E meus amigos esperam...

Em Brasília, em meio a políticos, não dá para não pensar que aqueles embriões congelados, cujo destino será o lixo, poderiam salvar vidas

por Redação em

 

No dia 5 de março fui até Brasília, ao Supremo Tribunal Federal, para participar da votação da ação movida contra o artigo da lei que permite pesquisas com células-tronco embrionárias. Tive a oportunidade de levar comigo pessoas com deficiência e acompanhantes, somando um grupo de 60 pessoas.


No ano passado promovi na Câmara Municipal de São Paulo, junto com o professor Fernando Henrique Cardoso, um debate sobre esse assunto. Participaram pesquisadores, jornalistas, médicos, advogados, especialistas em fertilização, representantes da Igreja Católica e da Evangélica e uma platéia de mais de 300 pessoas.
Devido ao teor esclarecedor do debate, produzimos um DVD com o conteúdo editado. Fui pessoalmente a Brasília entregar o material ao ministro relator Carlos Ayres Britto. Ele me recebeu com extrema gentileza e interesse, depois pediu o material para que distribuísse aos outros ministros.


Quando chegamos ao STF para o julgamento, havia um lugar estratégico reservado na área do ministro relator. Fiquei posicionada de tal forma que todos os ministros eram obrigados a passar por mim, afunilados, com suas togas pretas enfurnadas tipo capa de super-herói, que de tão perto até esbarravam nas minhas pernas.
Uns desviavam o rosto, outros me fitavam e alguns até sor-riam, exibindo de passagem um discreto voto secreto. A ministra Ellen Gracie, que, há uns meses, acreditávamos que votaria contra, esboçou um sorriso de Monalisa quando passou por mim.


Dr. Ives Gandra, jurista representando a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), insistiu na informação de que as células-tronco adultas são até melhores que as embrionárias para pesquisa. Não existe publicação científica que confirme isso. Eu, que já fui implantada com as adultas, continuo paralisada do pescoço para baixo.


Muitos daqueles que me acompanharam estão paralisados por causa de doenças degenerativas que ainda não possuem cura, portanto são fatais. Alguns não respiram mais sozinhos e a cada dia perdem movimentos. Estes nem poderiam fazer um auto-implante como eu fiz, pois suas próprias células possuem no código genético a doença.

Vidas em jogo


Não dá para olhar nos olhos dos meus amigos e não pensar que aqueles embriões congelados em clínicas de fertilização, que jamais serão implantados num útero, e cujo inexorável destino será o lixo, poderiam salvar vidas.


Um momento primoroso da sessão foi a leitura do relatório do ministro Ayres Britto, que conseguiu transformar ciência e legislação em poema, provocando o nosso coração para o entendimento do que é vida humana.


Infelizmente, o ministro Menezes Direito interrompeu a transcendência do momento, pedindo vistas do processo, estratégia esta que não conseguirá tirar os olhos da mídia do assunto, já que temos vidas em jogo... Como a da dona Maria Lúcia, uma senhora com esclerose lateral amiotrófica que conheci em uma favela de São Paulo e foi personagem do meu artigo da Tpm (# 73) há dois meses. Enquanto eu trabalhava para melhorar sua situação, ela morreu.

Arquivado em: Tpm