Histórias de amor
Testemunha ativa de 22 casamentos no mesmo dia, refleti sobre minha própria vida e sobre as convenções dos relacionamentos
Conhecido como Hipódromo da Vila Guilherme, esse parque marcou a geração paulistana nas décadas de 50 e 70, quando sediava as corridas de trote, numa espécie de cavalgada com “charretinhas”. Hoje se transformou no primeiro parque acessível da cidade de São Paulo. Há dois anos, fui madrinha de outro casamento comunitário no mesmo parque, com o então prefeito José Serra. Mas daquela vez presenciamos a união de apenas dois casais. Desta, foram 22 enlaces.
O primeiro casal ultrapassava os 70 anos. Quando o padre pediu as alianças, o senhorzinho falou: “Num tem, não!”. A esposa, num ato cinematográfico de “Roliúde nordestina”, meteu a mão no bolso do paletó do noivo e sacou o par de alianças dizendo com firmeza: “Tá ruim, hein, que eu ia esquecer dos anéis”. Quando o segundo casal foi inquirido se era uma ação de livre e espontânea vontade, o homem falou “sim” num volume tão discreto, que provocou na noiva uma necessidade de gritar o seu “sim”, arrancando risos da platéia.
Todos demonstravam estarem com os nervos à flor da pele, mas depois do beijo matrimonial vinham nos cumprimentar com sorriso de alegria e satisfação. E eu entrei na viagem rapidamente me deixando ser madrinha e emitir providências de amor e paz. Além de acompanhar cada cerimônia e beijar as noivas, assinei todas as certidões de casamento. Esse momento sem dúvida ficou registrado no imaginário dos casais e familiares, pois a concentração no ritual era interrompida para me observar escrever com a boca. Teve um marido (já havia falado “sim” e trocado as alianças) que parou de ouvir a juíza, me olhou assinando e exclamou: “Nossa, com a boca?”. E, na seqüência, já foi esticando o braço para me cumprimentar. Naturalmente, achou que aquela atitude não passava de um estilo excêntrico. Parecia jamais ter concebido, por trás daquela assinatura, a falta de movimento nos braços. E digo naturalmente porque também sinto assim! Esse homem chegou ao altar pedindo para acelerar a cerimônia, pois precisava de uma cachaça para cortar o nervosismo. Segurava no colo o filho de meses com a cabeça completamente pendurada para o lado. Aquilo me deu tanta aflição que fiquei chamando a atenção para a posição da cabeça do bebê. Não me deram a mínima.
Toda noiva ganhava uma lembrancinha do parque, que era um casal de bonequinhos noivos ao lado de um cavalo, tudo de plástico. Uma mulher, vestida fielmente a caráter, deu o presente dela para mim. Tinha casal muito jovem, idoso, noiva grávida, filhos e apenas uma moça tinha jeito de virgem. Alguns tinham semblante tão sofrido que pareciam ter sido obrigados a casar.
Naquele dia meu relacionamento amoroso andava tão mal que por várias vezes questionei a atitude daqueles casais. Nem na adolescência tive o sonho do véu e grinalda. Esse desejo nunca fez parte da minha vida. Não é que eu não acredite no amor. Ao contrário, tenho como verdadeiro que existem inúmeras fórmulas de amor e de felicidade. Mas acredito que existe anistia para desejos fora da ordem e que não precisamos de ninguém para nos completar, pois devemos fazer isso sós. Aí sim estaremos aptos a ter uma boa companhia nupcial!