Autumn Sonnichsen, a mais surpreendente fotógrafa de nu feminino do Brasil

No país há dez anos, ela vive uma vida como poucos: ''Eu viajo muito, só tiro fotos legais, mulheres lindas me procuram''

por Emilio Fraia em

Um dia, Autumn tocou minha campainha, com uma caixa de DVDs embaixo do braço – ela é minha vizinha, mora no apartamento de cima. Era um seriado americano dos anos 1950, estrelado pela Lucille Ball, I love Lucy. Ela disse: “Vizinho, você precisa assistir isso”, e foi entrando. A gente pediu uma pizza, ela começou a me contar da sua vida. 

Tinha sido atropelada havia menos de um mês, por um ônibus, na esquina da Cardeal Arcoverde com a Oscar Freire. Mancava e trazia no antebraço uma cicatriz de uns 20 centímetros. De resto, parecia ótima, as covinhas do seu sorriso característico. “Cortaram meu tríceps no meio para colocar uma placa. As pernas estão inteiras, aleluia”, ria.

Autumn Querida Sonnichsen nasceu em Los Angeles – seu segundo nome, “Querida”, quem deu foi o pai, que morou por um tempo no México. Autumn gosta de velejar, andar a cavalo, tomar vinho, correr longas distâncias – numa semana ideal faz 80 quilômetros. Tem 31 anos. Em abril, vai completar dez que vive no Brasil. Veio passar seis meses e foi ficando. Antes, morou em Berlim, no Cairo, Cidade do Cabo, Nova York, Paris. Fã de fotógrafos como Eikoh Hosoe, William Eggleston e Nan Goldin, é especialista em nus, fotos sensuais. Seu grande tema são os corpos, as mulheres. Já perdeu as contas de quantas fotografou para Trip, Playboy, entre outros títulos. Vive rodeada por suas modelos. “Paisagens sem uma mulher dentro são um desperdício”, fala. “Se estou num lugar lindo e não tenho uma menina, fico perdida.”

Brilho & paetê

Para Autumn, suas fotos estão fixadas no seguinte tripé: atenção aos detalhes; empolgação; e tentativa de manter um alto nível de bom gosto. Muito embora flerte com certa vulgaridade, algo típico norte-americano. Gosta de mulheres bagunçadas, com cabelos ondulados. Gosta de abundância, brilho, paetês, exagero. “Qualquer pessoa que vai comigo na feira e tem que voltar para casa carregando quatro melancias sabe do que estou falando”, brinca.

Autumn passou a infância atravessando os Estados Unidos de carro. Sua mais recente exposição, Home of the Brave, era uma coleção de imagens que fez na estrada. “Gosto desse vazio do meu país enorme, das mulheres que andam de botas, a comida farta.” No dia desta entrevista, a vegetariana Autumn cozinhou uma abóbora, com queijo frito. No meio do almoço, o interfone tocou, era Mariana, uma de suas modelos e queridas atuais.

Mariana dá aulas de pole dance. “Eu escrevi para a Autumn, queria ser fotografada. Ela disse que adorava pole dance. A gente super se amou desde o primeiro dia”, conta Mari, sorrindo. Enquanto corta e cozinha as abóboras, Autumn diz que fotografar é saber criar climas, um ambiente. “Isso às vezes importa mais do que a luz.” Através de suas imagens, quer falar com todos. “Minha ideia é fazer um tipo de arte que o cara que trabalha no posto de gasolina entenda, por instinto”, resume. Durante muito tempo Ernest Hemingway foi seu ídolo, e seu ideal de vida, diz, está num dos livros dele, O jardim do Éden. “O personagem mora no sul da França, tem duas mulheres lindas, pesca, come paradas ótimas, fica feliz, bebe muito, nada, faz esporte, escreve as paradas dele, tá ótimo”, ri. Autumn acredita que pedir para alguém tirar a roupa é um momento único. Abre um vinho. Coloca os pratos à mesa. Em suas fotos, como no Banquete, de Platão: conhecer os corpos para conhecer as almas.

Tpm. Você se mudou para o Brasil em 2005. O que te atraiu em São Paulo?
Autumn Sonnichsen. Eu vim passar seis meses e fui ficando. Eu demorei para gostar da cidade, tipo um ano e meio. Porque quando você chega aqui é difícil, complicado. O que eu mais gosto em São Paulo é a estética da cidade, não é um lugar reconhecível. Não tem um edifício internacionalmente reconhecido. Pode ser qualquer cidade, é tipo um mar de prédios. E São Paulo é uma cidade que me recebeu muito bem.

E antes? Antes disso eu estava no Egito. Passei oito meses no Cairo, estava casada. O Cairo é uma cidade que cansa muito. Você tem que sempre andar vestida, de burca, no calor. Tem que andar de manga comprida, tem que sempre prestar atenção aonde você vai. Mas o deserto é foda. Eu tinha um cavalo e andava a cavalo todos os dias. Eu via o sol se pôr atrás das pirâmides, com as minhas amigas em volta. A gente andava a mil por hora. Os beduínos faziam chá pra gente. Era tudo superdramático e bonito. Eu tinha meu namorado, estava apaixonada, a gente comia superbem, eu ia à feira, cozinhava, era incrível. Mas era cansativo pra caralho viver lá. A cidade exige muito de você. É sujo. Pegar um táxi é cansativo. Tudo é cansativo.

E você foi pra lá por causa desse cara? É. Ele trabalhava na embaixada, era americano. Depois, ele foi mandado de volta pra Washington, e eu fiquei ainda um pouco porque tinha me inscrito na faculdade, tinha que terminar um semestre. Eu estudava história da arte. E no Cairo tem uma universidade americana. Aí fiquei, e ele voltou para Washington. Terminamos, mas continuamos amigos. Mas chegou uma hora que eu não me via morando mais lá, sabe. Daí pensei: o Brasil, o paraíso, as minas andando de biquíni na rua, tem caipirinha, parece ótimo [risos]. Eu não conhecia ninguém no Brasil. Fui atrás de um anúncio no Google.

Onde morou aqui? Em São Paulo, morei na Vila Mariana, na rua dos Pinheiros, depois na Maria Paula, na alameda Santos, depois na praça da República, depois no Copan, depois vim pra cá, na Tupi, Higienópolis. Aqui é o lugar mais legal. É uma rua meio carioca, as meninas andam de chinelo, com cachorro. Gosto da minha varanda, das árvores.

Pensa em continuar no Brasil? Nunca vou sair daqui. Mesmo se ficar um tempo fora, quero sempre voltar. Tenho amigos que fazem o lugar valer a pena. É igual você se apaixonar pela sua mulher e sua mulher morar aqui. Eu sinto falta da minha família, claro. Especialmente depois que meu irmão morreu. Antes eu não tinha muita pressa de voltar pra casa. Achava que sempre todo mundo ia estar lá. Depois que o meu irmão morreu, eu vi que eles não iam estar lá sempre me esperando. Então agora faço um esforço. Minha irmã vai se casar agora e eu vou até lá. Eu os vejo pelo menos uma vez por ano. Tento convencê-los a vir pra cá, mas ninguém nunca vem. É longe, é complicado, mais fácil eu ir.

Seu irmão morreu como? Câncer, um linfoma. Tinha 22 anos. Ele era massoterapeuta, estudava educação física, queria ser fisioterapeuta de futebol americano. Descobriu tarde demais. Isso foi há três anos. Não quero muito falar disso. Foi uma época superpesada.

Você gosta muito de Hemingway, né? Muito, sim. Ele foi meu ídolo, eu queria ser ele. Quando eu estava no colégio, até antes, gostava daqueles caras vagabundos que ficavam nos cafés, bebendo. Eu achava o máximo. Tem um livro que adoro: O jardim do Éden. É um dos últimos dele, eu acho bem bonito, sincero. Aquele é o meu ideal de vida, o jeito que eu gostaria de viver. Tem um pouco a ver com a maneira que procuro levar a vida, acho.

Que jeito é esse? Pô, o personagem mora no sul da França, tem duas mulheres lindas e maravilhosas, pesca, come paradas ótimas, fica feliz, bebe muito, nada muito, faz esporte, fica feliz, tem as minas dele, escreve as paradas dele, tá ótimo [risos]. Tá tudo ótimo.

Parece uma ideia interessante de boa vida. Trabalhar muito, usar o corpo. Mas você não tem que fazer esporte. Acho a ideia de fazer esporte um pouco ruim às vezes. É preciso usar o corpo, sim, de alguma forma. Tem que comer muito bem, tem que ser muito ligado no que come, tem que trepar direito e amar muito. E estar no lugar que gostaria de estar.

O que não te agrada na ideia de esporte? Bom, quando eu era criança a minha irmã era muito competitiva, e ela era uma atleta mil vezes melhor que eu. Então nunca tive essa vontade de ganhar, competir, chegar na frente. Eu posso correr 30 ou 40 quilômetros. Mas não quero ser mais rápida do que ninguém. Quando eu corro com pessoas eu corro mais devagar do que quando corro sozinha. Nunca tive um espírito competitivo. Nunca quis ganhar. Para ser feliz é preciso usar o corpo, mas isso não significa que seja preciso fazer esporte, treinar. Sou razoavelmente forte, gosto de ficar ao ar livre, nadar, correr, pedalar, me sentir bem, livre, parte da natureza. Mas sem a neurose da ideia de fazer esporte.

Você gosta do sul da França, né? Adoro. É um lugar ideal. Você pode pedalar, correr, minha afilhada mora lá, tenho amigas lá. É um lugar com uma qualidade de vida impecável, a comida é foda, tem o mar, o mar não tem onda, e para mim é ótimo porque eu gosto de nadar.

É seu lugar preferido no mundo? Não, aqui é meu lugar predileto. Aqui é o meu lugar.

São Paulo? Ou Brasil? São Paulo é onde estão os meus amigos, e meu lugar predileto é onde meus amigos estão. Mas eu gostaria de morar na praia. Sempre gostei de mar. Acho que provavelmente vou acabar morando num barco quando for velha. Ia curtir ser uma velha morando num barco. Meus pais se conheceram num barco.

Como é essa história? Meu pai era professor de história da música, minha mãe era aluna dele. Era um barco em que se faz intercâmbio. Passa-se um ano ou seis meses da faculdade no barco. Tem todos os professores, todas as aulas. Minha mãe estudava educação. Ela era noiva de outro cara. Minha avó achava o casamento precipitado, falou que minha mãe devia conhecer o mundo primeiro. Colocou minha mãe nesse barco. Ela conheceu meu pai, voltou, deu o anel de volta para o namorado, um drama. Minha avó não ficou nada feliz, não foi ao casamento. Meu pai é 22 anos mais velho que minha mãe (hoje ele tem 80, minha mãe, 58), tinha dois filhos da idade dela, era casado. Eu sabia que ele tinha uma ex-mulher, mas só fui saber que ele era casado nessa época há três anos. A mulher dele estava no barco, junto.

Você tem contato com esses irmãos? Eu não cresci com eles, porque quando eu nasci eles já tinham saído de casa. Eles são bem mais velhos que eu. A minha irmã eu vejo pouco. Meu irmão David eu vejo mais, ele é meio porra-louca. Ele é aposentado desde que tinha uns 20 anos. Ele era da Marinha, teve gangrena, perdeu os dedos, então se aposentou. Além deles, tenho mais três irmãos: uma irmã, que é da Marinha, ela dirige submarinos; e dois irmãos. O que morreu e o outro, que se chama Michael e tem 27 anos.

Sua família era meio hippie, contracultura? Nem um pouco. Meus pais são conservadores. Eu sou da Califórnia, então tem essa coisa da contracultura de qualquer forma. Meus pais se separaram eu era muito pequena, não tinha nem 2 anos. O pai da minha mãe morreu antes de ela nascer, minha mãe era filha única. Então tem muito uma cultura assim, de ser minha mãe sozinha com as filhas dela. Eu tenho meu pai, mas nunca o vi muito. Eu não tenho muitos primos, tias. Pra mim, minha família sou eu, meus irmãos e minha mãe. Tem meu pai e meus outros irmãos, e eu amo eles muito, mas eu cresci com minha mãe.

E sua mãe, o que ela fazia? Quando eu era pequena, minha mãe tinha uma herança. Minha avó era secretária, veio de uma família muito simples, e a irmã mais nova dela queria ir para Los Angeles ser atriz. Isso em 1920, 1930. A minha bisavó não deixou ela ir sozinha, disse que tinha que ir com a irmã mais velha, então minha avó foi. Sei lá o que aconteceu com a carreira de atriz dela, não virou a Grace Kelly, e minha avó virou secretária de um cara. Quando morreu, esse cara deixou uma herança para minha avó. Não era muito dinheiro, só que minha avó era esperta e investiu direito. Mas quando eu tinha uns 6 anos minha mãe perdeu tudo. Meu  padrasto quis abrir um jornal, em Los Angeles. Um jornal espanhol. Ele era da Costa Rica. O jornal faliu e a gente perdeu nossa casa e foi morar na Flórida. A gente tinha outra casa lá. É o lugar central da igreja da cientologia. Minha mãe é cientologista.

E você, não? Eu não. Não é minha praia. Eu acho que, como toda religião, funciona bem para algumas pessoas, para outras não, e como toda religião é uma grande lavagem de dinheiro. Eu sei que minha mãe acha que faz muito bem para ela, ela é muito envolvida na igreja. Meu pai odeia. Eu acho igual a todas as religiões. Não vejo diferença. Eu não tenho religião, acho que não preciso. Mas acho que já aconteceu tanta merda comigo que tem que ter alguém cuidando de mim. Meu pai fala que tenho um anjo da guarda. Pra eu não ter morrido até agora, deve ter mesmo [risos].

Você saiu de casa com que idade? Aos 16 anos. Terminei o colégio, fui fazer faculdade, na Califórnia. Eu nasci em Los Angeles, sempre quis voltar, nunca me senti muito ligada à Flórida. Achava culturalmente deprimente. As pessoas eram desinteressantes. Não era o meu lugar – agora eu fui para o casamento de uma amiga e gostei; hoje em dia eu adoro. Depois larguei a faculdade, fui para Paris, Berlim. Nunca terminei a faculdade.

Quantas tatuagens você tem? Dez. Na minha família a gente tem uma tradição de se tatuar um para o outro. Minha irmã faz muito isso, ela é bem tatuada. Mais que eu. Eu só tenho tatuagem assim, fuleira, de menina, de cadeia, tatuagem malfeita. Minha irmã tem várias, bem-feitas, grandes e tal. Tudo na perna e na barriga, por que ela é da Marinha e não pode.

Qual é a história dessa pena de índio? Foi por causa de uma menina. Ela fez uma cabeça de índia para mim. Aí eu fiz essa pena para ela. Todas as minhas tatuagens eu fiz pra alguém. Esse é o nome do meu irmão. Quando ele morreu, minha família, eu e os amigos fizemos essa tatuagem.

E esse coração? É para uma menina, Sabrina, ela é muito bonita. Esse barco eu fiz para a minha irmã. Ela fez uma mulher para mim, uma mulher pelada, que é de uma foto minha. Essa aqui, a palavra “Brilhos”, eu fiz com dois amigos, estávamos na praia ano passado, no réveillon, e tínhamos alugado uma casa em Ubatuba, superbonito. Estávamos lá, na areia, bêbados demais, e passa uma mulher de vestido cheio de paetês, brilhando. E isso virou uma brincadeira, toda vez que uma coisa linda acontece a gente fala “oi, brilhos”. Eu gosto muito de paetês, gosto de enrolar as minas na purpurina. Eu gosto dessas coisas meio bregas, couro, diamantes, carrões, essas coisas. Acho bonito.

Quais os lugares do mundo para onde você mais trabalha hoje? Alemanha e Brasil. O mercado está bom. Tento dividir as coisas. Fazer publicidade para ganhar dinheiro. Fazer revista porque é divertido. Fazer meu trabalho pessoal porque é legal. É preciso dividir o tempo. Não pode fazer mais uma coisa do que a outra. Porque se você só faz publicidade você vai ficar louco. Se faz só revista, vai se frustrar. Se você só faz trabalho pessoal, vai morrer de fome.

Dos fotógrafos clássicos norte-americanos (Evans, Avedon, Winogrand, Arbus etc.), de quem você gosta, por quê? Algum brasileiro? Quando era mais jovem, eu amava Edward Weston, muito. Minhas primeiras fotos de nu eram todas em PB, clássicas, com fundo preto. Eu gostava muito de estudar as sombras na pele, a forma, tudo que hoje em dia acho que é quase instantâneo, não penso mais tanto a respeito. Eikoh Hosoe, meu fotógrafo favorito, dizia que as sombras eram mais importantes que a luz. Eu levava isso muito a sério. Hosoe tem um trabalho lindo, esquisito, forte, animal, sensual, e ao mesmo tempo muito frio.  George Pitts, grande fotógrafo e professor de história da sexualidade na fotografia, foi a primeira pessoa que me disse que eu era uma grande colorista. Caiu muito a ficha nesse dia. Comecei a perceber de forma mais apurada como eu usava as cores, que até aí era meio sem querer. Até então eu me interessava mais pela luz e a forma. Também foi aí que prestei mais atenção nas cores dos outros.  Eggelston é um dos grandes mestres, a Nan Goldin também e o Wim Wenders. Do Brasil tenho grande respeito pelo Sebastião Salgado. No geral, quando me interesso pelo trabalho de alguém, é sempre alguém que faz algo muito diferente do que eu faço.  

Foto de revista é arte? Eu gosto de cultura popular. Outro dia fui para a praia com um amigo. No caminho, paramos num posto de gasolina para comprar um baralho e lá estava a Playboy. A Playboy vinha com um baralho, com fotos de algumas mulheres que posaram para a revista. Eu tinha feito boa parte das fotos. Meu amigo falou: “Poxa, deve ser muito legal você parar num posto de gasolina e ver fotos que você fez”. Eu adoro isso, acho a coisa mais incrível. É algo que vale para você como artista, que vale para o mundo. E ao mesmo tempo vende na porra de um posto de gasolina.

Tem gente que diz que é uma coisa meio machista. Eu não vejo como algo negativo. As meninas que fotografo adoram. Elas se sentem bonitas, felizes, é algo prazeroso. Elas vão ficar velhas, vão ser avós incríveis e vão falar: “Olha como a vovó era gostosa quando era jovem”. É demais.

E todo o debate sobre objetificação da mulher etc.? Acho uma discussão banal. Não faz sentido. O corpo é bonito. Não é machista olhar para um corpo e achar bonito. Elas são donas dos corpos, têm autonomia. Isso é algo profundamente feminista.

Você é feminista? Do ponto de que todo mundo é igual, sim. Obviamente gostaria que todo mundo fosse igual, que as mulheres ganhassem igual aos homens, o que já melhorou muito. Mas essa conversa de discussão de feminismo na classe média alta no Brasil, eu não me interesso. O Brasil é uma sociedade classista. Sei que há muito o que ser feito, mas, de certa forma, o feminismo já venceu, estamos num bom ritmo de conquistas. Agora o que temos que fazer é cuidar de quem não tem nada. Essa é a conversa que me interessa. Essa é a conversa do Brasil, a conversa do mundo. Se você quer falar do feminismo na Arábia Saudita, ótimo. Esse é o lugar pra ter essa conversa. Aqui no Brasil precisamos gastar o tempo e a energia com outras coisas. As mulheres que são pobres estão na merda. E a gente tem que ajudá-las. Mas não é por elas serem mulheres, é por serem pobres.

Seu nome é Autumn Querida Sonnichsen. De onde vem esse “Querida”? Meu pai colocou. Ele tem uma ligação muito forte com a América Latina, passou muito tempo no México. Mas às vezes ele exagera um pouco [risos]. Ele acha que fala espanhol sem sotaque. Ele fala muito bem, mas tem um sotaque americano fortíssimo. A gente estava uma vez em Buenos Aires. Fomos almoçar com uma amiga, que também morou muito tempo no México, uma argentina. Meu pai estava falando que tem o sotaque de Chihuahua, e minha amiga: “Com todo respeito, o senhor tem um sotaque americano” [risos]. Ele ficou superofendido, falando que ela não sabia de nada. Quando meu pai bebe ele acha que fala alemão, francês...

As pessoas têm a impressão de que você vive uma vida incrível. Olha, às vezes eu me sinto até um pouco culpada por viver tão bem. Eu posso fazer o que eu quero, posso inventar coisas para fazer e arranjar pessoas que me pagam para fazer essas coisas. Tenho sorte. Mulheres lindas me procuram. Elas me escrevem, falam: “Oi, tudo bem? Posso passar na sua casa?”. Eu nunca faço fotos que considero chatas. As pessoas sabem o que eu faço e vão atrás de mim por isso. Pensar num quadro, com pessoas felizes, o mar, o sol. Eu sou muito boa nisso. Não é que sou super-rica, mas vivo bem e consigo fazer o que eu quero. Não me falta nada.

O que você acha que tem mais da sua mãe e do seu pai? Às vezes eu acho que todos os meus defeitos vêm do meu pai. Minha mãe é uma mulher forte, ela se sustenta, cuidou dos filhos sozinha. Tenho um certo bom gosto por causa dela. Na época que a gente tinha dinheiro, minha mãe colecionava arte. Ela tem uma coleção muito bonita, tem Dalí etc. Uma época, ela queria abrir um museu de arte tibetana em Los Angeles. Ela queria que os filhos crescessem num ambiente artístico. Eu lembro que meu marido fala que meus primeiros ensaios são as melhores coisas que fiz. Não é bem por aí, claro. Mas desde as minhas primeiras fotos eu já era boa. Obviamente, a técnica melhora. Mas sempre soube que ia ser boa.

E os defeitos? Você falou do seu pai. Na verdade, meu pai é uma pessoa muito charmosa. Ele é uma pessoa que senta à mesa e te conta histórias por muito tempo. Eu não acho que tenho um talento linguístico, mas sei falar muitas línguas, razoavelmente bem, sem sotaque. Meu alemão é muito melhor que meu português, aprendi francês rápido, espanhol eu falo desde pequena. Quando fui para a Itália, em quatro semanas já estava falando direito. E meu pai é assim, ele acha que ele fala sete línguas, mas não fala. Ele se joga, vai para os lugares. Isso pode ser ruim, porque você fala muita merda e você pode achar que é melhor do que é. Mas isso te faz aprender também. Porque se você é uma pessoa muito rígida, não consegue se soltar. E eu agradeço a ele por isso, porque, mesmo que eu ache isso um defeito, sei que tem algo bom.

Qual o segredo para deixar o fotografado à vontade? Acho que sou muito sincera. Sou uma pessoa extremamente positiva. Mesmo se a mulher não for meu ideal de mulher, ela vai ter alguém que a considere incrivelmente gostosa. Você tem que ter esse olhar. Quando acho alguém lindo sou muito sincera, eu falo direto, o tempo todo. Eu me entrego para elas, sabe.

Você falou de um marido, o que ele faz? Ele é alemão, mora em Nova York. Ele faz direção de luz. E também faz tratamento de fotos, ele tem um estúdio de pós-produção em Nova York, então ele trata todas as minhas fotos e, quando o trabalho é maior, ele faz direção de luz. Agora vou para as Ilhas Maurício, e ele vai comigo. Ele trabalha com os assistentes, ele direciona a luz, às vezes eu estou fazendo uma coisa e ele vem: “Não, Autumn, você está fazendo merda” [risos]. Ele é a única pessoa que é sincera comigo desse jeito.

Como vocês se conheceram? Eu tinha 18 anos. Num café em Berlim, e derrubei café nele. Ele tem 46 anos, hoje. É mais velho que eu, tenho 31. Ele foi meu primeiro amor. A gente namorou quando eu era mais nova, quando o conheci. Uns dois anos. Quando nos conhecemos, eu estava estudando. Ele estava indo para a África do Sul e perguntou se eu queria ir junto. Passamos uma temporada lá. Foi lá que comecei a ser assistente. Depois a gente terminou, mas continuamos melhores amigos. Casamos há sete anos. Ele é meu marido, meu parceiro de vida, vou ficar velha com ele.

Você tem vontade de ter filhos? Não. Já tem muita criança neste mundo. Eu penso mais em adotar um filho do que fazer um. Mas quando eu vi minha afilhada nascer, ano passado, me deu vontade de estar grávida. É hormonal, né. Mas sendo realista, eu moro no Brasil, ando pela rua e tem criança pra caralho, que precisa de pai, de mãe.

Você tem uma relação forte com os pais da sua afilhada... Eles são pessoas muito tranquilas, a gente até fala que gostaria de morar junto, ter uma casa junto no sul da França, eles moram lá agora. Eu amo eles. Tanto que eles me chamaram pra ir lá no parto da filha deles, fotografar. A gente construiu a nossa relação através da foto, porque comecei fotografá-los muito, daí quando ia pro Rio eu ficava na casa deles. Às vezes eles ficavam lá, trepando, e eu falo pra eles treparem um pouco mais pra lá porque a luz está melhor [risos]. Eu acho bonito, acho lindo. Não são todos os meus amigos que trepam na minha frente, né. Eles são um casal muito especial. Eles gostam, ficam felizes. Ela é muito minha parceira. A gente dá rolé de carro e eu falo: “Nossa, que bosque lindo, vai lá tirar a roupa”, e ela vai.

Como você aborda as mulheres que tem vontade de fotografar? Eu não faço muito isso, sendo bem sincera. Tem exceções, mas poucas. Essa garota sobre quem te falei outro dia, por exemplo, é uma exceção. Eu estava em Utah, que é um lugar onde eu não tenho mulheres, modelos. Minha mãe mora lá agora. Acho Utah um dos lugares mais bonitos do mundo. Eu sempre acho que paisagens sem uma mulher dentro são um desperdício. Se estou num lugar lindo e não tenho uma menina, fico perdida. E Utah é um lugar que eu sempre quis fotografar. Eu pensava: “Ah, um dia eu levo uma menina de Los Angeles, uma modelo conhecida”. Mas nunca acontecia. E então esbarrei nessa garota. Cheguei nela, na rua, me apresentei. E ficamos muito amigas. Até hoje a gente faz fotos juntas.

O que te chama a atenção numa modelo? Depende. Toda mulher é diferente, né. Eu gosto de mulher foda, e toda mulher tem seus motivos pra ser foda, sabe. A Mari, que vem aqui daqui a pouco, ela é foda porque ela tem uma ligação muito forte com o corpo, ela faz pole dance.

Você já se fotografou nua? Sim, mas faz tempo. Eu tinha 23 anos. Foi ok. Eu tiro foto porque gosto das outras pessoas, sou pouco interessada em mim mesma.

E o que te atrai na nudez? A gente não vive num mundo onde a gente anda pelado o tempo todo, sabe. Pedir para alguém tirar a roupa é um momento único, às vezes a gente esquece disso. Quando uma mulher fica nua para uma foto, a sensação é a de que aquele é o momento dela, é o melhor momento dela, ela está no ápice. E isso você nunca tem em nenhum outro tipo de foto. As mulheres não fazem isso todo dia. Elas escolhem o momento certo. E isso é legal, é maravilhoso, e eu vivo isso todos os dias.

Você tem Instagram? Eu acho Instagram um tédio. Eu gosto de seguir umas minas, umas minas que ficam na academia, com roupa de oncinha, que eu acho muito engraçado. Eu sigo umas minas que fazem ioga, e sigo meus amigos, mas só meus amigos de coração. Mas é isso: eu acho o Instagram um tédio. Todo mundo coloca filtro e acha que faz foto bonita, e eu não quero saber de foto bonita. Eu quero ver a Kim Kardashian e a roupa nova dela. Só isso. As pessoas tiram fotos demais e não param pra pensar.

E selfie? Ah, não é minha praia. Não trabalhamos com selfie [risos]. Não trabalhamos nunca com pau de selfie. Se você tem um pau de selfie não somos amigos [risos].

Você gosta da Kim Kardashian? Acho ela demais. Ela é uma mulher muito sábia. E tem a conta no Instagram mais maravilhosa do universo. Ela era uma mina de reality-show, sabe? Hoje ela virou ícone de moda, se veste bem. Manja desse mundo de redes sociais. Nesse sentido é legal, parabéns pra ela. Eu gosto dessas mulheres exageradas.

Você disse que não gosta de foto “bonita”. Qual sua relação com o mau gosto? Tem uma certa vulgaridade, bem americana... Eu gosto de exagero, de abundância, gosto de tudo muito. Se eu cozinho, eu vou fazer a abóbora inteira. Se eu gosto de você, vou gostar de você muito. Eu gosto de meninas assim que são quase irreais, que são exageradas, insinuantes.

Tipo a bunda da Kim Kardashian. É bonita, né.

Você acha legal bunda, né? Claro, moro no Brasil. Eu entendo a preferência nacional. Agora, nunca vou preferir uma coisa ou outra, um pedaço. Tudo é bonito. As pernas são bonitas, calcanhar é bonito. Eu gosto do conjunto. Claro, eu acho engraçado demais a gente ter essa brincadeira de bumbum. E quando a gente faz foto no Brasil 80% das vezes as fotos são de bunda. É engraçado. Eu faço revista masculina fora também. A primeira vez que fui fazer a Playboy na Alemanha eles falaram: “Nossa, você faz muitas fotos de bunda, né?” [risos]. E eu pensei: nossa, é a primeira vez que alguém reclama. É que na Playboy alemã não tem muita foto de bunda. Não tem muita tara nisso.

Você acha diferente fotografar homem e mulher? As mulheres se entregam mais. Elas estão acostumadas a serem olhadas.

Você disse que as mulheres estão mais acostumadas a serem observadas e tal. Mas não é chato você estar na rua e se sentir observada, ou quando algum cara mexe com você? No ano passado houve até uma campanha, Chega de Fiu-fiu... Eu não acho nada. Tem gosto para tudo. Não quero que as pessoas me encham o saco, isso é verdade. Eu corro muito na rua, por exemplo. Outro dia eu estava correndo com um gringo, e ele já tira a camisa logo de cara, antes de sair de casa, porque ele tem calor, enfim. Fomos correr, eu estava de camiseta, e tirei a camiseta. Antes eu só tirava a camiseta quando chegava no Ibirapuera porque todo mundo me enchia o saco. Mas é tão mais gostoso correr de top, porque a gente mora no Brasil e tá quente. Então foda-se. Passei a não me importar.

O que é sexo pra você? Ótimo. É ótimo [risos]. É só muito bom.

E sua ideia de fetiche? Olha, eu já trabalhei muito em cima disso. Já fiz muita mulher amarrada, acho demais. Eu gosto quando as pessoas se abrem pra mim. Se você consegue fazer 40 nós e se pendurar no teto vou achar demais. Eu gosto quando as pessoas se mostram no limite. Mas não só. Você pode ter um fetiche de ver as minas tomando um sorvete na praia. Igual as minas da Trip que são novas, naturais, bonitas, sei lá o quê. Pessoalmente, eu gosto de pessoas com um vocabulário incrível. Se você tem um vocabulário, é uma grande conquista. Gosto de gente que fala bem, que escreve bem.

Outro dia você me disse que gosta de homem careta, certinho, engravatado... Eu já sou louca o suficiente. Não quero outro artista, quero alguém que vá trabalhar e não me encha o saco [risos]. Não quero alguém que fica com tempo de sobra. E eu acho todo mundo de terno e gravata tão bonito, sabe. E não gosto de gente que tem crise. Sou uma pessoa bem prática. Não gosto de crise, não gosto de drama.

O que você acha de monogamia, casamento aberto? Cada um, cada um. Funciona para algumas pessoas, não funciona para outras. O casal de que te falei, que fotografo transando, é o casal mais bonito e honesto que eu conheço. Eles estão juntos, têm filho, casa, convivem superbem, ficam lá tendo as outras mulheres deles e ótimo, estão felizes assim. Conheço outros casais que não querem outras pessoas, tem casais que funcionam melhor na base da traição. Tem de tudo. Cada um precisa entender o que é melhor para a relação. Se você está lá, sendo moralista com outro casal, um relacionamento que não é o seu, eu acho que é perda de tempo. Eu não trabalho com isso. Nem penso nisso. Estamos em 2015, né.

Você é vegetariana há muito tempo? Desde os 7 anos. Quando estava no colégio, eu era muito ativista. Quando eu tinha 7 anos eu tive um coelhinho, a Misty, e eu fiquei sabendo que se come coelho. Eu não concordava com isso. Aí eu resolvi parar. Eu gosto de salsicha, mas me faz mal.

Dos registros que fez até hoje, quais os seus preferidos? A Playboy da Nana Gouvea, e a Playboy alemã da Anneke Dürkopp.  A Trip da May Lindstrom. A reportagem sobre o Mr. Catra que fiz com o jornalista e meu amigo André Maleronka. Uma foto do meu pai que eu fiz no Central Park. Mas esses ensaios eu digo porque me deram um prazer enorme de fazer, e não porque uma imagem ou essas imagens sejam mais importantes que outras.

Para terminar, que tipo de foto você nunca fez e gostaria de fazer? Quero ir para a Tailândia!  Nunca passei muito tempo na Ásia e estou a fim de passar um tempo lá. Quero que um dia alguém me arranje uns leões. Na real, eu penso mais em coisas que queria fazer, não em imagens. Tipo, quero fazer uma exposição só de outdoors, espalhados pela cidade. Quero terminar meu livro, quero fazer um livro de cartas com você, e mais dois outros. Quero fazer um filme do James Bond.  Quero fazer outros filmes também. Tenho planos mirabolantes e segredos.

 

 

Crédito: Arquivo pessoal
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