Cecilia Monti
A figurinista argentina parceira de Juan José Campanella revela os segredos da profissão no país vizinho
São da figurinista argentina Cecilia Monti, 42, os vestuários dos filmes O Filho da Noiva, O Segredo dos Seus Olhos, - os dois do diretor Juan José Campanella-, e Tetro, filme de Francis Ford Coppola ambientado em Buenos Aires.
O figurino não é a primeira coisa que vem a cabeça em nenhum destes títulos, né? E a intenção é essa mesma. Na concepção de Cecilia, o figurino deve fazer tanto sentido ao personagem que se torna imperceptível. E a tarefa é árdua. “É um trabalho arqueológico”, brinca.
Ela cresceu nos sets de filmagem levada pelo pai, o diretor de fotografia Félix Monti (ele fez muitos trabalhos no Brasil, entre os quais O que é isso companheiro? e O Quatrilho), e aos 15 anos aproveitou as férias escolares para pegar seu primeiro trabalho, Sur, de Pinho Solana. Formada em História da Arte, trabalhou ao lado grandes figurinistas argentinos e aos 29 anos assinou sozinha o figurino de Rosarigasinos (2001). Vale ressaltar que Cecilia tem grande experiência em teatro, manifestação artística tão importante quanto o cinema na Argentina. E, não por acaso, em um set de filmagem conheceu Campanella, seu marido e parceiro de trabalho.
Em charmoso café no bairro de San Telmo em Buenos Aires, Cecilia, tal qual seus figurinos, revelou sem perceber a paixão pela sua profissão, e como bem faz o cinema argentino, por meio de boas narrativas, descritas na entrevista a seguir:
Quando a gente pensa no cinema argentino, em geral nos vem a cabeça o roteiro, a história, a direção. Nem lembramos do figurino...
Está pensado para ser assim. O cinema argentino tem um código naturalista. Aqui é difícil criar um figurino que fuja das roupas “normais”, do dia-a-dia. Mais do que desenhar uma roupa você está desenhando um personagem. Está fazendo uma análise psicológica. Cada peça de roupa, cada acessório, a maquiagem deve significar alguma coisa. Quando o ator estiver vestido, maquiado e penteado, mesmo antes de falar, tem que representar algo.
Você desenha o figurino ou busca peças prontas?
Eu desenho tudo. O desenho ajuda a aproximar sua ideia e delimitar os personagens. Os diretores são muito visuais, por isso precisam de referências visuais. O figurinista não trabalha nem para o diretor e nem para o ator, trabalha para o personagem.
E como é o processo de desenvolvimento dos figurinos?
O Segredo dos Seus Olhos, por exemplo, se passa nos anos 1970 em Tribunales (o centro jurídico de Buenos Aires). Fizemos pesquisas em livros, pinturas, fotos e no Arquivo Nacional da Nação. Também entrevistamos pessoas para saber o que elas usavam, e, a partir de tudo que coletamos, decidimos que as cores e os modelos. Fazemos uma pasta com essas referencias. Abrimos um mapa da cidade e dividimos a equipe. “Você por aqui, você por alí”... é como uma caça ao tesouro.
E onde você busca?
É um trabalho arqueológico. Por sorte aqui em Buenos Aires tem lugares que estão parados no tempo. Em bairros como Constituición e Barracas você encontra coisas dos anos 40. Também vamos a feiras e ao bazar do Exercito da Salvação. O principal não é a roupa e sim o tecido. Compro vestidos que tenham quantidade pano o suficiente para fazer outras peças.
"Mais do que desenhar uma roupa você está desenhando um personagem. Está fazendo uma análise psicológica. Cada peça de roupa, cada acessório, a maquiagem deve significar alguma coisa"
Fala um pouco mais sobre o figurino do O Segredo dos Seus Olhos?
Em cada personagem tem uma mensagem subliminar. Irene (Soledad Villamil) era a mais colorida. Ela estudou nos Estados Unidos então seu figurino deveria trazer elementos dessa vivência. Busquei fotos de estudantes de universidades americanas desta época. O figurino dela tem muito vermelho que tem a ver com a paixão. Benjamin (Ricardo Darín) tinha muito azul, mais frio. O personagem de Sandoval (Guillermo Francella) era alcóolatra e ao longo dos anos pessoas com esse vício perdem peso, então fizemos a roupa dele mais folgada. O vilão usa camisas floridas, o que, na época, se usava quem tinha menos apuro estético. Os pulôveres masculinos tivemos que mandar fazer todos. Na época se usava muito ajustado ao corpo e mais curta. E se não fosse assim não representava o período.
E como é sua relação com a moda e com as tendências?
Eu não tenho muito contato com o mundo da moda. As revistas de moda são minha última pesquisa. Em geral, as revistas de moda e as semanas de moda não abarcam todas as camadas sociais. Temos que pensar no que o personagem poderia comprar. É importante pensar também que cada pessoa tem em seu guarda-roupa peças acumuladas nos últimos dez anos mais ou menos. Ninguém usa a roupa somente do ano que está vivendo.
Os filmes latino americanos costumam ter o orçamento reduzido. Como lidar com isso?
É, nunca me aconteceu de dizerem quanto você quer [risos]...
Nem no filme do Francis Ford Coppola (Tetro)?
Também não. A produtora me pediu um orçamento muito detalhado de quanto custaria cada peça.
E como foi trabalhar com Coppola? Você ficou nervosa?
Coppola veio aqui com a ideia de fazer o filme. E buscou profissionais de diferentes áreas. No começo me sentia como uma formiga porque ele é um dos grandes diretores do cinema mundial. Pensava... “será posso dizer alguma coisa que ele ainda não sabe”? Mas ele é uma pessoa generosa, e sabe escutar. E pede a opinião. A ideia era: “esqueça que eu sou Coppola, agora eu sou o diretor e você a figurinista”. Além disso foi meu primeiro trabalho em preto e branco (o filme é metade preto e branco e metade colorido). Tínhamos que descobrir como as cores iam imprimir nos diferentes tons de cinza. E assim entramos em acordo com uma paleta de cores. Coppola aprovou.
E como é trabalhar com o Campanella?
Conheci o Juan trabalhando. Estava fazendo O Mesmo Amor, A Mesma Chuva e depois disso seguimos trabalhando e vivendo juntos. Juan é muito detalhista e ele dá mais importância ao vestuário do que ao cenário. Porque se algum elemento do cenário não ficou bom se pode mudar o ângulo da câmera, mas do ator não. O ator está sempre em primeiro plano.
O próximo filme dele é uma animação em 3D (Metegol – prevista para 2013), você opinou no figurino?
Fui assessora de vestuário. Em geral em filmes de animação os personagem costumam ter um figurino só porque precisa animar cada “troca de roupa”. Mas Juan quis romper um pouco. Fui sugerindo algumas ideias ao desenhista Mariano Etevaum e ele foi adaptando. Levei também pedaços de tecidos para que ele escanceasse e usasse nos personagem para dar realismo. O protagonista por exemplo é um jogador de futebol de êxito e muito arrogante. Pedi um cinto de diamante, um sapato com ponta de ouro. Foi um figurino multimilhonário que não custou nada. Para um figurinista, filme de animação é fantástico porque você pode pedir qualquer coisa e os personagens não reclamam [risos].
(*) Laura Artigas é jornalista, roteirista e dona do moda pra ler, um dos primeiros blogs de moda do Brasil. Apreciadora da literatura e dos filmes argentinos, foi passar um tempo em Buenos Aires para estudar roteiro de cinema