Dignidade menstrual
Os tabus em torno da menstruação e seus fluidos dificultam o enfrentamento à falta de dignidade menstrual, uma questão que afeta 4 entre 10 mulheres brasileiras
Miolo de pão, meias, papel higiênico, pedaço de jornal, pano dobrado são alguns dos materiais que milhões de mulheres no país usam todo mês, em boa parte da vida, para conter o fluxo menstrual. Sem acesso a absorventes, elas fazem parte de um problema mundial: a pobreza menstrual, que ainda engloba outras questões relacionadas à desigualdade social, falta de estrutura e de educação sobre o tema. É complexo. “A pobreza menstrual inclui uma falta de estrutura de forma mais ampla, anunciando um problema global da falta de acesso à água e ao saneamento básico e de desigualdade social, bem como a falta de educação sexual e a violência que decorre da estigmatização do corpo feminino e seus fluídos”, diz Yasmine Sterea, CEO e fundadora do Free Free, instituto que atua no combate à pobreza menstrual com foco na educação e na geração de renda.
A dimensão através dos dados
Números em torno da pobreza menstrual impressionam: 4 em cada 10 mulheres convivem com o tema, já que são afetadas ou conhecem alguém afetado. Esses dados foram revelados em uma pesquisa inédita de SEMPRE LIVRE® em parceria com os Institutos Kyra e Mosaiclab, com mulheres que menstruam regularmente entre 14 e 45 anos. “Nos chamou atenção o fato de que mais de onze milhões de pessoas sofrem com a falta de dignidade menstrual no Brasil. É um número extremamente expressivo e chocante quando falamos de um item que é básico para a saúde e higiene da população”, diz Isabella Maimone, gerente sênior de marketing da Johnson & Johnson Consumer Health Brasil.
Em 2021, a marca doou cerca de 720 mil unidades de absorventes ao UNICEF. Até o final do ano, junto com o UNICEF, a marca irá impactar 45 mil adolescentes com absorventes, cartilhas educativas, oficinas pedagógicas e palestras em Recife (PE) e São Luis (MA).
O levantamento mostrou que 40% das mulheres de baixa renda afetadas têm entre 14 e 24 anos. Mais recentemente, além da pesquisa inédita, uma campanha da marca trouxe para o palco a discussão pela urgente necessidade de dar dignidade menstrual às mulheres como um direito básico com informação e o caminho para doação.
Além disso, a música entrou para falar de maneira reta sobre o assunto. A rapper Bivolt compôs um rap potente sobre o assunto que ela já viveu. “Na época em que eu estava em situação de rua, tinha acesso a itens de higiene por doação em tendas, mas muitas vezes a assistência social entrava em escassez desses itens. Às vezes tinha absorvente, às vezes não, e aí quando não tinha já coloquei paninho várias vezes”, conta a cantora, que mesmo tendo passado por isso ficou surpresa ao se aprofundar sobre o tema. “Quando recebi o convite para fazer uma música sobre pobreza menstrual, eu fui pesquisar sobre os dados alarmantes e foi chocante demais. A sociedade mal fala sobre menstruação, menos ainda sobre pobreza menstrual. Muitas pessoas como eu já viveram mas nem sabem o que é por falta de informação mesmo”, fala Bivolt.
Mobilização em muitas frentes
Como a pobreza menstrual engloba diversas questões a solução depende de políticas públicas e de uma transformação profunda na sociedade. “Precisamos de projetos no âmbito federal, assim como reduzir ou zerar o imposto sobre o absorvente como acontece no Quênia e na Escócia, pois é um item de primeira necessidade", diz Victoria Dezembro, fundadora do Projeto Luna, que trabalha com acolhimento e conscientização no combate à pobreza menstrual.
Além dessas lutas a longo prazo, é preciso quebrar tabus em torno da menstruação e levar conhecimento sobre o sangue e sobre o corpo para quem menstrua. “Há muitas crenças, falas que passam de geração para geração, de que o sangue é sujo, por exemplo. Por conta disso é que temos vergonha de pegar o absorvente na mochila, colocamos o casaco na cintura.
A pobreza menstrual faz com que meninas no mundo todo não frequentem a escola ou que fiquem com vergonha de ir até a lousa, e não prestem atenção na aula por estarem preocupadas se o sangue vai vazar”, diz Victoria. A atriz Luana Xavier já esteve por perto desse drama que chega até o ponto de evasão escolar. “Meu primeiro estágio foi em um projeto de educação sexual em escolas municipais do Rio de Janeiro. Eu vi de perto meninas que não tinham condição de comprar absorvente. Teve vezes em que tirei dinheiro do meu próprio para comprar absorvente para elas. A falta de dignidade menstrual é uma questão de saúde pública”, diz Luana.
Conhecimento também é liberdade e solução
Para termos uma ideia de como a menstruação ainda é tabu, basta pensar na última vez em que ouviu “estou naqueles dias”, “desceu” ou que alguém “estava de chico”. Ainda é tabu falar em público, sem vergonha, em sangue, em menstruação, em fluidos. A pesquisa mostrou que apenas 29% das mulheres já tinham ouvido falar sobre o tema pobreza menstrual e 6% afirmaram saberem bem do que se tratava. “Estamos nos posicionando em torno da aceitação e naturalização dos fluidos através da abertura de conversas provocativas e diretas sobre o tema. Além de conhecer a própria menstruação, queremos que as pessoas reconheçam seu ciclo completo – com sangue, muco, suor”, diz Isabella.
Esse processo de fazer com que a menstruação não seja tabu é longo e muitas de nós precisaremos passar por ele. Temos que perder a vergonha de dizer com todas as palavras o que acontece com a gente. Por isso, a atriz Luana Xavier também passou. Para ela, falar em menstruação era algo para o consultório médico. “Hoje eu entendo que sendo algo inerente ao corpo feminino, não tem porque ter vergonha de falar. Não tem porque ir com o absorvente escondido pro banheiro pra que ninguém saiba que você tá menstruada. Parece algo simples e óbvio. Mas pra mim não era até bem pouco tempo atrás”, conta. Essa desconstrução pela qual ela passou é super importante. Quando não se fala, o assunto fica escondido. O problema também. As soluções idem. "Algo que é tão natural do corpo feminino é mais uma vez usado contra a potência feminina. Precisamos parar de sentir vergonha de nossos corpos e de nossos fluidos. Tudo isso afeta não só as mulheres e pessoas que menstruam, mas toda a sociedade que ainda julga a mulher por algo tão natural", finaliza Yasmine.
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