Ava Rocha

A cantora e cineasta, filha de Glauber Rocha, lança primeiro disco com a banda AVA

por Marcela Paes em

Mais do que a vocação para o cinema, a cantora e cineasta Ava Rocha herdou de seu pai, o mítico Glauber Rocha, algo mais subjetivo, mas não menos importante para qualquer artista: o interesse pela vida.

Com 33 anos recém-completados e uma carreira no cinema iniciada aos 14, a carioca lançou no fim do ano passado o álbum Diurno, primeiro disco gravado com a banda AVA. Formado pelos músicos Emiliano 7, Daniel Castanheira e Nana Carneiro da Cunha, o grupo surgiu de uma vontade dos amigos que já se conheciam de se expressarem por meio da música. "A banda começou porque eu queria começar a cantar, uma coisa que eu não fazia antes profissionalmente.  Mas eu já tinha uma ligação musical com eles(...). Todo mundo terminou se chamando.", revela a cantora.

Sem pensar em largar o cinema – carreira que além de exercida por seu pai também foi escolhida por seu irmão, o cineasta Erik Rocha, e por sua mãe, a artista e cineasta Paula Gaitán – Ava confessa viver um encantamento com a música. "A minha ligação com cinema é muito forte, mas a música é minha grande paixão atual. Quero lançar muitos discos e fazer muitos shows", afirma.

Dividida entre as duas coisas, a artista revela que ainda existe espaço para mais uma grande paixão, esta somente conhecida por seus amigos e sua família. "O que eu gosto mesmo de fazer além do cinema e cantar é cozinhar [risos]. Eu queria ter um restaurante ou alguma coisa assim. Se você me perguntar realmente qual é o outro talento que eu tenho eu vou te dizer que é a cozinha", conta.

Além das três grandes paixões, a conversa com a artista fluiu por vários caminhos e Ava falou sobre a influência de seu pai e do dramaturgo Zé Celso Martinez (que a incentivou a cantar), sobre o coletivo Fora do Eixo e também sobre o dia a dia em uma cidade como o Rio de Janeiro.

Revista Tpm: A banda é recente, vocês começaram em 2008. Já era a hora de gravar o disco?
Ava Rocha: Em novembro do ano passado foi o show de lançamento do disco. Nós começamos a tocar em 2008 e em setembro  fizemos nosso primeiro show no Cine Odeon aqui no Rio. O disco é um reflexo desse processo de amadurecimento ao longo de de três anos fazendo uma série de shows. Mesmo sem disco fizemos muito shows.  Eu amadureci muito como cantora e em cena. O disco ficou pronto no final do ano passado.

Como vocês montaram a banda?
A banda começou porque eu queria começar a cantar, uma coisa que eu não fazia antes profissionalmente. Eu já tinha tido umas experiências, como a música que eu cantei na peça Os Sertões, do Zé Celso. Foi ele quem me deu o grande empurrão para começar a cantar. Eu estava morando em São Paulo, voltei pro Rio e chamei o pessoal da banda pra armar esse projeto. Foi muito a partir desse meu desejo de cantar e levar alguns composições minhas adiante. Mas eu já tinha uma ligação musical com eles. O Daniel, por exemplo, já me chamava há muito tempo. Sempre dizia vamos fazer alguma coisa junto, todo mundo terminou se chamando.

Eu vi que o Zé Celso está nos agradecimentos de Diurno...
O Teatro Oficina mudou a minha vida. Estar ali com o Zé, com as outras pessoas. Algumas coisas mudam a nossa vida pra sempre e o Oficina foi uma delas. Interrompi alguns projetos só para participar da montagem de Os Sertões. O Zé é um grande pensador. Foi um contato muito libertador. Entrei em contato com a cultura brasileira e também com outras culturas. Essa vivência é muito forte. O Zé me colocou pra cantar e eu sou muito grata a isso. É uma relação muito forte, não tem como não agradecê-lo. Ele me ajudou a descobrir uma força que eu tinha e estava escondida. 

Você já trabalha com cinema há um tempo e só agora seu envolvimento com a música ganhou mais força.  Você vê uma ligação entre as duas coisas? 
Pra mim a ligação é muito clara. Eu mesma comecei a fazer música fazendo cinema. Pensando a montagem como  música, na edição, colocando minha voz em vários filmes. A relação do cinema com a música é muito grande pelo ritmo do filme. E o cinema que eu faço é muito musical também. E não musical só pela trilha musical, mas porque ele é construído em cima das sensações, do ritmo, coisas que são características da música. A relação é total.

A música é o seu principal foco no momento?
Hoje em dia eu estou muito mais dedicada a música. Trabalhei muito tempo com cinema, mas não é uma atividade que eu quero largar. Eu lancei um filme no ano passado com o Teatro Oficina que se chama Ardor Irresistível. Sempre estou envolvida com o cinema. Fiz uma série de vídeos para algumas músicas do disco e coloquei no Youtube. Fiz de uma maneira bem espontânea. A minha ligação com cinema é muito forte, mas a música é minha grande paixão atual. Quero lançar muitos discos e fazer muitos shows [risos].

 

"A minha ligação com cinema é muito forte, mas a música é minha grande paixão atual"



O fazer cinema é uma coisa muito mais fechada no que se refere à resposta imediata do público. Sentir a reação da plateia no show é uma coisa que te atrai na música?
Acho que tem a coisa do calor humano, do calor das pessoas. Mas quando você estreia com um filme em algum festival você também tem esse tipo de troca. A experiência do palco é muito libertadora, eu aprendi isso com a minha relação com o teatro, no Teatro Oficina. Eu me transformei muito...Acho que tudo se cruza. O cinema e música fazem parte da minha vida de uma forma muito natural e forte. A vivência do artista é assim mesmo. As pessoas fazem um monte de coisas e uma coisa alimenta a outra. Você está o tempo inteiro se alimentando das coisas da vida, das coisas que te interessam. É um interesse pela vida. Minha prioridade é esse interesse, a troca.

Quem trabalha em diferentes frentes artísticas normalmente está sempre procurando novas formas de se expressar. Você pensa em continuar expandindo seus horizontes? Partir para teatro, pintura, escultura, fotografia?
Eu já atuei, mas não me considero atriz porque eu não estudei. Também já estudei um pouco de fotografia. Não que eu seja fotógrafa ou que eu pretenda alguma coisa, porque eu nem acho positivo querer ser tudo, mas eventualmente eu posso sentir vontade de me expressar e outras formas. Mas o que eu gosto mesmo de fazer além do cinema e cantar é cozinhar [risos]. Eu queria ter um restaurante ou alguma coisa assim. Se você me perguntar realmente qual é o outro talento q eu tenho eu vou te dizer que é a cozinha.

Sempre bom cozinhar. Qual é a especialidade de Ava Rocha?
Ah, eu faço de tudo. Mas faço muito comida baiana, bobó de camarão, moqueca... Também amo feijoada, cuscuz. Gosto muito de inventar na cozinha, Todo dia invento uma coisa diferente e convido amigos pra jantarem. Faço banquetes mesmo! As pessoas ficam 'Nossa, quanta comida!' Às vezes eu passo o dia pesando no que vou cozinhar, da mesma maneira que eu penso em um filme ou uma música.

Seu irmão Erik e você trabalham com cinema. Você acha que isso pode ser creditado à influência de seu pai?
Com certeza. É a influência de todo um contexto no qual a gente se criou, mas é claro que a influência do meu pai é muito grande para nós e também para muita gente. No caso do cinema do Erik, ele tem uma influência muito grande da minha mãe [Paula Gaitán], que é uma cineasta que tem muito cuidado com a estética, com a parte plástica. Claro que também muito cheio da estética glauberiana. Temos essa pegada experimental e muita mistura também.

A expectativa sobre seus filmes é maior por você ser filha do Glauber? 
Nunca me senti cobrada. O lugar que meu pai ocupa e um lugar inalcançável, só ele ocupa. Até os cineastas mais geniais do Brasil, tão geniais quanto ele, não ocuparão o lugar que ele ocupa, por isso eu nunca me senti cobrada e nem tive vontade de ocupar o lugar dele. Por outro lado, a humildade no dia a dia, a forma como se estabelece as relações com as pessoas e a verdade ao se trabalhar te livram um pouco de tudo isso. Meu trabalho sempre foi muito bem recebido. Claro que eu já recebi um milhão de críticas, muita gente não gosta dos meus filmes. Outros são apaixonados... Faço meus filmes muito do meu jeito, da maneira como eu vejo o cinema, uma forma muito particular e até despretensioso. Não tenho esse tipo de cobrança, minha relação com meu pai é de muito amor e afeto. Quando você é sincero e coloca as cartas na mesa as coisas ficam claras. Acho que as pessoas vão gostar do meu trabalho independente de eu ser filha ou não do Glauber. Ou não vão gostar. Já escutei muita gente que conhecia meu pai dizer que ele teria muito orgulho das coisas que eu faço e de mim. Fico muito satisfeita de ouvir isso.

 

"Nunca me senti cobrada. O lugar que meu pai ocupa e um lugar inalcançável, só ele ocupa"

 

Seu pai é até hoje considerado um dos gigantes no cinema nacional. Tem alguns favoritos entre os trabalhos dele? Há algum filme que você considere o mais influente para você?
Muito difícil escolher só um, acho todos foda e muito diferentes, mas com uma marca e um estilo bem definido. Todos me emocionam muito, mas eu tenho uma relação particular e especial com a Idade da Terra. Acho que é o ápice do cinema dele. O filme é muito corajoso, ele antecipa muita coisa que vai acontecer com relação à montagem, internet e novas tecnologias. É bem profético. Eu nasci durante a montagem do filme, tenho uma coisa muito forte com esse trabalho. Influenciou minha maneira de pensar a música, o cinema, a vida. É um filme muito radical, libertário.

Recentemente você escreveu um texto apoiando o coletivo Fora do Eixo, e uma frase me chamou atenção: "Não basta estar com a placa de músico independente no peito. A independência de um artista, ou de qualquer profissional não radica apenas nas relações monetárias e existem caminhos de convergência, caminhos a serem inventados e reinventados. E o Fora do Eixo é algo concreto, um movimento que está desafiando a ordem das coisas..."  Você acha que iniciativas como o Fora do Eixo são a melhor coisa para o crescimento do cenário independente do país?

Acho que é uma iniciativa concreta, e uma experiência muito bem vinda para cultura no Brasil. É um exército de gente, de todos os cantos do país, apaixonados e unidos. Todas as iniciativas vão ser bem vindas e irão somar, mas hoje, no Brasil, o Fora do Eixo ocupa um lugar que ninguém mais ocupa. Não sei se serve para todo mundo. Existe a discussão relativa a cachês e que na verdade é uma discussão relativa a uma série de problemas que o Brasil tem, mas eu acho que o FDE não deve ser responsabilizado por isso. O coletivo é uma força concreta e o melhor caminho é que outras  forças se unam, mas eu não vejo fora editais e algumas casas de show independentes o que mais existe em torno da música independente no Brasil. Não sou independente, sou da Warner [gravadora]. Tanto os artistas independentes, como eu e a Tiê, por exemplo, precisamos nos misturar. Estamos reconstruindo uma relação com o público, com a questão da venda de discos. Não vale a pena a gente se bater, eu sou a favor da reconstrução. Eu apoio o FDE totalmente e pretendo tocar com eles sempre que me chamarem.

Os críticos  temem que um coletivo como esse torne homogênea a produção de música no cenário independente, do mesmo jeito que a mídia e as gravadoras tornaram homogênea a música de massa. Você acredita que o crescimento do fora do eixo possa transformar o cenário underground em uma filial do que fazem as grandes gravadoras no meio mainstream?
Eu não concordo com isso de jeito nenhum. Eu acho que o Fora do Eixo extrapola a questão da diversificação. Eu vejo que a grande polêmica em relação ao Fora do Eixo é a questão da curadoria, a decisão de quem toca e quem não toca, quem é bom e quem não é, se é rock, se é reggae, se é vanguarda... Para mim essa é a polêmica concreta que existe lá dentro e é isso que as pessoas estão discutindo. Eu acho que na cena musical independente que existe no Brasil é muito relativa, também. Existem mil editais, muitos lançamentos que estão rolando. Existe gente que é independente de verdade, que não tem um tostão de ajuda, nada. Então essa é uma coisa muito híbrida. Ela não é assim, não se rotula só como: “eu sou independente”, “eu sou de uma gravadora”. Essa zona está muito nebulosa e eu acho que isso é o de menos. O importante é a gente conseguir viabilizar a história de cada um, viabilizar essa potência que tem no Brasil. Concordo que haja uma espécie de supervalorização de um certo circuito da música independente, então talvez essa coisa do mainstream seja regada a isso. A música ainda está bombando no Brasil. Talvez esteja ainda tudo muito concentrado em São Paulo, Pernambuco e Rio de Janeiro. A gente ainda está concentrando essa informação toda. 

Saindo um pouco dessa questão, você se considera uma pessoa vaidosa? Para se apresentar você gosta de investir em um figurino especial ou você toca como se veste normalmente? No palco rola uma vaidade a mais?
Eu sou vaidosa mas não sou muito neurótica com a vaidade não. Eu sou meio camaleônica. Às vezes eu estou mais masculina, às vezes mais feminina, sou meio camaleônica mesmo. Eu me considero assim, sempre uma coisa muito evidente. No palco eu gosto de me sentir diferente em cada show que faço, dependendo do lugar, do clima, da arquitetura de onde estou. Eu sempre termino inventando uma roupa diferente. Não gosto muito de me repetir. Agora eu convidei a Luiza Marcier para desenhar uma roupa para mim, uma roupa que tenha versatilidade para eu usar em vários lugares. Cada show é uma loucura. Às vezes eu uso coisas que encontrei no brechó, às vezes são coisas que encontrei no meu armário, cada vez é uma coisa. Eu gosto de experimentar. Gosto de me maquiar também, às vezes faço umas maquiagens loucas [risos], às vezes quero estar com o rosto limpo. Depende muito do espírito. Varia.

Como arrumar tempo para não ser massacrada pelo dia-a-dia da cidade grande? Tem como fugir disso?
Na verdade eu não consigo ter muito tempo de paz não. Tenho procurado meditar, tenho procurado cuidar de mim, fazer yoga e ficar tranquila. Tenho diminuído muito meu ritmo. Antes eu tava mais na rua, ia mais a festas, mas hoje em dia estou mais devagar. Ontem eu fiz 33 anos, então já estou mais quietinha.

Parabéns!! 
Obrigada! Mas é muito caos. Eu sou uma pessoa muito gangorra, Às vezes estou muito equilibrada mas entro em uma ansiedade, faço mil coisas... Vou alternando assim. Mas queria muito encontrar um terrinha, com riachinho, uma aguinha, pra eu plantar alguma coisa. Tenho uma preocupação muito grande com a questão da comida, da alimentação orgânica, e eu sou muito ligada à isso. Mas é difícil você levar uma alimentação assim e querer que todo mundo se alimente desse jeito, sem comer carne, com uma relação política com a comida.

Você não come carne?
Eu como, mas tento não comer. É um conflito político. A gente tem uma educação e uma formação, mas acho que essa relação política com a comida é muito importante. Não só por isso, afinal, ela está ligada também à sua saúde. A gente vai aprendendo em todos os sentidos. A gente ainda se alimenta de muitos agrotóxicos, se envenena o tempo todo. A gente bebe e a gente fuma. Então tenho procurado melhorar nesse sentido.

Para finalizar, quais são os projetos da banda? Tem alguma coisa especial programada?
Estamos ensaiando. Os projetos são lançar o disco durante todo esse ano, fazer shows, entrar no estúdio já no ano que vem para gravar o próximo disco e ensaiar um show que seria a gravação de um DVD. Estamos fazendo um clipe em breve também. Então já temos uma série de coisas que a gente está fazendo em relação a esse e ao próximo disco. Estamos compondo muito e já temos até algumas músicas novas no show. A gente está ensaiando um show novo, mais elaborado, que deve virar um DVD. Muitas coisas.

Abaixo você vê o vídeo da canção "Ela é o Samba", do álbum Diurno.

Para ver o curta Dramática, dirigido por Ava Rocha, acesse o site www.portacurtas.org.br/beta/filme/?name=dramatica

Vai lá: Show de apresentação do disco Diurno, da banda AVA
Onde: Teatro Municipal de marionetes Carlos Werneck, do Parque Criativo do Flamengo - Rio de Janeiro/RJ
Quando: dia 1º de Abril, às 15h
Quanto: Entrada franca

Crédito: Divulgação
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Crédito: Arquivo pessoal
Crédito: Arquivo Pessoal
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