Eu não gosto do verão

Sorvete no frio pra não derreter, praia vazia... Passei 35 anos me achando inadequada

por Maria Ribeiro em

 

Quando acordo, ele já está lá: de bermuda, com o som ligado, copo na mão. Mora no prédio da frente e me parece absolutamente feliz. Deve ter 20 anos, e me atira na cara, todas as manhãs, a não piscina que eu sou. Que ódio. Porque eu preciso produzir o meu ócio. Organizar hora, local, circunstância, encontrar motivo nobre. Por pouco não reconheço firma pra poder me divertir. E agora não tenho pra onde ir: é dezembro, o calor chegou e férias se anunciam.

Eu não me orgulho do que vou dizer, mas não gosto do verão. Pior: eu temo o verão. Sinto-me humilhada por ele, como se não estivesse à altura da sua leveza e descompromisso e tivesse que ser feliz num volume que não sou capaz. No Rio, não frequentar a praia é quase um desvio de caráter. Mas considero frescobol tão difícil quanto física nuclear. E só gosto de suar por contraste, sabendo que um banho se aproxima.

Eu gosto de ir ao cinema. De ar-condicionado. De farmácia 24 horas. De tirar o plástico das revistas. Do jornal intocado na porta da minha casa. De ver cardápio de restaurante e pedir sempre o mesmo prato. De viajar pelo prazer da volta. Barulho de recado no celular. Sorvete no frio pra não derreter. Praia vazia. Trabalho.

Acredito que as pessoas se dividem em dois grupos: aquelas que passam e-mails coletivos pregando a gentileza e aquelas que olham no olho do garçom. Do mesmo modo, percebo a superioridade daqueles que veem a banda passar, e não há aí um pingo de ironia, admito minha derrota e inveja. Não consigo ficar sem fazer nada. E sonho com o dia em que vou gostar de areia desde os 9 anos.

Quando sou comum
Porque, como se não bastasse o verão (e com ele a tristeza de aposentar o jeans), há ainda o Natal. E depois o Ano-novo. Apesar de que há alguns anos, desde que tive filho, deixei de sofrer com réveillon. Posso assegurar que dormir sem culpa à uma da manhã na passagem do ano é uma das grandes vantagens de procriar.

Antes, ficava tomada por uma necessidade desesperada de me divertir. Em outubro já estava angustiada. E se dormisse antes de o sol nascer no dia 1º de janeiro meu ano estava arruinado.

Faço aqui esta autopropaganda às avessas por um motivo singelo: passei grande parte dos meus 35 anos me achando inadequada e gostaria de oferecer um desabafo aos meus iguais. O Ano-novo é como Papai Noel, só finja que acredita se houver crianças. Um dia me liberto das convenções e ignoro todas as datas.

Mas preciso dizer: sou absolutamente refém do meu aniversário. Fico feliz e triste, me importo se não me ligam, preciso ser amada e festejada como se fosse criança. Posso passar ao largo do verão e ficar indiferente a dezembro, mas, com relação à minha passagem do tempo, sou comum que só. E, curioso, agora que falei em aniversário encontrei um grande motivo pra gostar do Natal: é aniversário de Cristo. Não só o dia em que ele nasceu, mas também quando reunia os amigos em torno de um vinho. Nunca tinha pensado nisso e de repente achei lindo e emocionante.

Maria Ribeiro, 35, é atriz e diretora do documentário Domingos, sobre o diretor de teatro e de cinema Domingos Oliveira. Atuou em Tropa de Elite, em 2007, e em Tropa de Elite 2, este ano. Seu e-mail: ribeirom@globo.com

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