Equilíbrio difícil

Hoje considero seis meses de licença muito pouco para se adaptar à vida de mãe

por Antonia Pellegrino em

Considero o trabalho o melhor amigo do homem. O centro da vida, o eixo fundamental, aquele que nunca vai virar as costas para você. É um amigo exigente, que pede sacrifícios, disciplina e profunda dedicação. Por excesso de responsabilidade ou pressões externas, muitas vezes usamos o trabalho para conseguir bens materiais, reconhecimento ou poder. Mas a verdadeira maturidade começa quando nos permitimos focar irresponsavelmente apenas no processo, na relação cotidiana com a tarefa, e não em seus resultados. Amar o trabalho, acima de tudo.

Ainda grávida, eu tive algumas reuniões de trabalho sobre projetos futuros, que eu queria começar a curto prazo, e sempre ouvia com silenciosa frustração: “Quando o bebê nascer a gente conversa”. Ainda grávida, eu tentei montar um grupo de estudos que começaria dois meses após o parto e o professor, ao se dar conta do cronograma, me disse: “Vamos conversar depois da licença-maternidade”.

Uma licença de seis meses me parecia uma eternidade. Com o que eu ocuparia a minha cabeça durante tanto tempo? Eu sabia que o meu cotidiano estaria comprometido com os cuidados com o neném, mas imaginava que o pensamento viajaria livre no trabalho.

No entanto, quando a bolsa estourou, minha identidade também escorreu naquela água. Tudo o que até então parecia urgente, importante, fundamental pôde esperar ou simplesmente deixar de ser. A ideia de encontrar pessoas num grupo de estudos ou me comprometer com uma carga pesada de trabalho pareceu completamente despropositada. Afinal, havia algo extraordinário acontecendo diante dos meus olhos, ao alcance das minhas mãos, naquele mesmo instante.

Novas prioridades

O nascimento de um filho altera tão profundamente o eixo da existência que tudo o mais empalidece. Não se trata do óbvio: ter menos tempo para trabalhar, mas de ter menos vontade. O filho concentra muito da nossa capacidade de amar. Acordar cedo, hoje, é para brincar com minha filha e meu marido. Começo a trabalhar só depois que ela sai para seu passeio no parque e sempre me deixo interromper quando ela volta. O que vale mais: escrever algumas linhas ou estar presente no dia em que Iolanda, em vez de se jogar de bunda no chão, quando está de pé, começa a controlar o movimento de suas pernas na descida, até novamente sentar-se?

Certa vez eu li uma matéria com diversas mães a respeito de licença-maternidade e uma delas defendia dois anos de licença. Continuo achando dois anos muito, mas hoje considero seis meses pouco. É só o tempo de passar o maior perrengue – o período mínimo de amamentação e um reajuste entre esta nova pessoa que nos tornamos após a maternidade e o mundo. O prazer que vem depois de atravessarmos a arrebentação fica drasticamente limitado pelo trabalho.

Sorte a minha que trabalho em casa.

 

Antonia Pellegrino, 32 anos, é roteirista e escritora. É dela o roteiro da série Oscar Freire 279 e ela ganhou o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro pelo roteiro do filme Bruna Surfistinha. Seu e-mail: a.pellegrino@terra.com.br
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