmo desespero que ela falhe como qualquer outra utopia.

É um filme com um olhar feminino ou masculino sobre a paixão? O filme tem gênero?
Não acho que o filme tenha gênero, acho que o universo tem gênero: ele é feminino. Vocês são tão mais interessantes, tão mais complexas e ligadas organicamente à vida que é difícil esse tipo de comparação porque vocês sempre vão ganhar. É um filme feminino porque a percepção do mundo e da vida é sempre mais delicada e complexa a partir da visão feminina.

Como você chegou a esses roteiristas ingleses (Will Eno e Sam Lipsyte)?
Desde 2003 a gente tem trabalhado junto. Quando nós começamos essa conversa eu disse que queria fazer um filme a partir de uma sensação intensa de amor, realmente um grande impacto amoroso. E aí a gente começou a pesquisar bastante literatura russa, descobri um grande teórico russo, Viktor Chklovsky, que deu origem ao Não Sobre o Amor, nosso penúltimo espetáculo antes do cinema. E aí, finalmente, chegou Brasília, que também foi uma grande revolução dentro da nossa história relacionada a esse filme.

Por que Brasília?

Brasília chegou antes como cenário. A Daniela me mostrou um ensaio fotográfico de um europeu que morou muito tempo em Brasília e que tinha um ensaio lindo da cidade, de uma região atrás dos monumentos, mas que não era periferia. A periferia de Brasília se afavelou e sofre dos mesmos problemas de qualquer outra cidade. Mas existe um cinturão de obras inacabadas, de uma arquitetura falhada e parada, esquecida, como um sonho que acabou e se refletiu de alguma maneira nesse lugar. E é realmente a utopia que acontecia no mundo naquela época e que chegou ao Brasil com a ideia de um país igualitário, de um novo país. E que, por incrível que pareça, fundou uma cidade, Brasília.

Cidade que um dia foi utópica...
E como qualquer utopia, tende a falhar. E falhou. Esses espaços esquecidos estão sendo reaproveitados por um menino que se apaixona pela primeira vez [Antonio Medeiros], por uma mulher que busca uma relação amorosa [Simone Spoladore]. Esses lugares que foram sonhados para uma outra coisa estão sendo reaproveitados para novos sonhos e novas utopias que também falharão. Brasília se tornou bastante conceitual dentro do filme, além de ser o cenário. É uma arquitetura emocional, mas é também um desenvolvimento conceitual de um filme que fala sobre utopia e paixões que falham.

O tempo no filme passa devagar, as pessoas parecem aproveitar o ócio...
É um filme de interior. Sabia que essa cidade seria pequena ou pelo menos focalizada e concentrada. Eu cresci numa cidade assim. Nasci no Rio de Janeiro, mas cresci em Curitiba, uma cidade onde eu tinha tempo para me apaixonar. E em São Paulo a gente só tem tempo para o que acontece de novo, novo... Mas existe toda uma partitura emocional de construção e fracasso de relações e de percepções muito mais delicadas nesses locais menores.

Quando você sentiu que era hora de fazer cinema?
Sempre fui um cinéfilo... As coisas acontecem de maneira muito natural na nossa vida –  minha, da Daniela, do grupo. A gente já fez ópera, prêmios, show. Somos artistas e nos manifestamos. Isso pode acontecer hoje realmente em qualquer lugar. Lá no Festival de Veneza [onde o filme estreou, em 2009] a gente viu que nosso filme poderia estar tanto no Festival de Veneza como poderia atravessar o canal e chegar na Bienal de Artes Plásticas. As fronteiras são muito borradas hoje em dia, e não é um cross media duro, robótico, “prazer, eu sou o teatro” ou “prazer, eu sou o cinema”. As coisas podem conviver e crescer juntas.

O modo como você sofre de amor tem alguma coisa a ver com o filme?
Na vida pessoal a minha tendência é ser muito racional... por fora. Acho que se eu sofro é algo muito íntimo, não é aparente. Mas me sinto privilegiadamente emocional e instintivo. Sou uma pessoa que trabalha com isso. Talvez eu saiba disfarçar melhor.


Vai lá: Frei Caneca Unibanco Artplex –  r. Frei Caneca, 569, Centro, São Paulo,SP, diariamente, às 14h

Crédito: Carol Sachs
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Crédito: Carol Sachs
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