Eduardo Cunha está vivo. Meus pêsames.

Não é de hoje que o novo presidente da Câmara dedica esforços para impedir que aborto e direitos LGBT façam parte da agenda política do país. TPM grita: ele não nos representa!

por Natacha Cortêz em

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, publicada na última segunda-feira, 9, o recém-eleito presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), disse com todas as letras que projetos de lei que visem a legalização do aborto e interesses da população LGBT: "não são a agenda do país".

Eduardo Cunha - Crédito: VALTER CAMPANATO_AG.BRASIL

O presidente ainda reforçou seu posicionamento sobre o tema interrupção da gestação quando declarou: "Aborto eu não vou pautar (para votação) nem que a vaca tussa. Vai ter que passar por cima do meu cadáver para votar." Sua justificativa ao jornal foi: "Tenho que me preocupar com o que a sociedade está pedindo, e não é isso."

Não é de hoje que Eduardo Cunha dedica esforços para impedir que esses assuntos avancem e tenham lugar na agenda da política brasileira. A verdade é que Cunha, membro da Igreja Sara Nossa Terra e um dos principais articuladores da bancada fundamentalista religiosa no Congresso Nacional, tem confundido um pouco as coisas quando usa suas próprias convicções para influenciar decisões de fórum público.

O atual presidente da Câmara dos Deputados tem em seu currículo 5 projetos de lei relacionados ao tema aborto. Todos eles retrocessos nos direitos das mulheres. O PDC 1487/2014, por exemplo, sustou a Portaria nº 415, de 21 de maio do mesmo ano, que determinava que o Ministério da Saúde pagasse ao SUS (Sistema Único de Saúde) por procedimentos relacionados ao aborto legal – casos de estupro, risco de vida à mãe e feto anencéfalo. Ou seja, Cunha e a bancada fundamentalista religiosa conseguiram fazer com que o governo recuasse numa questão já determinada e fundamental para saúde pública. Para Jolúzia Batista, socióloga e colaboradora do CFEMEA (Centro Feminista de Estudos e Assessoria), o movimento do grupo foi um retrocesso claro e uma demonstração de como nossos políticos tratam o tema.

Usar a palavra, "cadáver", dita por Cunha, parece um bom começo para ilustrar os cenários de direitos das mulheres e LGBT no Brasil. Esses, sobrevivem marginalizados e sem cuidado algum por parte do governo e da sociedade civil. Como já mostramos na reportagem #precisamosfalarsobreaborto, publicada na Tpm #148, a cada dois dias uma brasileira morre em decorrência de um aborto ilegal. Já de acordo com um levantamento do Grupo Gay da Bahia (GGB), em 2013 foram contabilizados 312 assassinatos, mortes e suicídios de gays, travestis, lésbicas e transexuais brasileiros vítimas de homofobia e transfobia. A média é de uma morte a cada 28 horas. Parece até piada de mal gosto do deputado dizer que essas pessoas só terão direito por cima de seu cadaver. Aborto e direitos LGBT não têm (e não terão) espaço na agenda política brasileira – ao menos enquanto Cunha for o responsável pela Câmara for Cunha e, como ele mesmo diz, estiver vivo.

Vossa Excelência, antes de por seu cadáver em jogo, que tal olhar para as brasileiras mortas por aborto ilegal todo ano? Outra ideia seria tentar entender que nenhuma mulher interrompe uma gravidez por leviandade, tampouco nenhuma vai deixar de fazer por ser proibido. Mulheres abortam, e por milhares de motivos que apenas competem a elas mesmas, desde o tempo da sua tataravó. Leis punitivas só servem para desprotegê-las e mantê-las reféns de serviços insalubres. Sobra, como sempre, para as mais pobres, que não têm o dinheiro pra resguardar-se de condições indignas.

Quanto ao fato de não enxergar indivíduos LGBTs como cidadãos "merecedores" dos mesmos diretos que os seus, há pouco o que dizer. Na verdade, punições deveriam ser destinadas a quem instiga discursos preconceituosos e excludentes, e não a quem apenas deseja ter os direitos humanos garantidos.

Para a socióloga Jolúzia Batista, a nova composição da Câmara dos Deputados amedronta, e com razão. O grande número de deputados eleitos com discurso religioso chama a atenção e pode definir muita coisa. "O pessoal LGBT, por exemplo, terá muita dificuldade para fazer a sua pauta andar. Mesmo tendo o Jean Wyllys reeleito com uma votação muito significativa, o número de adversários que vêm é proporcionalmente muito superior", explica.

Uma amostra da mudança no perfil da Câmara é o desarquivamento do Estatuto do nascituro, ocorrido nesta semana. Em seu texto, o embrião tem direito à vida e à integridade física em detrimento da vida da mãe. Inclusive, a chamada "Bolsa Estupro" faz com que sejam proibidos abortos em caso de estupro, e o Estado brasileiro pague uma pensão para a criança no caso do estuprador se abster. "Agora, o Estatuto segue para votação no Plenário", atenta Jolúzia. 

Aqui, uma breve ficha do novo presidente da Câmara dos Deputados escrita por Masra de Abreu e Jolúzia Batista do CFEMEA com exclusividade para a Tpm.

Eduardo Cunha, quando apenas deputado federal, presidiu a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania durante a rejeição do PL 1.135/1991 (que descriminaliza o aborto no Brasil). Fez tudo ao seu alcance para impedir o debate democrático sobre o tema.

Em 2013, foi autor do PL 6033, que revoga integralmente a lei de atendimento às vítimas de violência sexual, sob argumentação de que é a legalização do aborto no Brasil, e de que a lei sancionada não representa a vontade do povo brasileiro – segundo sua opinião, de maioria cristã.

O deputado é ainda o principal articulador na revogação da Portaria 415 do Ministério da Saúde, que orientava os procedimentos no SUS para os casos de aborto legal. 

Atual presidente da Câmara, e deve ser assim pelos próximos dois anos, é um grande influenciador e movimentador da bancada fundamentalista religiosa no Congresso Nacional. É líder do PMDB e controla o blocão, grupo superior a 250 parlamentares insatisfeitos com o governo criado para atazanar Dilma em troca de vantagens. É hoje, sem dúvida alguma, o deputado mais poderoso do Brasil.

Desde 1º de fevereiro deste ano, como presidente da Câmara dos Deputados, tem todo o poder de decidir quais projetos são, ou não, votados. O mais importante agora: ele aprova ou não qualquer pedido de impeachment. A decisão é dele se esse pedido vai a plenário. O presidente da Câmara é também o terceiro da linha de sucessão para ser presidente. Em caso de impeachment da presidente e saída do vice, ele fica no poder.

Arquivado em: Tpm / Aborto / Comportamento