Classificação: feminina
Conheça quem assiste à programação dos canais adultos e as 4 garotas responsáveis por ela
Na frente e por trás dos "canais adultos" da TV paga, estão as mulheres. Tanto que, de um ano pra cá, a tônica desse filão tem sido a mistura de sexo a conteúdos específicos para o público feminino. Conheça quem assiste à programação em que sexo = prazer - e as quatro garotas responsáveis por ela
Gênero: pornográfico. Contém cenas de: sexo oral, anal e lesbianismo. Duração: seis páginas. Classificação: para mulheres. Colorido. Disponível também na internet.Para ler: sozinha ou acompanhada. Aconselhável para qualquer leitora. Idioma: português.Edição de colecionador.Prazo de validade: indeterminado, desde que armazenado em local seco e livre de poeira.
Sinopse: Luciana e Patrícia são consumidoras de filmes eróticos. Elas integram o grupo de mulheres que, cada vez mais, compra canais especializados em sexo na TV. Antônia, Marcela, Carolina e Mirna são as quatro mulheres que cuidam e fazem a divulgação da programação do Sexy Hot, um dos canais eróticos pagos da Globosat, que, em parceria com a Playboy Latin American, detém os direitos de Playboy TV,Venus, Private e For Man - cada qual com suas peculiaridades, mas todos com grade de sexo explícito.Por trás e na frente da televisão, os caminhos dessas mulheres se cruzam e algumas coisas podem mudar de rumo.
Preliminares
No ano de 2005, o Sexy Hot - primeiro canal de sexo explícito lançado no Brasil, em 1996 - divulgou uma pesquisa encomendada ao Ibope que mexeu nos conceitos que diziam respeito à mulher e ao consumo da produção erótica. Descobriu-se, então, que nunca tantas mulheres haviam assistido a um "canal adulto". Leia-se: a cada minuto, cerca de 30% do total de assinantes ligados no canal são mulheres. No horário nobre (das 19h à 1h), a participação feminina atinge 40%.O estudo também ressaltou que elas representam um terço dos que se declararam interessados em conteúdo erótico e são maioria entre os que disseram alugar filmes pornôs.
Em pesquisa divulgada no jornal britânico The Independent, em 2006 - realizada pela Nielsen NetRatings, empresa líder mundial em pesquisas na internet -, a qual mostrou que mais de 9 milhões de homens acessaram sites pornográficos no ano de 2005, foi detectado que, em um ano, cresceu em 30% o número de mulheres usuárias de pornografia na internet (de 1 milhão a 1,4 milhão).
Alfred Palliser, 55, proprietário da Canal X, locadora 100% erótica em São Paulo, conta que, em 15 anos de negócio, o aumento de mulheres à procura desses filmes foi gradativo, tanto que, há um mês, abriu um sex shop na loja para atender o público feminino. A jornalista Luciana Costa Barretto, 32, sempre alugou filmes eróticos com o parceiro, oito anos mais velho, e faz dessa prática uma rotina."A mulher se imagina no lugar da outra, e, para quem é bem resolvida sexualmente, isso fortalece a auto-estima, porque, apesar de tudo o que se vê por fora, o homem está com o foco em você. E isso faz muito bem para a mulher", opina a carioca, que há um ano foi morar com o atual marido depois de 15 anos de idas e vindas. Na casa da publicitária Patrícia Carmona, 41, foi ela quem, há dez anos, assinou o Sexy Hot, a fim de dar uma apimentada na relação, que soma 20 anos. Era preciso sair da rotina."Com o tempo, a mulher espera o afeto, e o homem, as fantasias. Daí começa a cobrança de coisas diferentes. Passei a usar o canal para estimular as fantasias do meu marido", revela Patrícia.Para ela, esses canais - hoje ela assina o Playboy TV, o Hustler e o Sexy Zone - ajudaram a preservar o relacionamento. "Teve a fase do sexo anal, de ponta-cabeça, do sexo a três,mas só na fantasia, nunca na prática", conta.
Um pênis bonito é um pênis bonito
Segundo a psicanalista e sexóloga Regina Navarro Lins, autora do sucesso A Cama na Varanda e de Amor a Três (ed. Best Seller), lançado este mês, na década de 50 mulher e prazer eram palavras incompatíveis. A repressão vigente implicava inibir o gosto pelo sexo. Se ela demonstrasse algum apreço, eles não se casavam.Com a chegada da pílula anticoncepcional, pôde-se dissociar o sexo da procriação e, então, aliá-lo ao prazer."Ainda assim, a mulher sempre procura juntar o prazer ao amor; já o homem nunca foi cobrado a transar com amor."Ela afirma que hoje o número de mulheres se iguala ao dos homens nas relações extraconjugais por uma razão simples: elas têm o mesmo prazer sexual." Um dos motivos de a mulher gostar de canal erótico é que ver o ato sexual é excitante para as duas partes.Acho que esses 30% de audiência feminina daqui a pouco vão ser 50%", aposta Regina. E completa: "Os homens sempre puderam ver corpos nus, as mulheres não, mas hoje elas já começam a achar que um pênis bonito é um pênis bonito sim. Com o tempo, mais mulheres vão se libertar da idéia de que sexo só é bom com amor. E não vão se estranhar quando sentirem que o prazer pelo prazer pode ser tão bom quanto", acredita.
Se as mulheres estão consumindo mais sexo, estão também produzindo. Ao contrário do que se podia pensar, por trás de cada programa, sinopse, título e break do canal Sexy Hot não estão homens barbados, mas quatro mulheres entre 26 e 27 anos. Antônia Canto, responsável pelo site no qual edita os contos eróticos enviados pelos internautas e pelo marketing, é a veterana da equipe, com cinco anos de casa. Foi parar nos "canais adultos" quando, ainda estudante de jornalismo da PUC-RJ, aos 21, inscreveu-se no banco de talentos da Globosat e, chamada para teste no SporTV, não passou na prova de esportes."Mas para o Sexy Hot não teve prova de conhecimentos específicos não", lembra, rindo. Ainda no ensino médio, Antônia estagiou no laboratório de esquistossomose na Fundação Oswaldo Cruz, porque gostava de biologia. Por dois anos, observou ratos e cuidou de caramujos. Descobriu depois que isso a ajudou a conseguir a vaga, já que de fresca não tinha nada. Importante para a convivência diária com o sexo explícito.
No início, por causa do "conteúdo adulto", seu turno nas ilhas de edição da Globosat era da meia-noite às seis da manhã. Não demorou a ouvir de seu pai: "Como você vai trabalhar num canal pornô de madrugada?". A saída foi uma inspeção no local: aprovado. Não fosse pelos monitores ligados nos cinco canais de sexo, pelas persianas nas janelas (para afastar curiosos) e pelo famoso coelho da Playboy estampado na porta, não daria para dizer que ali é montada a grade de programação do Sexy Hot - os outros canais, Playboy TV, Venus e Private, são produzidos em Miami e em Buenos Aires.
Em casa, no escritório
Lá não tem nada de estúdio, sofás ou câmeras. Tampouco as profissionais são atrizes pornôs, como pensam alguns desinformados. Marcela Leone, 27, dispensou um paquera que mudou seu discurso quando soube que ela cuidava da programação do canal. "Ele começou todo fofo e, quando soube que eu trabalhava aqui, chegou me chamando de gostosa e criando fantasias", conta a flamenguista roxa. Filha única de mãe superprotetora e de pai evangélico, Marcela não se lembra mais do medo que sentia de encarar o sexo de forma natural. "Ficou mais fácil aceitar as diversas formas de prazer que as pessoas buscam", conta. Porém, encarar cenas de sexo explícito logo cedo às vezes embrulha o estômago: "Cansei de ligar a TV e estar passando uma cena esdrúxula,o cara abrindo a mulher às nove da manhã.". Há pouco mais de um ano, a rotina de Marcela inclui supervisionar, pelo menos por nove horas diárias, se o que está no ar bate com a grade de programação. Quando chega em casa, onde mora sozinha, sempre dá uma conferida."Independentemente do conteúdo, temos muito cuidado com o que fazemos. Muita gente diz ‘filme de sexo é de qualquer jeito',mas não, tudo é bem pensado", explica a jornalista, que também cuida da edição do Zona Quente - programa de comportamento sexual que mostra making of de filmes pornôs, clubes de swing, festas temáticas, entrevistas com famosos - e do Boa de Cama - que apresenta dicas sexuais, incluindo aí saúde e posições, num tom bem didático -, ambos criados focando a audiência feminina.
Marcela já trabalhava nos canais Premiere quando foi convidada pelo diretor da Playboy do Brasil, Maurício Paletta, que tem preferência clara por trabalhar com mulheres."É para manter um certo respeito. Senão, teria que ficar policiando os homens para não deixar virar papo de bar", diz. Se precisa de algum pré-requisito para trabalhar no Sexy Hot? Ele garante que não: "Os requisitos são os mesmos de uma profissional do Telecine, por exemplo.Você compra o filme, faz a grade de programação, as chamadas, a publicidade", complementa o diretor.
Sete minutos sem sexo?
É fim de expediente e, depois de a coordenadora da equipe,Carolina Pacheco, 26, aprovar os títulos dos longas com o estagiário, bate o olho na TV e solta: "Gente, não parece um pau de brinquedo? A cor é diferente". Ela acaba com o mito de que mulher não faz comentários como os dos homens. "É claro que a gente fala de tamanho de pau, ri,‘nossa, como é que um pau desses existe?', ninguém é puritano, mas tem um limite", solta. As produções que vão ao ar também têm suas restrições. Não passam pela "censura" cenas com crianças, estupro, prostituição, coação, grávidas, animais, drogas, violência, religião, escatologia e takes com até sete minutos sem sexo. "Não é o foco, queremos proporcionar prazer às pessoas e o Sexy Hot tem um público fiel", explica Carol.Para ela, as mulheres vêm procurando mais o conteúdo pornô porque têm menos pudor de ter um canal erótico em casa.
De família tradicional da Tijuca - o pai antes estranhava seu trabalho e agora liga sugerindo títulos -, ela conta que, no primeiro mês de trabalho, seu apetite sexual diminuiu porque associava sexo com trabalho."Ficava com isso na cabeça e não era legal."Casada há um ano, ela e o marido não consomem os canais em casa. "Assisto profissionalmente, mas, para curtir sexualmente, não. Gosto de entender por que as pessoas transaram. Simplesmente ligar a TV e ver pessoas transando, para mim, não causa efeito." Já nos homens o efeito é rápido. A analista de marketing dos canais, Mirna Schleder, 26, acredita que essa diferença entre os sexos é uma das razões que fazem a equipe ser formada por "elas". "A mulher consegue ver mais o lado profissional de um filme, homem não, qualquer bunda ali tá ótimo", opina a carioca, que, uma vez ao mês, dá treinamento de venda dos canais para os operadores de telemarketing da Net e da Sky. Filha de músico aposentado e de dona de casa, a publicitária, depois de três anos no marketing corporativo da Globosat, foi parar na sala que tanto temia."Ficava completamente sem graça com as televisões ligadas, nunca tinha tido contato. Olhava e achava que estava fazendo coisa errada. Hoje vejo tecnicamente. O mais difícil foi transformar aquele ambiente estranho em familiar, conseguir ver que as cenas de sexo não estão ali para me excitar."Essa parte, então, pode deixar com as telespectadoras.
PAPO DE MULHER
O "SEXO-SHOW" DE CADA DIA
Até a pornografia, quando é para a mulher, tem que ser embalada por algum tipo de ensinamento
O consumo de pornografia cresceu entre as mulheres. Cientistas e analistas do comportamento humano saem à busca de explicações. Uns constatam que, sim, as mulheres se excitam com cenas de sexo explícito, e pensar o contrário seria uma imposição cultural. Outros dizem que pode ser, mas que é preciso que haja enredo, clima, porque mulher gosta mesmo é de romance. Há também aqueles que afirmam que, diferentemente dos homens, mulheres consomem pornografia apenas para uso "a dois". Difícil fazer afirmações absolutas nesse campo. O fato é que o consumo feminino de DVDs, canais adultos, sex shops e toda a parafernália erótica disponível no circuito "sexo-show"vem crescendo com furor.
Nos canais a cabo prevalece a exibição da pornografia ginecológica, em que o homem comanda o jogo e a mulher praticamente não existe. O corpo feminino é um conjunto de orifícios desconexos. Uma perna para o lado, outra perna para cima. Uma mão apóia o peso do corpo, a outra segura um pênis. A boca abocanha um outro pênis, ao mesmo tempo em que emite gritos ritmados.As costas arqueadas, o pescoço contorcido. E ainda precisa olhar para a câmera, para que o telespectador possa se sentir incluído naquela cena cubista, com muito sexo e pouca vida.
Cardápio de sexo
Atentos à audiência feminina, no entanto, os canais abrem espaço para programas produzidos "especialmente para mulheres". Neles, filmes eróticos oferecem o pacote das "fantasias-padrão"e são costurados por dicas e lições preciosas: a personal sex trainer ensina a posição "esteio", muito praticada nos filmes, que garante o máximo prazer. Uma outra especialista chama a atenção para os poderes do olhar e ensina como é importante abaixar um pouco o queixo e fitar o homem por 3 a 5 segundos para conseguir um efeito altamente sedutor. Há também as recomendações e acessórios para quem quiser, uma hora dessas, viver uma experiência sadomasoquista.
Boas pra quem?
Incrível! Até a pornografia, quando é para a mulher, tem que ser embalada por algum tipo de ensinamento. Formando mulheres boas de cama! Boas pra quem? A combinação do espetáculo performático dos filmes, com o "faça você mesmo" das dicas, projeta o erotismo para algum lugar distante. Não sei bem para onde,mas, certamente, nesse lugar haverá uma sex shop.
Já faz tempo que o erotismo foi parar nas prateleiras e a performance espetacular é o mínimo que se espera. Por todos os lados na mídia, corpos inteiros ou em partes se fundem na imagem de um gozo eufórico e estridente.
Para encontrar um lugar nesse palco, é preciso se graduar no uso do olhar, nas técnicas para massagear, na forma de apoiar os pés, no tom de voz a adotar. Na vida real, contudo, a fusão dos corpos segue regida pelas delícias e aflições que pertencem às intimidades, e o mundo interno feminino é bem mais rico do que todo esse enredo.
*Denise Gallo, 38, é sócia da Uma a Uma, empresa de inteligência de mercado especializada em comportamento feminino. Passou, a convite da Tpm, uma semana analisando os "canais adultos" da TV a cabo.
Blog: blog.umaauma.com.br. E-mail: denise@umaauma.com.br