Bom dia, América
Na coluna que estreia na Tpm, a fotógrafa Autumn Sonnichsen mostra um pouco de sua vida itinerante
Oi, minha linda.
Que saudade de você. Estou em Fortaleza, num quarto, num hotel daqueles enormes, que tá meio caindo aos pedaços, mas que tem cachoeira na piscina, e o vento do norte vem pulsando pela janela. Tá quente aqui, estou deitada na cama de shortinho com uma garrafa de água gelada. Você, que tá aí na França passando frio, ia curtir.
Depois que te deixei naquele final de verão, fui até a Itália de veleiro com meu irmão. Faz pouco tempo que ele virou marinheiro. Está trabalhando num catamarã de 67 pés, um trambolho de luxo. Ele cozinha, lava o barco, tá aprendendo sobre a vela. Neste momento, acabou de sair de Lanzarote, e está no meio do Atlântico, trazendo o tal veleiro pro Caribe. É meu irmão mais novo, mas agora cresceu, é um homem. Corre mais rápido que eu, é mais forte, as meninas piram nele. Quando chegamos em Cinqueterre estava chovendo. Tinha um veleiro alemão atracado do nosso lado na marinha, com quatro senhores que deviam ter em torno de 60 anos. De manhã, eles sentam no deque para fumar cachimbo e tomar café. Eu fiz um retrato deles, e a gente teve aquela conversa de marina, de onde você vem, para onde você vai, de que ano é seu barco.^^~-_- Eles falam um alemão muito correto e charmoso à moda antiga. Uma vez por ano, a turma se encontra para velejar junta. Isso há 40 anos. Estou apaixonada por todos eles e quero ser igual quando crescer.
Estou te mandando as fotos da nossa viagem de verão, desculpa ter demorado tanto. Às vezes o que demora pra sair do forno é mais gostoso, né? Mas, claro, às vezes o que demora só demora mesmo, também. Essa viagem eterna que meu trabalho e minha vida me dão às vezes me cansa, e só sonho em chegar na minha casa, na minha cama, em ter as facas na minha cozinha afiadas e prontas para
te alimentar. Mas gostei tanto de passar esse fim de semana com vocês. Você é uma das minhas poucas amigas que não mudou tanto desde que teve neném. Eu tenho meu trabalho, que para mim já é uma espécie de filho, mas é um filho que, se eu quero, posso bem ignorar e não preciso de babá. Eu acho massa o jeito que você leva tudo no embalo, que você bota a criança, o marido, a amiga e um guarda-sol no carro e vai para Barcelona, só porque o dia tá gostoso. Adoro ver você pedir o que quer no restaurante, a pequena Gaïa no teu colo. Que você usa saltinho e um lenço na cabeça para ir à praia e que seu carrinho
de bebê é vermelho com bolinhas.
Quando eu ficar velha, caso eu more num veleiro capenga em algum canto perdido do mundo (que provavelmente vai ser um trambolho caindo aos pedaços), você manda a sua filha para ser a minha marinheira?
Saudade, amiga. Vem me visitar em breve que quero cozinhar para você.
Um beijo,
Autumn
Autumn Sonnichsen, 31 anos, nasceu na Califórnia, mas tem o coração brasileiro. É fotógrafa, cozinheira e escritora