Filhos
Um recém-nascido é profundamente colado no milagre da vida, mais próximo a Deus que a nós
Escrevo no intervalo entre uma mamada e outra, enquanto minha recém-nascida Iolanda dorme no quarto ao lado. Não estou descabelada, desesperada tentando entender o que tal tipo de choro ela emitiu significa ou aflita com o modo como essa nova pessoa dominou a minha vida por completo.
Me sinto feliz, calma, baranga, mas poderosa. Quem nunca teve filho não entende o que os outros dizem quando se referem ao amor máximo – a profunda experiência da maternidade. E estar no amor máximo é poder, de um jeito íntimo, para si, não para o outro. Um poder anticapitalista que não deseja produzir, consumir e só amar, cuidar, doar. Não deseja conquistar, dominar, exibir, mas simplesmente viver plenamente cada momento. É um poder, a um só tempo, do agora e da transcendência.
Um recém-nascido é profundamente colado no milagre da vida. Mais próximo a Deus, a uma força criadora, que a nós adultos. No momento em que a pequena Ioio foi retirada pelo obstetra de dentro da minha barriga, tomei um susto. Por mais que nós saibamos o que vai acontecer quando parirmos, é completamente acachapante que de dentro de uma mulher saia uma micropessoa; frágil, desprotegida, mas pronta: com pele, unhas, cabelo e olhos abertos para te olhar. Pra mim, esse foi o momento mais emocionante do parto: quando Iolanda me olhou nos olhos, reconhecendo a pessoa com quem ela conviveu por dentro, durante nove meses.
Essa sensação de milagre se repete diariamente, a cada mamada, quando a coloco para arrotar sobre meu ombro. Me sinto em estado meditativo, colada a um ser todo luz, todo puro, puro amor.
Imagino que todos esses bons sentimentos, misturados à onda de amor que emana dos familiares, amigos e pessoas ao redor, estejam ajudando a pequena Ioio a ficar segura e tranquila, e a não chorar mais do que o normal. O ambiente ao redor de um bebê obviamente é sentido por ele. Sobretudo os sentimentos da mãe, com quem o recém-nascido é só um durante os primeiros 40 dias em muitas culturas. Ela não sabe o que significa amor, mas sente a verdade doce e potente que habita as palavras “eu te amo”.
Morena do mar
Já dá pra entender que muitas vezes me pego chorando, emocionada. Nunca resisto quando Francisco, pai de Iolanda, pega nossa filha no colo e dança com ela a praieira “Morena do mar”, de Dorival Caymmi. Não consigo deixar de pensar que, em nosso primeiro encontro, há quase sete anos, lá pelas tantas no bar Jobi, ele me contou que escrevia um livro sobre o músico e desandou a tentar me seduzir com suas ideias sobre o mestre baiano. Não consigo deixar de pensar nele cantando pra mim “Morena do mar” e eu lhe dizendo que, no dia em que tivéssemos um filho, nós cantaríamos aquela canção para ele. Hoje, ao ver isso realizado, sinto uma fé profunda no amor, na capacidade da gente de superar os problemas típicos de qualquer relacionamento e seguir junto, em frente, construindo uma vida que dê o melhor e maior de todos os frutos: filhos.
Antonia Pellegrino, 31 anos, é roteirista e escritora. Seu e-mail: a.pellegrino@terra.com.br