Eu quero sangue!
Você odeia o namorado, o chefe, a Sabesp, as amigas, o garçom
Nada pior do que acordar com ódio no coração. Olhar pela janela, ver o sol e só conseguir pensar no suor e nas coisas que não poderemos fazer porque estaremos no trabalho. O café fica fraco. O pão torra demais e todo e qualquer pensamento que venha à cabeça é negativo, imoral ou engorda. A correia se instala e se você não estava atrasada, agora está. O anel cai no chão e quebra. O preferido. Toca a campainha e são as testemunhas de Jeová. Tudo está programado para dar errado.
Atrasada, com o rímel para passar e três telefonemas para fazer, você chega. Mas não há vaga para estacionar. Na correria o telefone cai no chão e, claro, quebra. Uma lágrima corre pelo rosto e vem a certeza de que ela é de sangue. Você checa, não é. Ainda. Você se recompõe e mentaliza um mantra da ioga. A telefonia não coopera e a ligação para Net cai duas vezes. “Vou cancela a Net, hoje”, você jura, mais uma vez. O nariz escorre e novamente a certeza de que é sangue. Deixa sair, mas não é, ainda.
Na rua, é natal, as pessoas estão felizes e o verão chega em poucos dias. Mas, hoje, tudo isso é hipocrisia. Papai noel é o caralho e as luzinhas na varanda são o inferno piscante. Traz a bebida que pisca. Traz o gim, o rivotril.
Você morde a boca, vem o gosto de ferro. Agora é sangue, certeza. Mas não basta ser sangue, é preciso transbordar sangue, é preciso jorrar. As pessoas com sacolas irritam, você só pensa nas mazelas humanas e em como somos egoístas e consumistas.
De frente para o computador os posts no Facebook exalam felicidade. Seu cu, que vocês são tão felizes assim! A única coisa que vem em mente é “como essas pessoas são falsas”, quanta gente infeliz arrotando coisas boas. Você entra em todas as brigas que pode e responde da pior maneira possível. Se hoje é pra dar errado, que seja errado com pompa. Então, resolve tirar uma pelinha do canto da unha, que não estão feitas, claro, e sangra. Quase jorra. Na intenção de estancar você se suja e vocifera contra si mesma por dentro. A culpa tem que ser de alguém. Você odeia o namorado, o chefe, a Sabesp, as amigas, o garçom.
Anoitece. E daí você se arrepende. Chora os feitos e os defeitos. Se chora toda. Soluça e se contorce até que uma pontada na barriga serve de aviso. A menstruação explode. Enfim, sangue.
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