Cabelo, cabeleira, cabeluda
Em um centro comercial no Centro do Rio, esconde-se um maravilhoso mundo do cabelo afro
O reduto é o Saara, um emaranhado de vielas no centro da cidade, onde o Rio de Janeiro se traveste de mercado persa. No zigue-zague, entre vendedores ambulantes e lojas que vendem de tudo, esconde-se o maravilhoso mundo do cabelão afro. Nele reinam congolesas e angolanas, mulheres que trouxeram lá do berço, da mãe África, a arte de cuidar dos cabelos crespos ou cacheados. Um penteado pode levar até 6 horas – e vai das tranças que formam desenhos geométricos no couro cabeludo ao livre, leve e solto black power.
“Num dia dá para fazer no máximo quatro cabeças”, diz Nathalie, congolesa de 28 anos, alta, sorriso grande, cabeluda. Ela atende no Shopping do Cabelo, uma galeria de dois amplos pisos onde cada baia é uma experiência capilar, com apliques e perucas para todas as raças. Nathalie nasceu em Brazzaville, capital do Congo. Há seis anos, resolveu trocar seu país pela França, pela facilidade de falar a língua, mas os vistos estão cada vez mais difíceis. “Eu não consegui”, conta.
Como tinha amigas que haviam migrado para o Brasil, optou pelo Rio. Seguiu-se a luta pelo visto brasileiro e a batalha para juntar os US$ 5 mil da passagem. Mas Nathalie garante: valeu. “No Congo, todas as mulheres sabem fazer penteado afro. Não é uma profissão. Uma criança de 10 anos faz uma trança nagô”, diz. “Aqui percebi que era um negócio. Vivo bem fazendo o que eu faço. Tenho minha casa, meu filho estuda numa escola boa. Não quero voltar, não.” Segundo ela, só ali, no Shopping do Cabelo, trabalham mais quatro africanas. E tem cliente para todas: “Os negros cariocas adoram um cabelão. Você já foi ao baile Charme de Madureira? Vai lá... Cada cabelo que até eu me impressiono”.
No Centro Cultural do Congo, algumas vielas depois do Shopping do Cabelo, trabalham a congolesa Cátia e a angolana Charlote. O prédio é quase uma ruína. E o pequeno salão ocupa um quarto abafado. Charlote é tímida, quieta e, quando fala, usa um dialeto crioulo que só Cátia entende. Já Cátia, fala pelos cotovelos. Ela está no Brasil há seis anos. Antes disso, vivia na ponte área Luanda-São Paulo. “Eu era sacoleira. Comprava na 25 de Março para vender em Luanda. Nasci no Congo, mas morei 17 anos em Angola”, conta. E continua: “Roupa na África é muito caro. Você enche a mala aqui e vende por uma fortuna lá. Os vendedores da 25 de Março tratam a gente com cafezinho e suco natural”.
Quando ficou grávida, Cátia decidiu parar. E que iria morar no Brasil. Veio com marido e filho na barriga e, desde então, vive do ofício que aprendeu com a mãe: “Minha avó ensinou minha mãe, que me ensinou. É assim, tradição de família”. Para explicar por que optou pelo Rio, Cátia lança o mais estranho dos argumentos: “Foi por causa da saúde pública. Aqui vocês têm hospitais para quem não pode pagar. Os brasileiros reclamam, mas, na África, não paga, morre”. Ela encerra o papo lançando o assunto da moda: “Eu adoro a cidade, mas não está dando. O Rio está caro demais”.
Pelo menos à primeira vista, o negócio parece ir bem. Clientes não faltam. Denise Rocha, uma carioca de 26 anos que trabalha como vendedora no Shopping do Cabelo, troca de visual mensalmente.
O do momento é um rastafári em que as tranças são entremeadas por lã no tom bege. Foram 7 horas na cadeira da Chantal. “Ela é angolana, está no Brasil há seis anos. É a melhor. A diferença está na estratégia para pentear o cabelo. Cabelo de negro é difícil”, diz Denise.
É justamente o baile Charme de Madureira, uma instituição da cultura carioca, que acontece há mais de 20 anos debaixo do viaduto Negrão de Lima, o motivo do esmero na produção. Denise bate ponto, todos os sábados. “Charmeiro gosta de um cabelão diferente. Cada um quer ousar mais que o outro. É cabelo de todo tipo.”