Ele quer te pegar

Por que é tão difícil para as mulheres largar o cigarro?

por Luara Calvi Anic em

O Brasil está fumando menos. Mas os homens param e as mulheres não. Por que elas têm mais dificuldade do que eles em apagar o cigarro de vez?

Havia anos que ela tentava dar um fim àquela relação: “Acabou!”. Triunfante, foi sozinha a um bar onde ele costumava circular. No fundo, queria dar de cara com o ex para ver como reagia. Topou com ele, e deu saudade. Virou para o casal da mesa ao lado e pediu: “Me empresta o seu...?”. A vizinha emprestou o isqueiro, e ela sacou o cigarro. A relação ainda não tinha terminado.

Uma vez parte da rotina, especialmente para as mulheres, é mais difícil o cigarro virar aquele ex que não dá mais um pingo de saudade. Tanto que, no Brasil, o número de homens fumantes caiu 13,3%, enquanto o de mulheres caiu 8%*, de 1989 a 2003. Nos Estados Unidos, esse número baixou 26% (homens) e 12%** (mulheres), de 1950 a 1998. “As mulheres têm mais dificuldade em parar por serem mais ansiosas, depressivas e se preocuparem mais com o ganho de peso”, explica Jaqueline Issa, cardiologista e diretora do Programa de Tratamento do Tabagismo do InCor (Instituto do Coração) de São Paulo.

E, por serem minoria (no mundo, existem 12% de mulheres fumantes, contra 48% de homens), a indústria acaba focando suas propagandas, mesmo que indiretamente, no público feminino (se continuar assim, até 2025 o número de mulheres subirá para 20%). “O fato de as mulheres serem minoria faz com que as indústrias avancem agressivamente nesse mercado”, diz a OMS (Organização Mundial de Saúde). “Principalmente na Ásia e na África, até por uma questão cultural e religiosa, o número de mulheres fumantes é baixíssimo, menos de 7%. Portanto, existe aí um grande filão a ser explorado”, diz Márcia Trotta, do Núcleo de Estudo dos Tratamentos de Tabagismo da UFRJ. “Se nada for feito, o cigarro vai se tornar uma doença eminentemente feminina no século 21”, completa.

Fumaça no ar
No Brasil, a propaganda de cigarro é proibida desde 2000. A Trip, inclusive, teve um papel importante nessa história. Dois anos antes de a lei entrar em vigor, a revista parou de publicar anúncios de cigarro, fazendo uma campanha contra a publicidade tabagista, o Newscotina. Mesmo assim, através de ações sutis (como cigarros com sabor ou latinhas para guardar o maço; ou mesmo mais agressivas, como um cigarrinho na mão de atrizes), a fumaça acaba entrando na cabeça das pessoas. E já que, no geral, as mulheres se preocupam mais com a saúde do que os homens, cigarros com baixo teor de alcatrão não param de ser lançados. Acontece que eles não significam uma redução de risco. “Fumantes desses cigarros se condicionam a puxar mais a fumaça, então é como se estivessem fumando os comuns”, diz Camille Rodrigues, do PrevFumo, da Unifesp.

E foi exatamente tentando parar que a cineasta carioca Adriana Dutra, 40, resolveu fazer uma espécie de Big Brother da sua saga para largar o vício. O resultado foi o documentário Fumando Espero, que no início de 2009 entra em cartaz em seis capitais brasileiras. “Fiz de tudo para deixar de fumar, até um filme”, diz (leia entrevista na última página). Ela não só filmou seus momentos de abstinência, como reuniu fumantes, ex-fumantes, médicos e psicólogos para explicar por que é tão difícil parar. Entre eles, Ney Latorraca, Du Moscovis, Carla Camurati e Miúcha. Todos ex-fumantes, exceto Miúcha. Na época da filmagem, ano passado, ela bem que tinha parado, mas acabou voltando: “Parar de fumar é um processo. Já parei algumas vezes, mas a cada tentativa caio num buraco diferente”. A cantora fuma há 40 anos e tenta parar há 30.

A designer Camila Fudissaku, 28, ex-fumante, odeia lavar louça. Por isso, bastava a empregada não vir, para ela fumar o dobro: “Lavava os copos e acendia um cigarro como prêmio. Passava para os pratos e acendia mais um”. É que, a cada tragada, um prazer imediato surgia para compensar o desespero de ter que encarar a pia. “O fumante usa o prazer para diminuir o impacto da notícia ruim. Se está ansioso ou estressado, já sai para fumar, e, assim, libera o hormônio do prazer, a dopamina, em 7 segundos”, explica Jaqueline. Quem não é fumante libera a dopamina naturalmente quando passa por uma situação prazerosa. Já quem fuma só tem prazer se joga a nicotina pra dentro. “Nada é tão bom se não tem o cigarro. O fumante vê alguém de quem gosta e já tem que fumar, toma uma bebida e precisa acender o cigarro. Cria um condicionamento, um reflexo de cachorrinho”, completa a cardiologista. E é por isso que o cigarro está também tão ligado a pessoas que sofrem de depressão e ansiedade (no mundo, duas mulheres para cada homem sofrem de depressão). “Se surge uma alteração de humor, irritabilidade ou falta de motivação, a pessoa remedia momentaneamente aquelas dificuldades fumando”, explica a psiquiatra Valeska Marinho, da Unifesp. Há um ano, depois que Camila passou dez dias internada, sem conseguir respirar por causa de um problema no pulmão, seu médico limitou sua expectativa de vida para 40 anos, caso ela continuasse fumando. Parou.

Vale lembrar que, nos Estados Unidos, onde a propaganda de cigarro ainda é liberada, desde a década de 80 o número de mortes de mulheres por câncer de pulmão bate o de mama – que por pouco mais de 30 anos foi o câncer que mais matou mulheres no país. No Brasil, o câncer de mama ainda mata mais – e o de pulmão vem logo atrás (em 1990, ele ficava em quarto nesse ranking).

Nas propagandas antigas já se viam mulheres elegantes com cigarros entre os dedos. A modelo Twiggy aparece na década de 60 para firmar o padrão magérrimo. Nos anos seguintes, casos de bulimia e anorexia começaram a pipocar no mundo. E, em 1998, um estudo organizado pela St’Georges Medical School, em Londres, concluiu que meninas em idade escolar começavam a fumar para emagrecer. A pesquisa ouviu 3 mil garotas canadenses e inglesas e chegou à conclusão de que 30% delas fumavam com esse intuito. Batia a fome e, em vez de comer, elas alcançavam o maço.

Leve como um cigarro
Para boa parte das mulheres, parar de fumar é sinônimo de quilos a mais: em cinco anos, de 5 a 10 quilos para quem deixa o vício por conta própria, e cerca de 3 para quem segue um acompanhamento médico. “As pessoas param de fumar comendo, em vez de partir para os exercícios, que reduzem a ansiedade e ainda emagrecem”, diz a nutricionista Fernanda Scagliusi, do Ambulim (Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares do Hospital das Clínicas, SP), explicando que, com acompanhamento médico, a pessoa é orientada a se alimentar melhor, fazer exercícios e, quando necessário, adotar medicação. “O cigarro dificulta a absorção de nutrientes. Então é como se você comesse e jogasse metade fora”, completa.“Fumantes têm uma magreza ruim, a pele flácida e um acúmulo maior de gordura mesmo com o peso baixo”, atesta Jaqueline Issa. Mas quem pára de fumar não está fadado a engordar. “Pensou no cigarro, tome uma água, que, inclusive, ajuda a eliminar as toxinas. O que não pode é trocar o alívio que antes era originado pelo prazer de fumar por comida”, explica a nutricionista do InCor Adriana Ávila.

A produtora Amanda Chatah, 30, que fuma há 15 anos, e tenta parar há nove, engordou 25 quilos na gravidez, quando parou de fumar. Numa outra tentativa, ganhou 4 em poucos meses. Depois de subir na balança, aderiu à fumaça novamente. “Fumo mais quando estou ansiosa. Terminei um namoro e passei um mês à base de Coca Light e cigarro – um companheiro, um tapa-buraco.” Este mês, no dia de seu aniversário, ela decidiu “dar uma festa para comemorar os 30 anos e largar o cigarro de vez”.Um dos motivos é que seu pai, que fumava cerca de três maços por dia, está com câncer de garganta. E, mesmo depois de uma sessão de radioterapia, ele precisa pedir o isqueiro para o vizinho e tocar fogo no companheiro de todas as horas.

*Fonte: International Network of Woman Against Tobacco. ** Fonte: OMS – Organização Mundial de Saúde.

 

SEM FUMAR, ELA FILMA

A cineasta Adriana Dutra tem 40 anos e passou metade de sua vida tentando parar de fumar. Até que decidiu filmar a sua própria saga num documentário. Nasceu Fumando Espero, com estréia prevista para o começo de 2009

Tpm. O que te motivou a fazer o filme?
Adriana. A vontade de parar de fumar. Quis entender o porquê, então comecei a pesquisar sobre o tema e descobri um mundo supercomplexo.

Durante o filme você voltou a fumar quantas vezes? Parar é um processo que se inicia quando você tem a consciência de que quer e quando pede ajuda. A maioria das pessoas que fuma é dependente química, e é muito difícil conseguir de primeira. Fumei escrevendo o filme, parei e voltei mais quatro vezes. Estou sem fumar desde agosto.

Como está a vontade? Chata. A parte física, da dependência, de sentir desconforto, está controlada. Mas existe a carga de dependência psicológica – situações nas quais o cigarro fazia parte. Agora é segurar a onda nesses momentos.

O que fez para parar? Tomei medicamento, botei adesivo de nicotina, mastiguei chiclete, corri, andei e penei. As recaídas fazem parte do processo, tanto que [segundo a OMS], a cada mil pessoas que tentam parar de fumar pela primeira vez, 172 param e 828 não. Fiz de tudo um pouco, até um filme.

No filme você sofre ao tentar parar. Como é esse sofrimento? É como se você estivesse no lugar errado, com as pessoas erradas e tudo te irritasse. É uma guerra interna, parece que tem um diabinho e um anjinho dentro de você.

Qual era o papel do cigarro na sua vida? Um companheiro associado a momentos ligados ao prazer. Não estou sozinha quando tenho o cigarro. A primeira dificuldade foi terminar essa relação de um amor doente de 20 anos.

E, no corpo, sentiu alguma diferença? Aqueles 2, 3 quilinhos que incomodam. Eles chegaram, mas não vão ficar, não.

Como parar? Tem que ter uma real vontade. É mentira falar que fumante tem prazer, que acha lindo. Então, tem que lutar porque parar vale a pena. Quando você consegue dar esse presente para você, te dá uma auto-estima que fortalece a alma.

TPM+

Promessa é dívida!

Na reportagem “Ele quer te pegar”, a produtora Amanda Chatah prometeu parar de fumar. Um mês depois, Tpm perguntou para a paulistana: “E aí, largou mesmo?”

Por Luara Calvi Anic

A produtora Amanda Chatah, 30, fez uma promessa na Tpm # 82: “Vou dar uma festa de arromba no dia do meu aniversário e largar o cigarro de vez!”. A reportagem “Ele quer te pegar” mostrou o quanto é mais difícil para as mulheres do que para os homens apagar o cigarro e nunca mais acendê-lo. Para ter uma idéia, no Brasil, o número de homens fumantes caiu 13,3%, enquanto o de mulheres caiu 8%, de 1989 a 2003, segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde). Amanda correu contra a estatística, fez a festança e terminou – mas nem tanto – o namoro de 15 anos com a bituca. “Estou fumando apenas um cigarro por dia só para repor a nicotina. Aos poucos, paro de vez.” O pai de Amanda, que fumava três maços por dia, está com câncer de garganta e passando por um tratamento pesado – incluindo sessões de radioterapia. Mesmo assim, ele não consegue parar. “Vou toda semana ao Hospital das Clínicas com meu pai. Está sendo bem forte ver aquele pessoal que fumou a vida toda lutando contra o câncer.”

Amanda viu de perto os males que o cigarro pode causar, mas sabe que o corpo precisa de uma ajudinha para não sofrer com a falta de nicotina: “Adoro esporte, eis uma das coisas que me ajudam a parar”. Quando conversou com a Tpm, por telefone, a paulistana estava a caminho de uma tarde na Casa de Pedra, academia de escalada em São Paulo. “Só fazendo esportes e comendo um docinho para acalmar a irritação que senti nas primeiras semanas sem o cigarro.” Vale tudo na hora de parar, até fazer promessa em praça pública. Promete, que a Tpm cobra!

Vai lá: Casa de Pedra – r. Venâncio Aires, 31, Perdizes, São Paulo, (11) 3875-1521. www.casadepedra.com.br

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