De olhos bem abertos
Os filmes que vemos hoje são, basicamente, variações sobre invenções da década de 70
Geração após geração, no escurinho das salas, os filmes que vemos hoje ainda são, basicamente, variações sobre as conquistas e invenções da década de 70
Primeiro gostaria de esclarecer algo importante: eu NÃO sou obcecada pelos anos 70. Mal leio sobre o assunto (fora do dever profissional), não escuto particularmente a música da época, não tenho um vidro de patchuli na gaveta e não me visto com o mix hippie/disco de rigueur para o período. Pelo contrário, meus interesses sempre foram o presente e o futuro, que, neste novo século, são desafiadores e estimulantes. Foi ao procurar entender as complexas encruzilhadas em que se encontram as duas locomotivas da indústria do entretenimento – a música e o audiovisual – que fui parar no nosso passado recente. E me senti um tanto feliz de tê-lo vivido de olhos bem abertos. O curso que dei, na Casa do Saber de São Paulo e na do Rio de Janeiro, reflete uma parte dessa descoberta – de que o cinema como conhecemos hoje, em sua estética e práticas, nasceu há quase 40 anos, graças a uma tempestade perfeita de fatores históricos, culturais, políticos e sociais. A velha Hollywood, moribunda desde os anos 50 sob a pressão da competição com a TV,morre de vez. Estilisticamente, uma nova geração de garotos criados pelo cinema europeu (e pela TV) traz uma sensibilidade que adora finais infelizes, nudez frontal, violência explícita, em que vilões podem ser heróis e ninguém é inteiramente imaculado. Estruturalmente, a competição pelo melhor – cachê, projeto – torna tudo mais feroz e rápido.Nasce o blockbuster quando os estúdios descobrem que podem lançar muitas cópias ao mesmo tempo, se a TV apoiar a divulgação e se temática e público se ajustarem.
Mais do mesmo
E, como o público mudou tão radicalmente quanto os criadores, a temática quase sempre se ajusta, mesmo que ela inclua mafiosos obcecados por honra (O Poderoso Chefão), um tubarão voraz (Tubarão), o diabo (O Exorcista), um taxista em crise existencial (Taxi Driver) ou os habitantes de uma galáxia distante (Guerra nas Estrelas). E, o que é mais interessante ainda,tudo fica mais ou menos do mesmo jeito nas décadas seguintes. O que me leva ao presente. Será que estamos vendo, com a era digital, uma outra tempestade perfeita? Para mim, esse é o principal poder do passado – nunca nos deixar desarmadas diante do futuro.
Ana Maria Bahiana é jornalista e ministrou o curso A Virada de Hollywood nos Anos 70 – Cinema, Sexo, Drogas e Rock'n'roll, na Casa do Saber, de SP e do RJ. Seu blog: www.bloglog.globo.com/anamariabahiana