Filhos da Copa
A pedido da Tpm, a escritora Carol Bensimon criou o dia 17 de julho de 2015
A pedido da Tpm, a escritora Carol Bensimon criou o dia 17 de julho de 2015, quando, claro, não nos livraremos de reportagens com os "filhos da copa". Ali, ainda teremos que lidar com as velhas ladainhas machistas e a perda total no bom senso geral. Vai, Brasil!
Ah, 2015. Décimo sétimo dia de junho, um ano sem gracinha, um ano de ressaca, não há palavras de ordem nas ruas nem cantos ou vaias nos estádios. A vida de todo dia segue, e todo dia é um pouco pior e um pouco melhor, as cidades grandes crescem, as cidades médias crescem, as pequenas têm vontade de crescer, troca-se paralelepípedo por asfalto, tijolo por vidro, comidinha da vovó por bufê a quilo, troca-se ar livre por shopping. Ah, o progresso. Os velhacos de sempre se elegeram. O Brasil se divide entre quem é evangélico e quem tem medo da progressiva ascensão dos evangélicos. Discussões importantes que ainda não tiveram vez: legalização do aborto, descriminalização da maconha, presença de crucifixos em repartições públicas, uso massivo de agrotóxicos. Assuntos irrelevantes que geraram discussões: nova teoria conspiratória de colunista direitoso, o futuro de Felipão, uma charge “polêmica” na prova do Enem, o sucesso de algum quitute brasileiro em um restaurante badalado de Nova York. Em Angra dos Reis, algum ator hollywoodiano foi flagrado tomando sol em uma lancha. Nós nos sentimos muito gratos por sua presença. O trem-bala entre Rio de Janeiro e São Paulo não vai sair do papel. Algumas obras de mobilidade urbana chamadas carinhosamente de “legado da Copa” ainda não estão prontas e, quando estiverem, os problemas da cidade já serão outros. Comentaristas de internet continuam culpando decotes, salto alto ou batom vermelho por eventuais violências sofridas por mulheres. Os jornais estimam que os dois gays da novela das 9 devem levar 126 capítulos para protagonizarem o tão esperado beijo de 1 milésimo de segundo, em vez dos mais de 200 capítulos dos anos anteriores, o que será considerado um progresso e tanto pelo movimento LGBT. “Filhos da Copa” foi o título de alguma reportagem sobre bebês nascidos nove meses após o mundial, em que mães aparecem em quartos modestos segurando o retrato de algum estrangeiro de olhos azuis, com a camisa de seleção e peruca fosforescente. Crianças de classe média são agora deixadas em um espaço kids permanente até o fim da infância, nos fundos de um restaurante italiano de tijolos à vista, luz indireta e utensílios de cozinha enferrujados nas paredes, poupando os adultos da penosa tarefa de criar filhos. O status de Romero Britto está passando por uma mudança radical: intelectuais começam a vê-lo como um artista provocador que borra as fronteiras entre a arte e o consumo de massa, enquanto a elite fiel não sabe o que fazer com aquele bule, aquela bolsa, aquele sapato, aquela poltrona anteriormente adquirida.
Agora vai, Brasil.
*Carol Bensimon é escritora, autora do romance Todos nós adorávamos caubóis (ed. Companhia das Letras, 2013)