Autobullying: um dia de Crocs
Nina Lemos passou um dia usando os famosos e polêmicos Crocs e conta a experiência
A editora desta seção, uma amante de botas e tênis All Star, passou um dia de inverno usando os famosos e polêmicos Crocs COM MEIA na rua e até foi a um restaurante badalado. Conclusão: sapato pode causar depressão
Não, eu nunca tinha colocado um tamanco Crocs. Sim, eu tenho preconceito com esse sapato. E, se você usa, na boa, não é nada contra você. Não estou aqui para ditar nada, apenas para relatar uma experiência pessoal.
Sim, em uma quarta-feira fria, perfeita para uma das minhas botas surradas (quanto amor!), as troquei por um par de Crocs. E, se fiz isso, foi por amor ao jornalismo. Acredite.
Na véspera, um amigo avisou: “Você vai perceber algumas coisas”. E soltou: “Crocs é o Rivotril dos sapatos, você se sente meio gostosinho” (foi ele que disse, não estamos fazendo apologia às drogas). E: “Você vai perceber que quem é cafona é mais feliz, porque usar Crocs é uma delícia”. Sei.
Saí para comprar um par. E só entrar na loja e falar “vocês têm Crocs?” já foi estranho. Me peguei olhando para os Vans tão bonitinhos expostos na vitrine. Mas, não, vamos até o fim. Experimentei vários e comprei um rosa. Minha silhueta achatou imediatamente. Minhas pernas ficaram curtas e quando eu olhava para baixo via uma mulher que não era eu. Sabe uma coisa amorfa, cansativa e preguiçosa? Essa era eu de Crocs. A Costanza Pascolato me disse uma vez: “O adeus ao salto é o verdadeiro adeus às armas”. Nem uso tanto salto, mas acho que, no meu caso, no dia em que eu me render aos Crocs, estarei, sim, dando adeus às armas.
Com o sapato no pé e a bota numa sacola, saí para passear pelos Jardins. Sensação: falta de poder. E, se a moda serve para alguma coisa (e serve para muitas), é para, entre outras coisas, fazer você se sentir forte. Uma bota tem esse poder. Eu juro. Claro, uma bota é só uma bota. Estou falando de uma bota misturada com psicanálise e ioga.
Ninguém olhava quando eu passava pelos Jardins. E... não, não achei o sapato assim tão confortável. É OK. Normal. Nada de mais. Não senti nenhum efeito miraculoso, não. Pelo contrário. Quase caí na hora em que fui cruzar a rua correndo. E, garanto para você, eu nunca caí correndo de bota – e olha que corro bastante.
Desafio autobullying máximo: ir até o Ritz, um dos restaurantes que mais gosto em São Paulo, em pleno São Paulo Fashion Week. Lá, encontraria gente conhecida. E quem me conhece ia achar que eu tinha ficado maluca. E quem só me conhece de vista (neguinho também se acha) espalharia pela cidade: “Sabe a Nina? Ela está na pior, foi vista por aí de Crocs rosa e meia azul-claro”.
Não deu outra. Encontrei o cunhado diplomata, muito chique de terno. Não, ele não aprovou. Mas foi discreto. Até que literalmente dei de cara com um amigo: Leandro Nomura. Companheiro de várias coberturas de São Paulo Fashion Week. “Nina, o que você está fazendo de Crocs? O que está acontecendo com você?” “Dizem que é confortável”, tentei. “Ah, mas tanta coisa é confortável, tipo um All Star”, disse meu amigo, um anti-Crocs tão radical que... “Olha, se vejo alguém de Crocs eu não me aproximo da pessoa porque já acho que ela é desinteressante. E sempre me pergunto: ‘Gente, mas para quê? Para quê?’”. Expliquei que no meu caso era autobullying – porque me dispus a me sentir fraca por conta de um sapato, mas não a perder um amigo.
Algumas meninas sentadas na porta, todas de bota e bem “it girls”, disseram que usavam em casa, por causa do conforto. Minha resposta: NEM EM CASA! Não, não vou me sentir uma pessoa anódina, sem sal, incolor, que abandonou a vida, enquanto escrevo dentro de casa. Seriam textos horríveis. Crocs causa depressão. E a questão do conforto... bem, quem disse que a vida é confortável?
P.S. Se você usa Crocs e adora: não tenho nada contra você, afinal, ninguém tem que nada. Mas eu também não tenho que usar... Crocs!