Família, família
A porquinha-da-índia estava grávida e fui me comovendo com a bichinha, tão mãe quanto eu
Foi batizado Anakin. Anakin Skywalker. Era um porquinho-da-índia. Chegou no dia de Natal, realizando o desejo do meu filho de ter um bicho de estimação. Na hora, contive minha insatisfação, o momento não poderia ser mais inoportuno, eu para ter bebê a qualquer momento. Mas achei o pedido justo. Justo e bonito.
Eu mesma sempre fui uma mulher de cães. Peter, Nietzsche, Freud e Lao Tse: grandes companheiros. Dois schnauzers e dois labradores. Fizeram minha vida mais feliz. Mas a verdade, da qual não me orgulho, é que desde que me tornei mãe perdi completamente o interesse por animais domésticos.
Inclusive, confesso, dei meus últimos cachorros quando meu filho começou a andar – era inviável cuidar do João e manter dois labradores enormes dentro de um apartamento. Me senti uma bruxa, mas fiz questão de mantê-los juntos: Dindi e Miranda. Eram um casal, ela preta e ele creme, faziam muito sucesso na orla carioca e continuaram abafando lá em Campo Grande, bairro do meu caseiro Osvaldo, herdeiro por direito e convívio com a dupla. Mas vou voltar ao porquinho.
Tudo o que já tinha ouvido sobre a espécie veio do Manuel Bandeira, que escreveu assim, com aquela gentileza de quem se faz de simples, num de meus poemas preferidos: “Tereza, você é a coisa mais linda que eu já vi na minha vida, inclusive o porquinho-da-índia que eu ganhei quando tinha seis anos”.
OK, o ratinho não é feio. Mas, Bandeira que me perdoe, a troca é nenhuma. Anakin fica dentro da sua grande gaiola, de preferência entocado na caixa de sapato que colocamos lá dentro, e não faz nada. É um porquinho-da-índia e pronto.
Mas meu filho está apaixonado: limpa a gaiola, verifica água e comida, pesquisa na internet quais legumes pode oferecer ao filhote. E ficou triste porque o deixamos três dias no veterinário para viajarmos no Ano-novo.
Coração de mãe
Na volta, quando fomos buscá-lo, a surpresa: fomos informados de que o porco era fêmea e estava grávida. Eu, que já maldizia um, quase chorei: eram quatro filhotes! “Quem vai parir primeiro, mãe, você ou a Marina?” Meu filho já tinha rebatizado o animal e estava contentíssimo com a novidade. E eu fui me comovendo com a bichinha, meu coração não era assim tão duro.
Pois bem: Marina teve seu filhote alguns dias depois de mim – só um nasceu vivo. E eu passei a amá-la, ela, tão mãe quanto eu, mas muito mais forte: teve seu filho sozinha e continuava levando sua vidinha tão grande, ser um ser da natureza. E só.
Pirata, o filhote da Marina, morreu com 1 semana de vida. Ela parou de amamentá-lo depois que uma amiga do meu filho passou o dia com ele no colo. Quer dizer, eu não sei se foi por isso. Mas chorei como criança. E me culpei por não ter feito alguma coisa. Mas é que eu estava com um bebê de 5 dias em casa e a minha vidinha de mãe é ficar grudada ao meu filho. Meu coração está fechado para bichinhos de estimação. Desculpa, Piratinha.
Maria Ribeiro, 34, é atriz e diretora do documentário Domingos, sobre o diretor de teatro e de cinema Domingos Oliveira. Atuou em Tropa de Elite, em 2007, e está em filmagem de Tropa de Elite 2. Seu e-mail: ribeirom@globo.com