Diário de uma detenta
Paulistana de classe média alta, há dez anos Fernanda* foi presa em flagrante por tráfico e conta o que passou nos três meses detida
"Faz dez anos que fui presa em flagrante por causa de um tráfico idiota de drogas. Eu não era uma grande traficante, acho que, inclusive, foi tudo armado pelo meu namorado da época. Me estrepei duplamente: pela droga e pelo cara. A minha história é parecida com a da maioria das mulheres detidas. No meu caso, foi a partir de consumo de drogas e de um companheiro que fui parar lá. As mulheres que conheci ali, no Centro de Detenção Provisória de Pinheiros, estavam presas por causa de namorado ou porque o tráfico era a única opção.
A diferença em relação a elas era a minha condição financeira, que permitiu pagar um advogado particular que conduziu bem o caso. Então consegui ser liberada antes. Não fui acusada. Não tive sentença. Fiquei em prisão preventiva e fui libertada depois de três meses. Acho que isso tudo é um grande negócio do governo com os traficantes, e o presídio faz parte desse negócio. Todo mundo ali está envolvido, ganha dinheiro e, por isso, nada muda.
Lá dentro eu me senti muito mais segura com relação às mulheres do que imaginava que seria. Claro que é uma tortura mental, as condições são precárias, não é um ambiente agradável. Permaneci três meses que pareceram um ano. Fiquei numa cela superlotada, eram oito camas e tinha de 20 a 30 mulheres. Eu ouvia delas que aquele não era o meu lugar, que eu não pertencia àquilo. Nunca me achei patricinha, mas chegando lá eu vi o quanto eu era patricinha. Dormia no chão porque quem estava mais tempo usava a cama. Existe um mercado de troca, as mulheres que recebem coisas da família trocam benefícios com as que não recebem. Eu trocava Danoninho por uma noite na cama, por exemplo.
Emoção e histeria
Com as carcereiras eu não tinha muito contato, mas era um ambiente às vezes muito emotivo e às vezes histérico. Tinha briga e momentos de emoção muito forte em que as presas falavam da família, rezavam. Por um tempo continuei levando coisas no presídio, conversando com duas meninas, a gente é amiga no Facebook. Mas acabei me afastando porque não queria mais lembrar daquilo. Essa experiência mudou tudo na minha vida: deixei de ser tão ingênua e passei a enxergar a maldade."