Sandra Annenberg

A âncora do Jornal Hoje fala sobre fama e machismo na televisão

por Lia Hama em

Sandra Annenberg em ensaio da Tpm - Crédito: Thelma Vilas Boas

Aos 6 anos de idade, ela apareceu pela primeira vez na televisão numa atração da TV Cultura. Aos 7, começou a fazer comerciais de TV. Com 14, virou repórter do programa Crig Rá e fazia perguntas sobre sexo nas ruas. "O que você acha da virgindade? Você já se masturbou?", disparava. Aos 19, como atriz da novela Chapadão do bugre, ficou nua ao lado do galã Edson Celulari. Aos 23, já como moça do tempo, foi a primeira mulher a ter um quadro fixo no Jornal Nacional – "Deus criou a mulher, e o Jornal Nacional só descobriu agora", comentou, na ocasião, o colunista Zé Simão. Tornou-se apresentadora do Fantástico, correspondente em Londres, âncora do Jornal Nacional e editora executiva do Jornal da Globo, para citar apenas algumas de suas inúmeras atividades. Aos 43, seu comentário "Que deselegante!", sobre um empurrão sofrido ao vivo pela repórter Monalisa Perrone, se espalhou como viral pelas redes sociais. Hoje, aos 46 anos, Sandra Annenberg comemora uma longa e premiada carreira de 40 anos de televisão. "Fiz tudo muito cedo na vida. Eu vim ao mundo com pressa. Quando minha mãe chegou ao hospital, eu já estava saindo, foi um parto relâmpago. Às vezes tenho a impressão de que já está na hora de me aposentar!", brinca a atual apresentadora do Jornal Hoje e do programa Como será, ambos na maior emissora do país.

Filha de um engenheiro e de uma produtora de TV, Sandra nasceu numa família de classe média paulistana em 1968, "o ano que não terminou", nas palavras do escritor Zuenir Ventura, em meio à ebulição dos movimentos estudantis e das greves operárias. Estudou em colégios então tidos como alternativos, como Lourenço Castanho, Vera Cruz e Oswald de Andrade. Os pais, de esquerda, faziam oposição ao regime militar. "No auge da ditadura, eles ajudaram muita gente a se esconder ou a fugir para o exílio. Meu passeio de fim de semana era visitar presos políticos. Estudei com o Deco, filho do Vladimir Herzog [jornalista da TV Cultura morto pelo regime militar em 1975], e me lembro de quando o pai dele desapareceu. Tudo isso é muito vivo na minha memória", afirma.

A estreia, em 1974, ao lado do ator Luis Gustavo em teleteatro da TV Cultura - Crédito: Arquivo pessoal

Leve e solta

Casada há 20 anos com o jornalista Ernesto Paglia, 55, que conheceu nos bastidores globais, tomou gosto pelo mergulho, um dos seus hobbies ao lado do apresentador do Globo mar. A filha deles, Elisa, 11, segue os passos da mãe. "Ela quer ser atriz." Em uma casa no bairro da Vila Madalena, em São Paulo, onde participou da sessão de fotos, e depois na redação da Tpm, em Pinheiros, Sandra falou de carreira, casamento, vida de celebridade e também de questões polêmicas, como política, descriminalização do aborto e drogas. Sempre com um jeito leve e solto de menina que mantém intacto nos olhos brilhantes e no riso fácil, mesmo quando o assunto é espinhoso. Coisa de quem veio ao mundo com pressa, mas também com sabedoria.

Tpm. Como foi sua estreia na TV?

Sandra Annenberg. Minha mãe trabalhava na TV Cultura e, quando não tinha com quem me deixar, me levava com ela. Eu amava. Andava pelos estúdios e falava: "Quero trabalhar com televisão". Tinha um fascínio por toda aquela adrenalina. Aí ganhei de aniversário de 6 anos uma participação num teleteatro baseado na obra Um dia ideal para os peixes-banana, de J. D. Salinger. Na minha única cena tinha um travelling de câmera e eu aparecia atrás de uma treliça, sentada num banco de piano ao lado do ator Luis Gustavo. No dia da estreia, a família toda se juntou para assistir. Todo mundo na expectativa. Mas aí...cadê a Sandra? Foi uma decepção, só aparecia a ponta da minha orelha atrás da treliça! [Risos.]

Aos 14, como repórter do Crig Rá - Crédito: Arquivo pessoal

 

Aos 14 anos, você já era repórter do programa Crig Rá, dirigido pelo Fernando Meirelles e transmitido na TV Gazeta, e fazia uma série de perguntas sobre sexo nas ruas. Era muito jovem pra isso, não? Muito jovem! A gente saía e perguntava na lata aos passantes: "Você é virgem? Você gosta de se masturbar?".

"Eu saía na rua e perguntava na lata: 'Você é virgem? Você gosta de se masturbar?''

Numa época em que ninguém falava sobre isso abertamente. Não se falava. Era o começo dos anos 80, não existia um programa na TV como o Amor & sexo. Era um grande tabu. Eu sempre fui muito a favor de desmitificar tudo: sexo, o que pode e o que não pode. E, nessa época, eu era mais cara de pau. Quando se é jovem você se lança mesmo.

Que tipo de jovem você era? Eu sempre fui precoce, a mais nova da turma. E trabalho desde sempre, então fui guardando dinheiro. Durante muito tempo fui modelo de comercial, e modelo com fala. Ganhava-se bastante dinheiro com isso, eu fiz muitos comerciais, mais de 50. Com 18 anos, decidi que ia sair da casa dos meus pais e simplesmente fui. Eu já me sustentava.

Com o grupo de dança Panãpaná no início dos anos 80 - Crédito: Arquivo pessoal

 

Como foi a história de gravar uma cena nua com o Edson Celulari na novela Chapadão do bugre? Era uma minissérie da TV Bandeirantes dirigida pelo Walter Avancini. O Edson Celulari e a Mika Lins eram os protagonistas. Eu perdi a época de inscrição para os testes da novela; quando cheguei, já estava encerrada. Mesmo assim, deixei meu currículo com os contatos. Algumas semanas depois, recebo um telefonema: "Oi, Sandra, aqui é o Walter Avancini". Comecei a rir e falei: "Ah, vai passar trote em outra" e desliguei o telefone na cara dele. Imagina, ele era o papa da direção de dramaturgia, todo mundo queria trabalhar com ele. Aí ele ligou de novo e falou: "Olha, Sandra, não desliga. É o Walter Avancini mesmo e estou te ligando porque tive um problema com uma das atrizes e pensei em você para substituí-la". E lá fui eu de Kombi de São Paulo para São João Del Rey, em Minas Gerais. Quando cheguei lá, o Walter me perguntou: "Você já fez alguma cena nua?". Eu respondi: "Nunca fiz uma cena, quanto mais nua!". [Risos.]

Já tinha atuado antes? Uma cena daquele porte eu nunca tinha feito. Tinha atuado em Bronco, que era outra história, um teatro transmitido ao vivo, um misto de Família Trapo com Sai de baixo, onde eu contracenava com o Ronald Golias. Tinha um contrato fixo.

Na novela Pacto de Sangue, de 1989 - Crédito: Arquivo pessoal

 

Você chegou a se formar em artes cênicas? Eu passei no vestibular da Escola de Arte Dramática da USP, que é superconcorrido. Mas fiz pouco tempo do curso, não completei nem um ano porque eu já trabalhava na época.

Quando você começou no jornalismo da TV Globo, em 1991, as mulheres só falavam de coisas leves como moda, beleza e comportamento. Hoje uma mulher divide com um homem a bancada do Jornal Nacional. Como foi acompanhar essa mudança? Há 23 anos, o Jornal Nacional era apresentado pelo Cid Moreira e pelo Sérgio Chapelin. Mulher era só na reportagem e, mesmo assim, eram poucas. Tinha a Sandra Passarinho, a Sandra Moreira, a Neide Duarte, mas elas não apareciam sempre. Eu fui a primeira mulher a entrar todos os dias no Jornal Nacional, como a "moça do tempo".

"É esquisito virar notícia. As pessoas nos confundem com artista de novela. Mas artista é artista e jornalista é jornalista"

 

Você teve um papel ativo na conquista de espaço das mulheres no telejornalismo? Acredito que sim. Essa conquista foi um trabalho de formiguinha, etapa por etapa. Eu me lembro de quando eu fazia o São Paulo Já, antecessor do SP TV. Era apresentado pelo Carlos Nascimento, pelo Rodolpho Gamberini e por mim. Mas a mim só cabiam os assuntos leves: comportamento, moda, culinária, essas coisas. Aos poucos, eu falei: "Gente, eu posso falar de outra coisa. Estou me tornando jornalista para isso".

Como moça do tempo do Jornal Nacional - Crédito: Arquivo pessoal

 

Você estava na faculdade? Sim, quando eu entrei na Globo, eu ainda não era formada. Prestei vestibular para o curso de jornalismo da Fiam, entrei e percebi que ali era o meu caminho. Então eu fazia o Fantástico no domingo à noite no Rio, pegava o primeiro voo da ponte aérea na segunda-feira e ia direto para a faculdade, em São Paulo. Fazia questão de não faltar porque eu não queria ouvir ninguém dizer: "Ah, porque ela é apresentadora do Fantástico ela acha que pode faltar". Sempre fui super-CDF em tudo. Cursei os quatro anos com toda dedicação.

Quando você começou a se sentir mais respeitada como jornalista? Em 1996, eu fui para o Jornal da Globo, que tem aquele peso de noticiário eminentemente econômico e político. Aí as pessoas começaram a me olhar de um jeito diferente. Eu apresentava o jornal sozinha. Tinha como comentaristas o Juca Kfouri, no esporte, e o Joelmir Beting, na economia, pessoas com uma longa jornada. Eu fui sugando, absorvendo que nem uma esponjinha e aprendendo com eles. Em 2000, virei correspondente e coordenadora do escritório da Globo, em Londres. Aí foi outro aprendizado porque eu tinha que coordenar o trabalho dos colegas e intermediar o escritório de lá com o Brasil, ver que pautas eles queriam aqui, administrar um orçamento internacional, coisas que eu nunca tinha feito antes. Foi um grande desafio. Quando eu voltei, fui fazer o Jornal Hoje com o Carlos Nascimento. Isso em 2002, 2003. Nessa época, comecei a falar: "Mas por que só ele dá o primeiro ‘Boa tarde’? Por que só ele começa dando a notícia mais importante do dia? Não seria isso um machismo?". Ali criei uma certa saia justa, porque ninguém antes tinha ousado questionar isso.

Como modelo em catálogo da marca Kaos Brasilis - Crédito: Arquivo pessoal

 

Como você conheceu o seu marido, Ernesto Paglia? Ele era repórter do Fantástico e eu, apresentadora. A gente conviveu na mesma redação durante muito tempo. No meio jornalístico, a gente brinca que "jornalista só se reproduz em cativeiro’’. [Risos] Porque é uma profissão tão absorvente que você acaba não convivendo muito com gente de outros meios.

"Conheci o Ernesto quando ele era repórter do Fantástico e eu, apresentadora. A gente brinca: 'jornalista se reproduz em cativeiro"

Quem tomou a iniciativa? Acho que foi recíproco. A gente se conheceu e se apaixonou. Até hoje temos um casamento de muita paixão e respeito. Eu morro de saudades quando ele viaja, e ele viaja muito, agora mesmo está em Curaçao a trabalho. 

Você acredita em fidelidade e monogamia? Eu sou careta, acredito, sim. Não acho que possa ser de outra forma. Acho muito bom ter um relacionamento verdadeiro, uma entrega absoluta, de cumplicidade, companheirismo e parceria, de trilhar junto, lado a lado.

Já passaram por momentos difíceis? Ah, sempre tem. Imagina, são 20 anos, né? Cada um tem suas crises, suas dúvidas, mas não em relação ao casamento, isso acho que nunca bateu. A gente sempre teve muita certeza de querer continuar juntos. Somos muito cúmplices e muito parecidos. Gostamos das mesmas coisas: viajar, mergulhar, rir e se divertir. Um faz um trocadilho, aí o outro já vem com outro, é como se fosse um desafio.

Com Ernesto Paglia, grávida de Elisa - Crédito: Arquivo pessoal

 

E a sua filha, Elisa, ela é parecida com você? A nossa piada interna é que ela é a cara do pai, mas com a diferença de que é linda! Acho que é uma misturinha: do nariz para baixo é parecida comigo e, dos olhos pra cima, com o Ernesto. E ela tem uma rapidez de raciocínio muito grande. A gente fala uma coisa e ela tem as respostas na ponta da língua. É muito surpreendente e um desafio também, porque educar alguém assim não é fácil, alguém que contesta e argumenta. Mas, afinal, é isso o que a gente quer: colocar gente no mundo que seja argumentativa. Aos 11 anos ela diz que quer ser atriz, vamos ver.

Vocês pensaram em ter mais filhos? Não, não. A gente pensou em ter um mesmo. Foi uma decisão conjunta e consciente. O Ernesto já tem dois filhos do primeiro casamento, Bernardo e Frederico, que já são homens, têm 29 e 26 anos.

Como você vê o assédio dos fãs? É esquisito virar notícia. As pessoas olham pra gente e confundem com o artista da novela. Estamos na mesma tela, é uma programação contínua, vem o jornalista, depois vem o artista, depois o jornalista de novo. Mas artista é artista e jornalista é jornalista. Eles lidam com a ficção e nós lidamos com a realidade. É claro que eles me veem como uma pessoa famosa porque estou todo dia na TV e eles me reconhecem. Quando uma pessoa chega para falar comigo, eu vejo nela o reconhecimento ao meu trabalho. E brinco: "Continua me assistindo para eu manter o meu emprego’’. [Risos] Porque é disso que a gente vive, da audiência de televisão, do nosso público, do nosso consumidor. Sou muito grata a eles.

Expedição em família às cavernas do Petar - Crédito: Arquivo pessoal

 

Em algum momento o assédio incomoda você? Ontem mesmo fui a uma apresentação de fim de ano do balé da minha filha. Acabou e tinha gente querendo tirar foto comigo. Enquanto minha filha não saiu do camarim, eu fui tirando foto, mas, na hora em que eu vi que ela estava saindo, eu falei: "Gente, agora é o meu momento de mãe, vocês vão me desculpar, mas eu vou lá ficar com a minha filha’’. E acho que as pessoas entendem isso. Às vezes a gente está jantando e chega alguém e diz: ‘’Posso tirar uma foto?’’. Eu respondo: "Puxa, posso terminar de comer e depois a gente tira?’’. Acho que é saber lidar com isso. Não é algo que me invade ou me agride. Senão, eu teria que mudar de profissão. Mas, ao mesmo tempo, tem que haver uma compreensão do outro lado.

E o famoso bordão, "que deselegante!", você imaginava aquela repercussão toda? Claro que não!

O que você teve vontade de falar, de verdade, naquela hora? Muito palavrão. [Risos] É aquela coisa que vem e você engole. Eu não quis ser deselegante com o público, então, tudo que eu pude dizer naquela hora foi: "Que deselegante!". Porque aquilo era um absurdo, era um cara empurrando uma repórter ao vivo. Pra que isso? Que contestação babaca! Protesta de outra maneira, sei lá, estica um cartaz, qualquer coisa. Agora, empurrar alguém? É uma violência, você não vai conquistar ninguém fazendo isso.

Você é ativa nas redes sociais? Não. Eu sou bem desativa. Eu tenho Facebook, mas só para os meus amigos. Só aceito quem eu conheço. Não é que ali eu me exponha muito, mas pra mim é um ponto de reencontro. Eu reencontrei muita gente da minha adolescência, da minha infância. As pessoas têm a vantagem de me acompanhar, porque eu estou lá todo santo dia na casa delas, elas estão me vendo na TV, sabem que estou casada, que tenho uma filha. É muito legal poder saber delas também, pra onde elas foram, o que fazem, porque a gente vai se perdendo ao longo da vida.

Mergulhando com Ernesto em Fernando de Noronha - Crédito: Arquivo pessoal

 

Você acessa toda hora? Não sou fanática. Eu dou uma geralzinha, mas não fico entrando nos perfis das pessoas. Eu vejo aquela página inicial e vou até um ponto, quando me canso. Twitter eu até criei um perfil, mas não tenho paciência. Instagram também não tenho paciência. Essa história de rede social me cansa um pouco. As pessoas vivem em função disso, isso me assusta. Neguinho vai pra uma praia maravilhosa e aí tira uma foto com os pezinhos cruzados e diz "relaxando’’. Então para de fotografar e relaxa! Para de fotografar o prato que você vai comer e come! Isso me dá muita aflição: ficar vendo que as pessoas transformaram aquilo numa exposição absurda da vida delas. Fico tentando entender se isso é uma carência, se é uma solidão. As pessoas parecem todas felizes o tempo todo, não sei se é algum tipo de droga que te mantém num nível que você fala assim: "Olha como eu tô bem, olha como tô bem’’. Ninguém sofre no Facebook, ninguém fica deprimido.

Na última edição da Tpm, fizemos um manifesto com várias personalidades levantando a bandeira: "Precisamos falar sobre aborto’’. Você é a favor da descriminalização do aborto? Sou a favor, acho que a mulher decide o que fazer com o corpo dela. Mas o mais importante não é você tratar com "ok, sou a favor" e ponto. É preciso oferecer educação sexual na escola, falar sobre prevenção, disponibilizar preservativos e serviços de saúde feminina, como exame de papanicolau, ultrassonografia, mamografia. É preciso ter uma rede de saúde trabalhando em conjunto com a de educação. Descriminalizar o aborto é apenas o fim de toda essa história.

É um assunto que não foi falado pelos principais candidatos nas últimas eleições presidenciais. Ah, tem vários assuntos que não foram falados. Outra questão que eu acho que a Tpm devia entrar também: a discussão sobre as drogas.

Com a mãe, Débora - Crédito: Arquivo pessoal

 

Era a minha próxima pergunta: você é a favor da descriminalização de drogas? Sou a favor da descriminalização do porte de maconha em pequenas quantidades para uso pessoal – não sei quanto, isso tem que consultar especialistas. Compactuo com o discurso do Fernando Henrique Cardoso, acho que é por aí, mas fico cheia de dedos. Quando a gente fala da maconha, é só um tipo de droga. Mas tem o crack, a cocaína, as drogas sintéticas e outras que eu nem conheço. Droga pesada é outro tratamento. Tenho uma filha de 11 anos e fico com um medo danado do que vem pela frente, do que ela vai enfrentar. Não dá para tratar isso com leveza.

Quando jovem você conviveu com o consumo de drogas? Acho que todo mundo na juventude de alguma forma viu, teve acesso. Juventude é isso. Agora, do alto dos meus 46 anos, eu olho e fico com medo dessa juventude. Acho que a droga no passado tinha um peso contestador, revolucionário, de ir contra tudo que estava ali. O sexo, drogas e rock’n’roll foi a bandeira dos anos 60; a minha adolescência foi muito depois disso, nos anos 80, mas a droga ainda tinha um enfoque libertário. Hoje, pra mim, ela tem o enfoque oposto, que aprisiona. Aprisiona não só quem usa como quem vende e a sociedade como um todo. A violência que existe, em parte, é por causa da droga.

Existe um manual da Globo sobre como você deve se comportar, o que pode falar? Não tem manual, tem bom senso. Nós trabalhamos para uma empresa e ela tem seu modus operandi. Eu jamais vou apresentar um telejornal com brincos maiores que esses que estou agora porque eles vão chamar muita atenção e quem tem que chamar atenção não é o brinco, não sou eu, não é a roupa, é a notícia. Então, existe um jeito de se comportar que é o que a minha profissão me exige. Não sou artista, sou jornalista.

Com Evaristo Costa no Jornal Hoje, ao comentar o empurrão sofrido por Monalisa Perrone: - Crédito: Arquivo pessoal

 

Você pode declarar em quem você votou nas últimas eleições? Poder talvez eu até possa. Mas eu acho que eu não devo pela minha profissão. Eu sei que tem muita gente que me tem como exemplo, por isso eu não acho correto... Eu não posso sair dizendo: "Olha, gente, esse é o caminho’’. Eu, como jornalista, trabalhei nessas eleições com uma imparcialidade absoluta e assim tenho que permanecer. As pessoas têm que olhar pra mim e me identificar como aquela que mostra todos os lados da moeda, que muitas vezes são bem mais do que dois. Se um dia eu tendo pra um lado, com que credibilidade eu me apresento depois?

Nessa última eleição a gente viu uma polarização muito grande, como há muito tempo não se via. Brigas homéricas no Facebook. Você acompanhou? Pois é, as pessoas enlouqueceram. Vi pessoas queridas brigando de um jeito feroz, raivoso. Essa polarização é ruim. Não pode ser ou é branco ou é preto. Um extremo ou outro extremo. A gente tem que dialogar, pensar no país, no futuro. A gente tem que trabalhar pra isso, depositar menos a responsabilidade nos políticos e nos governos e assumir mais a nossa parte. Tá na hora de o cidadão arregaçar as mangas. É muito fácil tirar todo o peso dos seus ombros e transferir para os outros.

Visita à redação da filha, Elisa - Crédito: Arquivo pessoal

 

Quais são seus próximos projetos? Eu nunca planejei a minha vida. As coisas foram acontecendo. Eu vivo me reinventando, não tenho medo de recomeçar. Adoro o desafio. Mas eu não me planejo: "Ah, agora eu vou dar uma virada’’. Eu vou fazendo um monte de coisas. A virada vem, quando vi, já foi. Pra mim, um recomeço foi essa história do meu programa, Como será [desde agosto exibido na Globo aos sábados, às 6h, e reprisado na GloboNews e no Canal Futura]. Lidar com hardnews é muito pesado e eu faço isso há 23 anos, todo santo dia. Muitas vezes as notícias são muito cruéis, violentas. A gente lida com histórias horrendas. Tem horas que eu falo: "Caramba, eu tô cansada. Quero respirar, quero ver saída para as coisas". E o Como será me mostra um pouco essa saída. A gente tem feito reportagens com pessoas que têm feito coisas boas. São pessoas que estão produzindo, encontrando saídas. Como, por exemplo, o Horas da vida, médicos que disponibilizam horas na agenda para atender gratuitamente pessoas que não podem pagar por suas consultas particulares.

"Gostaria de ter viajado mais. Assumi responsabilidades muito cedo. Deixei de experimentar coisas porque já estava trabalhando"

Tem alguma coisa de que você se arrepende na sua vida? Eu gostaria de ter viajado mais. Acho que assumi muitas responsabilidades muito cedo. Comecei a trabalhar muito cedo, decidi sair de casa muito cedo, comecei a namorar muito cedo e sempre tive essa coisa precoce de conviver com pessoas mais velhas. Deixei de experimentar coisas na época certa porque eu já estava trabalhando, já estava pagando conta, já era responsável demais.

Pensa em retomar a carreira de atriz? Tem que ser um projeto muito bacana pra eu abrir mão de tudo que conquistei até hoje e fazer o que eu faço. Não vou dizer que eu não tenha vontade, mas não é o meu objetivo agora. Mas quem sabe no futuro? Eu nunca digo nunca. A minha filosofia é a do Zeca Pagodinho: "Deixa a vida me levar".

Com o pai, Alexandre, e as irmãs Flávia, Fabiana e Fernanda - Crédito: Arquivo pessoal

 

 

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