Hit girl

A fama de Sharon Acioly, a autora de "Ai se eu te pego" e "Dança do quadrado"

por Renato Lemos em

Sharon Acioly é uma mulher-raio. Ela tem 40 anos, 1,5 metro de altura, uma barriguinha saliente mesmo após uma lipoaspiração de R$ 8 mil, uma roseira tatuada que vai do ombro até o início do bumbum, o faro fino e a esperteza das pessoas que pensam rápido. Sharon é elétrica. Ela foi uma das criadoras da “Dança do quadrado”, sucesso no Brasil inteiro em 2008. Pouco tempo depois, foi ainda mais longe e colou um outro chiclete poderoso no ouvido dos brasileiros: “Ai se eu te pego”, sucesso mundial na voz de Michel Teló. A música já foi cantada pelo jogador Cristiano Ronaldo, pelo tenista Rafael Nadal, pelos caras do Big Brother e até por soldados israelenses em treinamento. “Dizem que um raio não cai duas vezes em um mesmo lugar. Eu sou a prova do contrário. Eu sou a mulher-raio!”, se define.

São 11 da manhã e Sharon está sentada em um restaurante na beira da praia de Copacabana. O lugar ainda está vazio e lá fora faz um sol dos diabos. Sharon chama o garçom e pede um café com leite pingado. O sujeito, que sabe direitinho quem ela é, pergunta: “Café? Tem certeza?”. Ela ri. “As pessoas pensam que eu tô vivendo de champanhe. Só que até agora não recebi um tostão pela música.”

Sharon possui a estranha capacidade de eletrizar os ambientes por onde passa – para o bem e para o mal. Às vésperas de embolsar uma das maiores boladas da história da música brasileira, pelos direitos autorais da canção (estima-se em R$ 1,5 milhão), ela anda solteira, carente (“Tô querendo alguém para assistir à novela das oito, sabe como é?”) e, principalmente, desconfiada. Desde que a música estourou no mundo todo, não para de aparecer gente reivindicando a coautoria.

“Ai se eu te pego” nasceu como uma brincadeira das estudantes, de 20 e poucos anos, Karine Vinagre, Aline da Fonseca e Amanda Grasiele da Cruz, em uma viagem à Disney. Chegou aos ouvidos de Sharon na Axé Moi, uma daquelas barracas-parques de Porto Seguro, onde trabalhava. “Era uma espécie de grito de guerra que elas cantavam para os dançarinos. Vi que dava samba.” Ou forró, que foi o ritmo da primeira gravação, ainda em 2008: “Quando gravei a música pela primeira vez, escrevi para elas, mas nenhuma respondeu. Agora elas entraram com o processo de coautoria. Fizemos um acordo”.

Depois do acordo apareceram mais três meninas paraibanas – que também estavam na excursão à Disney – pedindo os mesmos direitos. “Aí eu já não sei, é lá com elas”, se esquiva Sharon, que tem Antônio Dyggs como primeiro parceiro na música. “Eu quero é levar minha vida adiante”, completa.

Paquita, eu?

A vida nova de Sharon começa em Salvador, para onde se mudou há dois meses. Está morando em um apartamento (“alugado, hein!”) no Porto da Barra, parte chique da cidade, com dois bailarinos que levou de Porto Seguro. Comprou um carro novo. Roupa nova. Sapatos de salto bem alto. Anda com um punhado de planos na cabeça. A princípio vai fazer rádio, mas pretende ter seu próprio programa de TV: “Quando era pequena minhas amigas queriam ser Paquitas. Eu não, que mané Paquita. Eu queria ser a Xuxa, pô!”.

Sharon nunca pensou pequeno. Nasceu nos Estados Unidos, onde o pai, o maestro Ely Arcoverde, fazia uma turnê. Foi criada na classe média de Copacabana, perto do local da entrevista. Ela, o pai, a mãe e mais dois irmãos. “A Sharon sempre foi muito musical. Quando era pequena cantava usando o cabo de vassoura de microfone”, atesta o pai, que ninava a filha ao som de trombone. “A música que ela faz é muito simples, mas muito eficiente. Todo mundo canta.”

A primeira vez que Sharon saiu de casa foi para morar com a tia em Nova York. Tinha 15 anos. Ficou seis meses apenas. Voltou a morar com os pais aos 18, fugindo de uma paixão que a deixava com os quatro pneus arriados. Aí, passou quatro anos pelos EUA: “Na segunda vez, fui para Los Angeles, sozinha. Fui baby-sitter, garçonete e cantava MPB em casas noturnas, mas, no fim dos anos 80, o público só queria saber de lambada. Aí, no fim do show, ensinava lambada pras americanas. Ali descobri que música popular é que dá dinheiro”.

Na volta dos Estados Unidos, foi dar aula de inglês em Maricá, cidade de praia perto de Niterói. Lá teve sua primeira experiência como apresentadora/animadora, trabalhando na rádio local. Seu grande salto profissional foi um convite da barraca Vira Sol, em Porto Seguro. Uns amigos arrendaram uma pousada e indicaram seu nome para o dono da barraca, interessado em dar um upgrade no lugar.

Era 1994. O Brasil estava ganhando a Copa do Mundo, Sharon tinha 23 anos, uma voz agradável, inglês na ponta da língua, disposição para aturar turistas bêbados e cara de pau para, de quebra, ensinar passinhos de lambaeróbica para eles. “A grande virtude da Sharon é o ouvido. Ela consegue pegar o que está circulando e transformar em hit”, comenta Anderson Quaresma, o Geléia, produtor musical da Axé Moi, barraca para onde Sharon se transferiu em 2000: “Em cima do palco ela domina”.

Foi do palco, com o ouvido atento, que viu quatro moleques de Bauru ensaiando uma dancinha usando as lajotas da barraca como limite para os passos. Eram universitários em férias. Felizes. Às vezes eles imitavam a pedalada do Robinho, às vezes eles dançavam igual ao Claudinho e Buchecha, outras vezes eles pareciam voar como os atores de Matrix. “Na hora vi que o negócio ia longe. Chamei os meninos pra cima e, daquele dia em diante, não podia mais subir ao palco sem fazer a ‘Dança do quadrado’”.

 

“Tenho vocação para a comunicação. Falo pra caramba. Meu pai dizia que eu tinha sido vacinada com agulha de vitrola” 


Ado, a-ado. Sharon pôs um funk como fundo na brincadeira, criou novas coreografias, registrou o negócio e foi adiante. Sozinha. “Depois que a música estourou os meninos me procuraram. A única coisa que pediram é que eu sempre revelasse a origem da dança. É o que faço: ‘Ó, quem inventou foram os meninos da Unesp Bauru!!’”, grita, rindo.

Entre as novas coreografias criadas por Sharon estavam o passinho do “Zidane no inimigo”, que reproduzia a cabeçada do jogador francês no adversário na final da Copa de 2006, o “Cielo na piscina”, em que se dançava como se nadasse uma prova olímpica, e, por fim, a “Cicarelli com namorado”, em que, sacanamente, imitava os movimentos da Daniela Cicarelli namorando na praia. “Cada um no seu quadrado” ganhou o Brasil, ultrapassou os limites da música, virou gíria e, de certa forma, etiqueta de comportamento. Cada um na sua. E Sharon foi parar no programa do Luciano Huck.

“O dia 28 de março de 2008, quando pisei no Caldeirão do Huck, é um divisor de águas na minha vida. Queria ser que nem ele.” Mesmo com o sucesso, Sharon decidiu permanecer em Porto Seguro, trabalhando na Axé Moi. Às vezes entrava às oito da manhã e saía às dez da noite. “Tenho vocação para a comunicação. Falo pra caramba. Meu pai dizia que eu tinha sido vacinada com agulha de vitrola.” Estar em cima do palco na beira da praia não quer dizer se divertir sempre. “Uma vez um cara me tacou uma lata de cerveja e gritou: ‘Cala a boca, gorda’. Aí o tempo fechou, né?”, explica Sharon, que, apesar de trabalhar numa barraca, jura que não é barraqueira. “Sou um docinho, cara.”

Em tempos de “Ai se eu te pego” cantado por todo o mundo (há registro de gravações em japonês, polonês e até ucraniano), o “docinho” elege o número 1 na sua listinha pessoal de “assim você me mata”: “Malvino Salvador. É homem com cara de homem. Delícia.” Mesmo trabalhando cercada de dançarinos sarados e sorridentes, Sharon tenta fugir das tentações. “É um ditado velho, mas verdadeiro: onde se ganha o pão não se come a carne. Já fiz isso uma vez e não prestou.”

Gisele Bündchen

Com o tempo apertado entre compromissos profissionais – chegou a dar quatro entrevistas num só dia –, se divide entre montar o apartamento em Salvador e a família, em Copacabana. Sharon só lamenta estar com pouco tempo para a vaidade. “Não repara no Photoshop, hein?”, diz ao entregar uma cópia de seu DVD ao repórter.

O sol de Copacabana está cada vez mais quente e, depois do café com leite, Sharon pede uma água gelada. Sem gás. Vive de dieta. “Sou boa de garfo, então tenho que me controlar. Não sou a Gisele Bündchen, mas posso melhorar o material que tenho. Sou completamente a favor da plástica.” Depois arremata: “Meu amigo, tudo é válido pra ficar mais bonita. Me diz que mulher não quer ficar mais gostosa? Toda mulher quer ser gostosa, pô!”. Sharon, então, se levanta, puxa a barra do vestido para baixo, manda um beijinho de longe e cai fora rapidinho. Como um raio.

PRODUÇÃO ANA HORA MAQUIAGEM NAT ROSA ASSISTENTE DE FOTO MANUELA GALINDO

Crédito: Arquivo pessoal e reprodução
Crédito: Jorge Bispo
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