Como assim?

Recebemos o release de uma modelo gordinha repleto de justificativas sobre malhação

por Luíza Karam em

Este mês, um release (texto que os assessores de imprensa mandam aos jornalistas “vendendo” seus clientes) tirou nossa paz. “Modelo brasileira faz sucesso nos EUA como destaque de campanhas para gordinhas.” Até aí tudo bem: interessante, inovador, afinal, fugia dos padrões. Mas, quando líamos as páginas, demos de cara com descrições sobre os hábitos saudáveis da modelo. “Sedentarismo jamais. Para Fluvia Lacerda, cuidar do corpo é prioridade, por isso procura frequentar a academia cinco vezes por semana.” Também estavam lá detalhes sobre as aulas de spinning, ioga, ginástica localizada, flamenco e sobre a alimentação natureba da Fluvia – havia até um cardápio anexo! Peraí. O legal não era ela ser uma modelo plus size? Seu diferencial não é ser gordinha? Por que, então, justificar sua vida saudável, discorrer em mais de uma página sobre hábitos que seguem na contramão de seu tipo físico? Nunca recebemos um release justificando o fato de uma modelo ser esquelética. Então por que no caso oposto isso precisa ser explicado? Pra desvendar o mistério, fui ao encontro de Fluvia, para que ela mesma esclarecesse nossas dúvidas.

Tpm. Por que esses detalhes estavam no release?
Fluvia. Decidi mostrar o meu dia a dia por causa de certa “tachação” que as gordinhas sofrem: afinal, uma gordinha não pode ser saudável? O texto também ajuda a reforçar o que penso. Não levanto a bandeira da gordinha não. Sou a favor da autoestima.

Mas a intenção de seu trabalho não é vender para a gordinha? Não. Lá fora [nos EUA] não funciona mais assim. O conceito é vender para a mulher normal. E meu sucesso pode ser explicado por isso: finalmente a consumidora consegue se identificar com a modelo.

Você realmente faz tudo o que está escrito? Sim. Minha mãe é professora de educação física – e é magérrima, diga-se de passagem –, por isso faço muito esporte desde criança. Quando mudei para os EUA, reeduquei minha alimentação. Hoje, sou quase vegetariana [ela come mais peixe do que outras carnes], não tomo refrigerante e tenho horror a fast-food.

E como você não emagrece? Além de ter a genética da família de meu pai, consumo carboidratos na mesma proporção que malho. Tento fazer tudo em equilíbrio – nem tanto nem tão pouco. Como eu disse, não é um lance de apologia ao gordinho, e sim de respeitar a si mesmo, como se é.


Tpm+

Moda real
Fluvia Lacerda é modelo e veste 48. Estranho? Estranho é o fato dela não conseguir comprar roupas bacanas no Brasil...

Durante entrevista à Tpm, a modelo plus size Fluvia Lacerda criticou a indústria de moda brasileira. Ela – que entrou na Elite Models justamente por vestir 48 e hoje trabalha nos Estados Unidos – conta que as roupas disponíveis para gordinhas são sempre horrorosas, não têm padronização de tamanho e os editoriais e campanhas para esse público são malfeitos. “A brasileira precisa botar a boca no trombone ”, solta. Confira os melhores momentos da conversa.

Tpm. Você sente diferença quando compra roupas no Brasil e nos EUA?
Fluvia. Muita. Para ter uma ideia, fui a uma loja em São Paulo que só vende roupas para gordos. O dono me disse: “Nos provadores não tem espelho. Gordinha não gosta de ficar se olhando”. Não sei com que tipo de gordinha ele lida, mas, como qualquer mulher, gosto de me olhar no espelho, de me sentir bem comigo mesma. Nos Estados Unidos, o pessoal já se deu conta de que o dinheiro da consumidora tem de fazê-la se sentir incluída.

Por que a indústria de moda voltada para tamanhos maiores não deslancha no Brasil? Por aqui, quando se faz alguma campanha com gordinha, não é usado um bom photoshop, um bom fotógrafo... A maquiagem é ruim, as roupas também não têm qualidade e não há padronização: uma calça 38 pode virar 42 em outra loja. Ainda não foi criada uma cara positiva para a coisa.

No exterior sempre foi diferente? Não. Lá fora, era empurrada a ideia de que as modelos deveriam vestir tamanho 32 e isso era refletido nos editoriais. Não era só no Brasil que não se encontrava tamanhos maiores nas lojas. Hoje, nos Estados Unidos, é diferente. Em qualquer lugar que você entre para comprar uma roupa tamanho 38, eu compro a minha 48.

Como houve essa mudança? As leitoras começaram a ligar para as revistas, dizer que nunca ficariam bem nas roupas usadas pelas modelos em seus editoriais. Porque usavam 42, tinham quadril largo, busto... Por mais que fossem mulheres de sucesso e felizes, não conseguiam comprar roupas com que se sentissem bem.

Que conselho você daria às gordinhas que têm dificuldade de se vestir? A indústria brasileira ainda não aprendeu que uma modelo magérrima não corresponde à realidade da consumidora. E as mulheres têm o direito de comprar roupas com que fiquem bem. Por isso, precisam aprender a reclamar, a botar a boca no trombone.

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