DSTs, brasileiras e eu boquiaberta

Pasmem: uma em cada dez jovens atendidas no SUS tem doença sexualmente transmissível

por Mariana Perroni em

 

Quando eu estava na faculdade, participei da Liga de Oncologia por três anos. Nunca quis ser oncologista. Mas prestei a prova e me afiliei ao grupo porque eles tinham um fantástico trabalho de cunho social. Uma vez por mês, havia uma ou duas campanhas de prevenção em que viajávamos para alguma cidade minúscula do interior de são Paulo para realizar mutirões de exames e palestras para a população em campanhas de prevenção de câncer de colo de útero, mama, próstata e pele.

Obviamente, acabava indo muito além disso. Por se tratarem praticamente de comunidades rurais afastadas, o acesso dessas pessoas ao sistema de saúde não era muito fácil. Dessa forma, nossa atuação acabava se estendendo muito além da realização de exames de screening: acabávamos tratando de verminoses a colesterol alto. De depressão a constipação. Mas o retorno era muito bacana. A cidade ficava em festa nesses dias, éramos tratados como divindades e recebíamos os melhores almoços (ou banquetes?) de agradecimento. Tudo muito simples, mas farto e delicioso a ponto de dar inveja a qualquer restaurante de comida tipicamente brasileira que entre em votação de Melhores do Ano na Veja, aqui em São Paulo.

Optei por começar meu texto relatando isso porque foi nessas campanhas que eu realmente acabei tomando contato com a magnitude da questão das doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) no Brasil. Chegava a ser assustadora a frequência com que encontrávamos lesões e secreções suspeitas de gonorréia, HPV, clamídia e afins, durante a coleta de material no exame ginecológico. Na época, eu atribuía isso à falta de informação, associada à dificuldade de acesso ao sistema de saúde e de educação. Somadas com a vida numa cultura retrograda e machista comum em pequenas comunidades rurais. Afinal, que homem se submeteria a usar preservativo nesse cenário?

Depois desses anos, acabei me formando, dei seguimento à minha escolha de especialidade e, com isso, acabei tendo que me distanciar dessa realidade e desses assuntos. Até me deparar com um estudo de 2011 realizado por um dos órgãos de maior qualidade no sistema público de saúde brasileiro, o Centro de Referência e Treinamento em DST/AIDS. O achado dele? Pasmem: uma em cada dez jovens atendidas no SUS tem DST.

Ao todo, 2.071 jovens, entre 15 e 24 anos, atendidas em unidades do SUS (Sistema Único de Saúde) nas cinco macrorregiões (norte, nordeste, sudeste, sul, centro-oeste), participaram do estudo. A infecção por clamídia foi a doença com maior prevalência entre as jovens avaliadas (9,8%,). Isso sem falar que 4% delas também tiveram resultado positivo para infecção por gonorréia.
 
(EXPLICAÇÃO RÁPIDA DE UTILIDADE PÚBLICA: A clamídia é uma DST causada pela bactéria Chlamydia trachomatis, que pode infectar homens e mulheres e ser. E não só eles. Também pode ser transmitida da mãe para o bebê na passagem pelo canal do parto, causando conjuntivite e pneumonia nele. Se não tratada, é uma das causas da infertilidade masculina e feminina, e pode aumentar de três a seis vezes o risco da infecção pelo HIV. Inclusive, sete em cada dez mulheres só descobrem ter a doença quando investigam o porquê de não estarem conseguindo engravidar.)

Foi chocante saber disso. Primeiro porque o estudo foi realizado nas cinco grandes regiões do país e, segundo, porque os dados devem ter sido colhidos em cidades com o mínimo de desenvolvimento a ponto de contar com postos de saúde com atendimento ginecológico e equipados com computadores que permitissem a compilação dos dados. Além de cidades de médio e grande porte. E das capitais. Ou seja, nada disso foi feito em de pequenas comunidades rurais em que predomina uma cultura machista em que o homem reclama de usar preservativo e a mulher, submissa, acata e abaixa a cabeça. E, terceiro, porque esse estudo não recebeu o destaque necessário por parte da mídia.

Eu não consigo conceber como em 2012, com smartphone, tablet, recarga de celular até na banca de jornal e toda a facilidade à informação existente, as mulheres ainda se submetam a ter relações sexuais sem preservativo. Seja por desleixo ou "confiança" no parceiro. Seja pelo motivo que for. A única pessoa pessoa que pode ser responsável por sua saúde é você mesmo, por meio de seus hábitos e escolhas. Eu e meus colegas, infelizmente, só entramos nela a partir do momento em que existe algo errado e potencialmente danoso. Portanto, cuide-se. Com o perdão do trocadilho infeliz mas pertinente, não adianta chorar sobre o sêmen derramado.

(meu twitter: @mperroni)

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