Diversidade de Espaços
Mara Gabrillli: "Precisamos de gestores que se lembrem: acessibilidade não é só uma boa calçada"
Precisamos de gestores responsáveis que se lembrem de um conceito básico: acessibilidade não é só uma boa calçada
Fui convidada pela prefeitura de Londres para participar de uma conferência intitulada “Fit Cities”. O objetivo era discutir saúde na concepção de cidades e como combater o sedentarismo, colocando exercícios físicos nos hábitos dos cidadãos. Seja no local de trabalho, no transporte, na requalificação de toda uma vizinhança, devemos pensar em inserir e valorizar os movimentos do corpo.
O meu papel, mais uma vez, foi o de promotora dos direitos das pessoas com deficiência e dos idosos, já que uma característica marcante de toda a conferência foi enaltecer as escadas. Esse novo conceito se chama Active Design. Procurei fazê-los lembrar de um conceito mais antigo que esse: o de desenho universal, que contempla a diversidade humana em espaços, produtos e serviços.
Londres é considerada a cidade mais acessível do mundo. Suas calçadas são exemplares na inclinação, nos rebaixamentos, na uniformidade do piso e até na beleza. Todos os táxis são acessíveis e os ônibus também. Mesmo sendo o metrô – underground – mais antigo do planeta, tem acessibilidade em quase toda a sua extensão.
Foi minha primeira viagem internacional em missão oficial como deputada federal. Toda essa facilidade contribuiu para meu ir e vir. No entanto, uma barreira persistiu: o frio de -1 ºC. Sentia tanto frio que até os esquimós usam menos roupas do que usei. E, depois de mais de dez anos sem vestir uma calça, fui obrigada a comprar uma que suportava -10 ºC.
Vida regulada
Desde que quebrei o pescoço perdi o mecanismo que as demais pessoas possuem de controlar a temperatura. Além de morrer de frio, não transpiro uma gota sequer. Sou uma destemperada. Muitas vezes, na minha vida, quem toma a decisão é a temperatura. Uma boa temperatura – nem tão fria nem tão quente – é um fator importante para me fazer feliz, confortável e ativa. Embora eu adore o calor, quando esquenta, por eu não transpirar, meu corpo vai direto aos 39 ºC.
Preciso de recursos externos, como gelo, para conter a febre. E demora para baixar. Tenho a sensação de que sou uma caldeira em ebulição.
Embora satisfeita por representar nosso país e nosso Parlamento na terra da rainha, não via a hora de voltar ao calor do Brasil. Em poucos dias estava na Câmara Municipal de São Paulo tentando vislumbrar acesso para os 30 mil quilômetros de calçadas da cidade. Reconheço que ainda estamos a décadas de atraso da estrutura da capital britânica. Faltam-nos gestores públicos que assumam a responsabilidade pelas calçadas.
Luto por acessibilidade para todas as pessoas.
Mas acessibilidade, para mim mesma, não é só uma boa calçada. Meu sonho é poder circular, porém com sol e uma temperatura agradável.
Mara Gabrilli, 42 anos, é publicitária, psicóloga e deputada federal pelo PSDB. É tetraplégica e fundou a ONG Projeto Próximo Passo (PPP). Seu e-mail: maragabrilli@maragabrilli.com.br |