Cabeça Dinossauro
Enquanto o detetive Bellini viaja a descanso, Tony Bellotto escreveu mais um romance policial
Enquanto o detetive Bellini viaja a descanso, Tony Bellotto escreveu mais um romance policial. Os Insones, recém-lançado pela Cia. Das Letras, se passa no Rio de Janeiro de hoje, no meio da violência, e narra a história de uma patricinha que some de casa sem dizer pra onde foi. Ela pode ter sido seqüestrada, ou não. Tony, hoje com 47 anos, é guitarrista dos Titãs há 25, e autor de seis livros, entre eles a trilogia que tem o investigador Bellini como protagonista e que, inclusive, ganhou roteiro para o cinema em Bellini e a Esfinge, estrelado por sua mulher, Malu Mader. Hoje, o Titã conversa com a gente sobre literatura, música, e diz que esse negócio de músico não poder escrever é “uma grande bobagem”.
Conte um pouco sobre a história de Os Insones, seu sexto livro...
É um livro que fala sobre a situação que a gente vive hoje no Rio de Janeiro, no Brasil. Da tensão permanente por causa da violência, do tiroteio, de uma classe média acuada, do poder do crime. Enfim, é uma narrativa criada dentro dessa situação. É uma história de suspense, porque essa é a minha escola. O livro começa com o sumiço de uma menina de classe média, e os pais não sabem se ela fugiu de casa, ou se foi seqüestrada. Ao mesmo tempo tem a história de um garoto negro, que nasceu de pais oriundos da favela. O pai e a mãe se separaram e a mãe casou com um inglês. Então, ele é um menino negro que teve criação de classe média alta e, quando ele faz 19, 20 anos, volta pra favela, com ideais de guerrilheiro, um Che Guevara moderno. É através desses dois personagens que a narrativa vai sendo conduzida.
Como surgiu a idéia? Foi inspirada especialmente por algum acontecimento?
Nenhum fator específico, mas por essa situação de angústia que a gente vive. Pela preocupação com seu filho na escola quando está tendo tiroteio na Rocinha, e a escola fica na linha dos tiros. E a gente se acostuma com essa situação. O livro questiona o lugar da rebeldia hoje em dia, de uma juventude aparentemente anestesiada, mas que ao mesmo tempo se manifesta contra a globalização. Você vê ali uma chama de alguma ideologia, de alguma revolta. É também um elogio à revolta de alguma forma.
O Bellini, protagonista de três livros seus, ganha continuação? Ou acabou para o detetive?
Nada impede que eu volte a fazer um Bellini. É que, quando acabo de fazer Bellini, fico meio de saco cheio [risos]. Ele está viajando e deve voltar a qualquer hora... Eu não tenho um plano imediato de fazer Bellini, mas eu tenho certeza que vou fazer.
Você diz que segue a linha mais policial em suas obras. Quem são suas referências na literatura?
Eu gosto muito dos americanos, como James Ellroy. Gosto da literatura americana como um todo, da escrita do Ernest Hemigway, que não é autor policial, mas é um grande romancista. Gosto do desses novos autores policiais americanos, como Lawrence Block. Me inspiro principalmente pela literatura deles.
Qual a maior dificuldade que tem ao escrever uma obra?
O difícil de começar a escrever é achar o estilo, o ritmo da narrativa. Saber como contar a história. Porque existem várias maneiras. No meu caso, o Bellini é narrado em primeira pessoa, como se ele estivesse contando a história. Em Os Insones eu optei por um narrador em terceira pessoa. A partir do momento que você pega o ritmo, a fluência, aí o livro deslancha.
E na música? No que acha que as duas artes de assemelham, e no que se diferem?
Talvez a principal diferença seja que as palavras de uma canção se aproximam mais do que seria uma poesia. É um cuidado mais especifico com cada palavra, e como cada palavra reage do lado de outra. Rimas, ressonância. A música determina muito o ritmo do que você está falando. No caso da prosa, da literatura, você está muito mais preocupado com o fluxo narrativo, do que propriamente com uma palavra ou outra. São técnicas bem diferentes. Já, para mim, elas se aproximam muito no método de fazer. Começa com uma inspiração, que é uma idéia que você tem eventualmente, então entra um trabalho contínuo e insistente em cima daquilo até que ela se torne uma coisa legal. Nesse sentido, eu acho que, como qualquer outra forma de arte, elas são parecidas. Você precisa trabalhar muito, rever, refazer, até ficar pronta.
Você está nos Titãs desde o início da década de 80. O Arnaldo saiu para carreira solo, o Nando também. Nunca teve vontade de fazer o mesmo? É, estou no Titãs há 25 anos. Essa vontade de sair para valer nunca tive. É claro que todos nós, em algum momento, ficamos um pouco descontentes. Como qualquer trabalho em grupo, quando uma idéia sua não é aprovada... Eu já fiquei chateado. Mas nunca cogitei de sair, porque tenho muito prazer e satisfação no meu trabalho com os Titãs. Não só na criação artística e no convívio entre nós, como no fato de tocar, de viajar para tocar, de fazer música com amigos que eu conheço há tantos anos. É um tipo de prazer muito grande. É como o Keith Richards, dos Stones, fala, “ainda me pagam pra isso?”. Genial. Acho que as vezes essas saídas são muito movidas pelo ego. É natural você querer se impor individualmente, querer fazer as coisas da sua maneira, mas eu realmente nunca tive esse problema. Acho que me afirmo individualmente quando lanço um livro, e fico bem resolvido com isso.
Você começou com a música, para depois arriscar na literatura. Muita gente do meio acadêmico condena esse tipo de atitude, não aceita esse tipo de troca artítica. O que você acha disso?
Eu acho isso uma bobagem. O Chico Buarque é um grande escritor e um excelente compositor. Tem um escritor francês, o Boris Vian, que escreveu pouco, porque morreu jovem, mas fez grandes livros e era músico, um trompetista genial. Tem grandes atores, que são grandes diretores e eventualmente roteiristas. Eu acho que de certa forma as artes nascem juntas. Aí, tecnicamente, você pode dar mais para uma coisa, ou outra. Mas eu não vejo uma incompatibilidade entre fazer duas coisas diferentes. Talvez fosse mais difícil de conciliar se eu fosse médico e guitarrista. Mas no meu caso eu toco e escrevo, e dá pra fazer numa boa. Acho que é um preconceito meio bobo. É muito difícil um escritor viver só de escrever, então é comum ele ter outro tipo de profissão. Mas ninguém acha estranho que o Guimarães Rosa fosse médico, diplomata e escritor, ou o João Cabral de Mello Neto, diplomata e escritor. Então, por que o cara não pode ser guitarrista e escritor? Os grandes escritores brasileiros e até os não grandes também têm outra profissão. Talvez tirando o Jorge Amado, Érico Veríssimo, Paulo Coelho, os outros ou escrevem para a imprensa, pra sobreviver, ou tem outro trabalho qualquer. Eu acho que você analisa a obra, se é boa ou não.
Você é músico, escritor, marido, pai e, também, um dos símbolos sexuais do rock nacional. O que acha de viver mais esse papel?
Não me vejo assim. Mas estou super lisonjeado, adorei saber. Eu acho o seguinte, nessa profissão do rock'n'roll, você fica exposto, ali tocando. Pô, sou descendente do Elvis, essa coisa sempre esteve presente, a imagem do que você faz, de quem você é, junto com aquilo que você está fazendo. Então, melhor que seja um sex symbol do que um horror symbol...[risos]. Mas acho que estou ficando meio velho para isso. Tô com 47 anos. Essa coisa de sex symbol é pra gente mais jovem.