Brasil inclusivo
Chegamos à lei brasileira da inclusão, projeto tão gigante quanto a nossa luta
Não me canso de dizer que sou um exemplo prático de que sozinho não se faz nada. Por motivos óbvios, sempre preciso de uma mãozinha para produzir. Às vezes, são inúmeras mãos, que juntas chegam ao resultado final esperado: aquele em que todos são ouvidos e respeitados. Admito que a perda de movimentos e a dependência de outras pessoas afloraram ainda mais essa aura de coletividade que rege meu trabalho, pautado em dignificar a vida do outro. Hoje, feliz da vida, minha equipe e eu chegamos à finalização de um trabalho que mudará a vida de muita gente. A minha, inclusive.
Após 14 anos de tramitação na Câmara dos Deputados, finalmente, está prestes a ser votado o Projeto de Lei 7.699/2006, que cria a Lei Brasileira da Inclusão, o estatuto da pessoa com deficiência que foi repaginado. A redação do projeto, que tive a honra de relatar, é tão gigante quanto nossa luta e traz mudanças na legislação brasileira que vão igualar direitos de uma nação quase invisível aos olhos do poder público.
Todas as propostas do projeto de lei, a começar por seu próprio nome, emanam de mãos, mentes e corações que trabalharam juntos em audiências por todo o Brasil, além de uma consulta pública que durante seis meses ficou disponível no portal e-Democracia, em que surdos e cegos, pela primeira vez no Brasil, puderam contar com plataformas acessíveis para que pudessem participar e sugerir alterações em uma lei que é deles e para eles.
Na educação, por exemplo, a Lei inclui a oferta de um auxiliar de vida escolar na educação básica. E, no ensino superior, a reserva de no mínimo 10% de vagas em cursos de graduação, além da obrigação de conteúdos curriculares relacionados à pessoa com deficiência. Ainda propomos programas no mercado de trabalho. Empresas que contratarem pessoas com deficiência para participar de programas de capacitação terão também de empregá-las durante o mesmo período, garantindo assim não apenas a qualificação, mas um trabalho simultaneamente.
Direito ao amor
Pensando em direitos ainda mais distantes da realidade do brasileiro com deficiência, mas não menos transformadores, como o acesso à arte, à cultura e ao lazer, o projeto pensa no direito de escolha a locais acessíveis em casas de shows e espetáculos. As salas de cinema terão de exibir semanalmente ao menos uma sessão acessível para o público com deficiência auditiva e visual. Imaginem o quão gratificante será a um cego ou um surdo (ou os dois juntos, por que não?) poder pegar um cineminha e ter janela de Libras, legenda closed caption e audiodescrição.
No Código Civil, a mudança é grandiosa: respeita o direito ao amor. Pessoas com deficiência intelectual poderão se casar sem autorização da Justiça. Criamos ainda o benefício Auxílio Inclusão: uma renda complementar, que estimulará a pessoa com deficiência a trabalhar e contribuir com a previdência. Isso é encorajar as pessoas a sair de casa e mostrar seu potencial, sem medo que possam perder o mínimo de dignidade que já lhes foi garantido.
Somos um contingente que atualmente ultrapassa os 45 milhões. Em ano de Copa, o Brasil tem hoje a chance de abater uma dívida histórica com a pessoa com deficiência. Depois de tanto trabalho árduo, de trocas e esforços compartilhados, chegamos ao nosso esperado resultado. Carrego no peito a sensação de dever cumprido. Meu mandato valeu.
*Mara Gabrilli, 42 anos, é publicitária, psicóloga e deputada federal pelo PSDB. É tetraplégica e fundou a ONG Projeto Próximo Passo (PPP). Seu e-mail: maragabrilli@maragabrilli.com.br