Família conquistada

Coisa mais bonita é conhecer alguém. Uma pessoa nova é um mundo inteiro que se apresenta

por Maria Ribeiro em

Eu sempre gostei de gente. Não há paisagem, obra-prima ou baleia jubarte que desperte meus sentidos como os mamíferos da espécie humana. Motoristas de táxi, manicures, vendedoras de loja, massagistas, o porteiro do edifício…raramente saio incólume do convívio mais prosaico.

Outro dia, no balcão da padaria, debrucei-me sobre a vida do rapaz do pão na chapa: se tinha filhos, gostava do que fazia, acreditava em Deus, gostava de Avenida Brasil, em quem votaria para prefeito. Acho que meus ouvidos têm vocação para a política, porque ouço a história de absolutamente qualquer pessoa com o mais genuíno interesse. Difícil dar uma entrevista em que eu não vá embora sabendo tudo de quem deveria fazer as perguntas.

Preciosidade
Pensando bem, talvez sempre tenha sido assim. Porque, na primeira vez que vislumbrei o que gostaria de fazer quando crescesse, lá pelos 6 anos, pensei imediatamente no Globo repórter. O programa jornalístico da TV era, de longe, meu favorito: todo tipo de gente, dos cantos mais remotos do Brasil. Eu sempre quis estar cercada, principalmente por gente diferente.

É bem verdade que não virei jornalista, como planejei, mas tenho feito filmes, e um set fora de casa costuma ser um convívio radical, onde casais são feitos e desfeitos na segunda semana, ódios aparecem como na época da escola, e a jornada extenuante estressa o mais zen dos filhos de Deus. Mas no tempo que se espera pra luz da cena ficar pronta dá pra fazer amigos de infância, e nisso reside uma das preciosidades do cinema.

Assim foi no meu último trabalho, um filme sobre amizade e passagem do tempo. Peço licença pra citar Marta Nowill, Carolina Dieckmann, Paulo Vilhena, Julio Andrade, Caio Blat e Paulo Morelli, com quem por dois meses dividi meu inexorável silêncio das seis da manhã. Que coisa mais bonita é conhecer alguém.

Dizem que nós, atores, somos vaidosos, pueris e egocêntricos. Mas, em busca da personagem, abrimos os canais e, absolutamente disponíveis, buscamos onde nosso mundo interno se encontra com a história que o diretor quer contar. Somos praticamente massa de modelar.

E assim passei meus dois últimos meses: fingindo amar seis atores como se fossem irmãos. Sessenta dias que vão ficar pra sempre e que deixaram um vazio imenso no meu peito. Nunca vou esquecer dos finais de tarde no quarto do Julinho, quando nos reuníamos pra falar sobre pais e filhos, amor e medo, paixões e grana. Quando dançávamos ouvindo o mesmo Lulu Santos que tocava nas festas da nossa juventude.

Parecíamos ter voltado aos 20 anos, quando andávamos em bando e o coração era puro, mas agora, com a ficha corrida dos 30, o valor desse encontro foi bem diferente. Hoje sabemos que o tempo passa, que a amizade é ouro e que a maturidade nos espera. Esse vazio que sobrou das filmagens ainda não foi embora. Pensando bem, nem quero que vá. 

Maria Ribeiro, 35 anos, é atriz e diretora do documentário Domingos, sobre o diretor de teatro e de cinema Domingos Oliveira. Atuou em Tropa de elite, em 2007, e em Tropa de elite 2, em 2010. Seu e-mail: ribeirom@globo.com

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