Dora Jobim
Neta de Tom Jobim, ela não nega as raízes e se prepara para lançar seu 1º doc sobre o avô
Neta de Tom, Dora Jobim não nega as raízes na música, toca a Samba Filmes, produtora de DVDs musicais de grande porte, e se prepara para lançar em janeiro seu primeiro documentário sobre o avô
Dora Jobim tem a fala mansa e os cabelos finos, mas jeitosos. Essas duas características já seriam suficientes para identificar o parentesco com Tom Jobim, seu avô paterno. Mas, quanto mais se conhece a diretora de vídeos, mais se enxerga a família Jobim que ela carrega, orgulhosa, no sangue – e em casa, já que habita o amplo apartamento que pertenceu a sua bisavó Nilza, mãe de Tom, em Ipanema.
Uma de três sócias da Samba Filmes, produtora de documentários musicais, Dora decidiu que sua ligação com a música seria registrando shows e artistas importantes, como Marisa Monte, Ney Matogrosso, entre outros. Além deles, ela codirige A música segundo Tom Jobim, documentário idealizado por Nelson Pereira dos Santos que tem estreia nacional prevista para o fim de janeiro.
Curso natural
“O filme não tem nenhuma fala”, avisa. “Decidimos contar a história do vovô por meio de sua música, que é seu maior legado”, completa Dora. O documentário também não tem legenda para identificar os intérpretes. “Isso foi ideia do Nelson, para dar uma sensação de experiência. A pessoa que for assistir ao filme já está interessada pelo assunto, então decidimos não ficar bombardeando ela com informações, como se faz na televisão”, explica. E emenda: “Além do mais, seria meio estranho aparecer o Frank Sinatra e a gente escrever o nome dele embaixo, né? Mas no fim aparecem os créditos de todo mundo. Minha mãe [Elianne], que é designer, foi quem fez”.
O envolvimento de Dora com o projeto foi natural. Inicialmente aluna do curso de design da PUC-RJ, ela acabou se apaixonando por vídeo durante as aulas de animação e, a partir de então, intercalou o Rio com temporadas em Nova York, onde estudou cinema. Na volta, ajudou no processo de catalogação da obra de Tom no Instituto Antonio Carlos Jobim, junto com Ana Jobim, viúva do compositor. Em 2008, foi convidada a fazer alguns vídeos de Tom para a exposição “Bossa na Oca”, que comemorava 50 anos do gênero musical. “Como eu tinha feito muita pesquisa para as duas coisas, o Nelson quis me incluir no projeto dele porque estava tudo fresco na minha memória”, explica. “Ele poderia ter me incluído só como pesquisadora, mas fez questão que assinasse como codiretora”, diz, orgulhosa. Além dela, seu pai, Paulo Jobim, assina a direção musical e Miúcha, amiga antiga da família, é corroteirista do projeto. “Dorinha sempre chamou a atenção por causa de seus olhos azuis, de bola de gude. Agora está fazendo muito bom uso deles”, derrete-se Miúcha.
Observadora por natureza, ela enveredou pela música há 15 anos, de maneira orgânica, como gosta de tratar todas as esferas de sua vida – mas já ocupa lugar de status entre os artistas. “Comprei uma câmera em Nova York e comecei a filmar tudo que acontecia a minha volta. Como era muito amiga do [compositor e guitarrista] Pedro Baby, comecei filmando ele em casa depois de seus shows e fui recebendo convites para fazer isso profissionalmente”, diz. Foi também durante a temporada internacional que ela conheceu uma de suas grandes amigas, a cantora Marisa Monte. “Estava com o Pedro em Nova York, chamaram a gente pra jogar uma pelada no Central Park. Quando cheguei lá, estavam o Davi [Moraes, ex-marido da cantora] e a Marisa. Ela, claro, estava só assistindo à partida”, diz Dora, rindo. Apesar do encontro inesperado, a ligação das duas só cresceu. “O trabalho foi uma consequência natural. Ela foi responsável por todo o registro dos Tribalistas, em 2002, do DVD Universo ao meu redor, filmando toda a turnê por um ano e meio, pelas imagens do período de gravação e pelos vídeos e clipes do novo CD [O que você quer saber de verdade, lançado em outubro passado]. Ela tem sido minha grande parceira em audiovisual nos últimos tempos. Uma sorte”, declara Marisa.
Em 2004, Dora fundou a Samba Filmes com as Gabrielas Gastal e Figueiredo. Hoje a produtora ocupa uma simpática casa na Gávea, cercada de árvores e um córrego, que garante uma trilha sonora especial à sala de reuniões. Logo na entrada, um atlas, grande, chama a atenção. Durante a conversa, a razão do livro vem à tona. “Atualmente, as lembranças do meu avô estão mais planas. Não consigo fazer uma ordem cronológica precisa, mas lembro muito de passar horas com ele vendo diversos atlas, em especial os que descreviam bichos. Ele era fascinado por ecologia”, lembra.
As histórias memoráveis, aliás, foram boa parte do teor da conversa. Dora lembra com carinho dos últimos anos que passou ao lado de Tom, quando já podia beber e, portanto, acompanhar sua vida boêmia. “Uma vez fomos à [churrascaria] Plataforma e, como sempre, começaram a chegar diversos amigos dele. Ele me apresentava com muito orgulho, dizia que agora até os netinhos já podiam beber e pedia chope pra mim e pra ele. Às vezes, ele passava num mercado, comprava peixe e levava para o cozinheiro de lá preparar. Ele era uma figura”, recorda.
Tal avô, tal neta
De acordo com seu pai, o músico Paulo Jobim, Dora herdou o carisma do avô. “Ela é famosa na família por contar causos engraçados”, diz ele. Ela seria, inclusive, protagonista de alguns deles. O pai entrega: “Uma vez ela foi ao aeroporto pegar o Sean Lennon, que é amigo do Daniel [irmão mais velho de Dora]. Depois da carona, ele agradeceu ela, que retrucou ‘imagine’, querendo dizer ‘de nada’, o que além de ser errado é mais engraçado ainda se tratando do filho do John Lennon”, diz, rindo.
“Vovô gostava dos mesmos assuntos. Se você pegar as entrevistas, vai perceber que não importa o que o repórter perguntou. Ele dava um jeito de falar do que quisesse”
Dora também guarda do avô o hábito de fumar (muito) e de não ter muito hora para dormir – nem para acordar. “Durmo tarde. Funciono melhor no fim do dia e às vezes varo a noite editando filmes”, conta a diretora.
O hábito preocupa a mãe de Dora, Elianne. “Quando ela era pequena, era mais problemático, porque precisava ir para a escola, fazer coisas de manhã. Mais velha, ficava ligando e tentando convencê-la a acordar e ir pra praia, pegar um pouco de sol! Mas não tem jeito, o universo dela é esse mesmo, de trocar o dia pela noite”, explica. O pai completa, brincando: “Ela vive no fuso horário do Japão, deve ser de tanto comer sushi”.
Apesar de notívaga, Dora assume não ter paciência para noitadas. “Tenho preguiça. Até mesmo coisas que deveria e gostaria de fazer, tipo o show da Amy [Winehouse], acabo deixando passar. Agora ela morreu e pronto. Perdi”, admite. O estilo de vida também não permite escapadas à praia. “Não curto muito. Quando consigo, vou para Poço Fundo [nome do sítio da família, em São José do Vale do Rio Preto, na serra carioca], mas as chuvas do ano passado castigaram o terreno. Uma casa tem cozinha, a outra tem televisão, a outra não tem água quente, então precisa ficar pulando de um lugar pro outro”, explica.
Dora gosta de conversar, assim como seu avô, o que fez do encontro mais um bate-papo do que uma entrevista formal. “Vovô gostava de falar dos mesmos assuntos diversas vezes. Se você pegar as entrevistas que ele deu, vai perceber que não importa muito o que o repórter perguntou. Ele dava um jeito de falar do que quisesse”, diz, sem ser questionada. “Ele era muito carismático. Eu sabia da fama dele, sabia que era muito bom músico, mas só tive noção do tamanho que ele tinha para as pessoas
quando morreu [Dora tinha 18 anos]. Foi uma comoção mundial”, lembra.
Música preferida
E a música de Tom de que ela mais gosta? “Ah, não conseguiria ser justa, assim, na lata. Teria que ver uma lista das composições para talvez separar algumas. Mas tem músicas que ouço e automaticamente me remetem a ele, porque, quando ele encasquetava, cantava uma música até cansar.” Três delas: “‘Our love is here to stay’, do George Gershwin. Ele cantava a parte do ‘The radio and the telephone/And the movies that we know’ milhares de vezes. Outra que uma vez passou a tarde cantando foi ‘Notorious’, do Duran Duran. Ele adorava aquela coisa do ‘No/ no/ notorious’, cantava levantando os braços. E ele também gostava muito de ‘Paratodos’, do Chico Buarque, que era uma homenagem a ele. Ele ficou muito emocionado com essa música”, entrega.
Outra memória é do avô tocando piano, de manhã, no Poço Fundo. “Lembro mais dele dedilhando músicas do que compondo. Mas, quando compunha, pedia opinião de todo mundo, até da cozinheira. Quando ele estava escrevendo ‘Querida’, ficava tentando encaixar todas as palavras possíveis. Cantou ‘metida’, ‘bandida’... Era sensacional. Estou muito feliz com esse filme, mas ainda vou fazer um meu, mais definitivo, reunindo toda a obra dele. Mas isso vai ser mais pra frente”, finaliza.