Carol Ribeiro
A top viveu intensamente o mundo da moda, e voltou para contar o que viu
Entrevistas com modelos não costumam fugir do padrão. Para as mesmas perguntas, as respostas de sempre: que eram o patinho feio da escola, foram descobertas num shopping, comem junk food e não engordam, trabalharam no Japão e moraram em Nova York – e antes disso, claro, dividiram apartamento em São Paulo com cinco meninas gaúchas de sobrenome alemão e nome de mocinha de seriado americano. Com a top Caroline Ribeiro a conversa tomaria outro rumo, até porque sua carreira mudou de direção. Foi para a televisão antes de sair de moda, e a gente sabe que sai (oh, mundo da moda cruel). É papo de reinvenção e, durante o processo, a ex-musa de Tom Ford tomou distanciamento necessário para entender o lado B do meio em que vive desde os 16 anos. Agora, com 32 (está bem para a idade, diriam os bookers), a veterana de um campo minado que declara guerra às que passam dos 30 sem aquele corpo de eslava faminta, parece ser diferente da maioria das colegas de profissão, que, é verdade, não tem muito a dizer, não. Preconceito? “Ficou esse estereótipo da modelo que dá gritinho e só fala besteira. Tem exceções.” Carol é uma delas. Fala muito, conversa boa. As aparências enganaram: a garota da capa tem recheio, assunto para uma revista inteira.
Acaba de chegar de Buenos Aires, onde gravou mais um episódio do IT MTV, seu programa sobre moda, comportamento e arte urbana há três anos no ar. “Me senti burra ao voltar, porque lá todo mundo é politizado, culto, briga por algo. A gente é muito parado, desinformado, tem quem ache ainda que Tiradentes foi só um louco enforcado que virou feriado.” Nos falta interesse, né? “O brasileiro parece modelo, que primeiro ganha dinheiro e depois vai estudar. Tinha que ser ao contrário”, diz. “É chato ouvir por aí que a gente é o novo japonês, que só viaja para comprar e gastar dinheiro. Viramos consumistas, estamos com poder e sem cultura. Daqui para a frente, quem não tiver educação vai ficar para trás. Tenho esperança de que isso vá mudar, ainda estamos em fase de crescimento.”
Olhos tristes?
Carol chegou à maioridade longe de casa, deixou Belém, no Pará, e tomou outro norte, rumo aos Estados Unidos. Ficou rica logo cedo, aprendeu a segurar os gastos e afinar os gostos. “Não faço consumo imediato, me recuso a pagar caro por uma peça básica. Invisto em algo que vale a pena, que sei que vai durar o resto da vida.” Gasta no Brasil, se joga na parcela? “Fico chocada com a moda nacional, que cobra uma fortuna por uma roupa mal-acabada. Os estilistas das marcas modernosas, por exemplo, nem sequer conseguem apresentar um produto de qualidade e ainda falam mal de quem desfila no Fashion Week.” E de você, falam mal? “Não que eu saiba, mas todo mundo fala mal de todo mundo. As pessoas na moda têm a memória muito curta, esquecem que detonaram alguém quando lhes convêm”, diz. “Antes de estourar lá fora, algumas pessoas diziam que eu tinha olhos tristes e não sabia fotografar. Como ia saber, se eles não me ensinavam? Fui aprender com o [Steven] Meisel, dei muita sorte. Não guardo mágoa, mas também não esqueço.”
A lembrar: nossa entrevista teria de ser mais ardida, devíamos questionar a moda, apontar aqueles que usam as tendências para ser o que não são, falar de fashion victims crentes que a felicidade está nas pequenas coisas: na bolsinha, no sapatinho e na minissaia. Tudo grifado, naturalmente. “A classe média está com mais dinheiro e agora quer ter tudo que os ricos sempre tiveram. Prefere o que é caro, não gosta de pagar barato. Se colocar na frente uma camiseta de R$ 20 e outra igual de R$ 200, ela fica com a de R$ 200. Moderno é quem compra roupa baratinha.” Na manhã do encontro, Carol veio toda de preto, blazer anos 80, calça skinny e, acho, botas: “Tô na tribo das clássicas. Não sou moderna”. Ufa. Look ideal para altas e magras (cuidado ao repetir em casa). Tudo sem grife aparente, mas nada parecia uma pechincha ali. “Acho que no futuro as pessoas vão deixar de usar marcas. Hoje muita gente usa a mesma marca, a mesma roupa, para querer pertencer a um grupo. Gostar de uma marca não é mais uma questão de identidade com ela”, diz. “Em toda esquina você encontra mulheres com aquela bolsa que a turma do meio usava há sete anos. Perdeu a graça, virou brega.”
No meio, entende-se por feio, ou cafona e uó (esse termo tão em desuso), todos aqueles que hoje compram e vestem o que ontem era supercool entre os mega-hypes – ou mega-hype entre os supercools, você escolhe. Os milionários de dinheiro fresco, por exemplo, são alvo número 1 da patrulha fashion negativa e operante. Se saiu de moda, entrou na roda. Na berlinda, na boca do povo de más línguas. “Quem fala mal é porque não tem, se detona a patricinha por comprar um monte de maquiagem e bolsa é porque não pode fazer igual. No dia que tiver vai parar de falar. Quando conseguir pagar por uma Birkin [a bolsa da Hermès mais desejada do momento, à venda a partir de US$ 9 mil] aposto que vai gostar.”
“Acho desnecessário se endividar para estar na moda, também não vejo sentido em usar uma peça falsificada só pelo bolo. O verdadeiro deve ser comprado por causa da qualidade”
Carol já realizou o sonho da bolsa própria, lá no começo de tudo. “Comprei uma bolsa da Louis Vuitton, cheia de logomarca, assim que cheguei a Paris, em 1999. Me senti poderosa com ela, era legal ter uma. Hoje, não consigo usar, acho feia. Dei pra minha mãe e ela achou ótimo, faz sucesso com as amigas dela. Por isso não dá para criticar quem ainda gosta, entende? Todo mundo passa por isso uma vez na vida.” Todo mundo quem? “Quem gosta de moda segue uma tendência, até os moderninhos daqui que pensam ser diferentes dos outros. Mas se você for a Londres vai encontrar um monte de moderno vestido igualzinho. É uma tribo, tanto quanto a das blogueiras riquinhas que eles tanto criticam.” Vítimas da moda, afinal, são os que atacam também. “A turma da moda parece criança, que só gosta do brinquedo quando é novidade. Mais tarde deixa de lado e chama de feio quem brinca depois.”
As regras do jogo são claras: ganha quem anda na frente, perde quem vem atrás. O primeiro inventa o passe, o vice se vira para acertar o drible. Quem não tem jogo de cintura fica de fora. Ou inventa um novo jogo. Mas a brincadeira é cara. “Acho desnecessário se endividar para estar na moda, também não vejo sentido em usar uma peça falsificada só pelo símbolo. Porque o verdadeiro deve ser comprado por causa da qualidade, do valor e da história que existe em cada peça. Você tem que admirar, sentir o que veste, dar um poder imaginário.” E pensar que muito do que se vê nas ruas é tão real quanto uma nota de R$ 15. “Olha, se a pessoa que usa nunca vai ter dinheiro para comprar, não vejo problema nenhum. Deixa ela matar o desejo.”
Legítima, a Caroline Ribeiro. No auge da carreira, aos 24 anos, abriu mão do hype por uma vida mais família, engravidou do marido, o publicitário Paulo Lourenço, com quem está casada há 16 (ou seja, metade da vida), disse não para quem quer que fosse e deixou Manhattan para ter João Felipe no Brasil, em 2004. “Estava realizada profissionalmente e queria uma rotina mais caseira. Consegui e hoje sou feliz com as minhas escolhas. F ama e dinheiro sempre estiveram em segundo plano.” Ficou famosa e rica, consequência pura. “Tenho ambição de fama e de reconhecimento, desde que venha com trabalho. Hoje tudo que faço é por prazer e não porque virou modinha.” E ontem? “Já fiz coisas que não faria de novo, como fotos com peito de fora, por exemplo. Não que me arrependa, mas olho e vejo que não precisava. Sempre ficava com raiva porque os fotógrafos acabavam me convencendo. Tive que aprender a dizer não, mas ainda tenho dificuldade de me impor. Quando sou direta me chamam de grossa.” Ela é fina, rosto bonito e corpo palito – “minha família me chama de seca e pau de vira tripa!” – sem prazo de validade. A cabeça coordena os passos, não o salto alto. “Construí minha carreira avessa a brigas e sem puxar o saco de ninguém. Não consigo admirar quem se força a fazer alguma coisa para chegar a algum lugar, critico quem faz, então não posso fazer igual. O segredo é se resguardar, escolher bem os trabalhos, optar por qualidade e não por quantidade. Só faço o que realmente vale a pena.” Entenderam, new faces?