Até lá...
Maria Ribeiro, 34, está longe das angústias dos 20 anos e quer chegar aos 40 ainda mais livre
Quando eu tinha 8 anos tudo o que queria era fazer logo 10: andar sozinha no elevador, sentar no banco da frente do carro, fazer meu próprio brigadeiro. Aos 13, bonecas de lado, sonhava em ter 18: dirigir seria o suprassumo da existência, sem falar na perspectiva dos amores. Mas, com 25, dirigindo, cozinhando e casada, esperei os 30 para não ter a obrigação de ser tão jovem e feliz.
Hoje, aos 34, longe das angústias dos 20, já sabendo um pouco quem sou, sonho me desocupar. Chegar aos 40 livre do que não me serve mais. Ficar mais inteligente e menos séria, não necessariamente nessa ordem. Saber dizer não para o sim ser de verdade.
Porque, às vezes, ainda me pego agindo como meus pais. "Você é brava como seu avô!", dizia minha mãe. Crescemos com estigmas que colam em nossa pele como se compusessem nosso DNA. Na hora de educar meu filho então, nem se fala... Meu corpo é tomado por frases que sempre abominei na formação que recebi. Preciso respirar pra conseguir me ouvir, tantas são as referências que moram em mim.
Mas como a essa altura já tenho uma historinha de respeito, começo a perceber se o que herdei é o que quero deixar. Também me pergunto se o mundo que me oferecem merece a minha cumplicidade. Porque não me comovo com o que faz sucesso, não acredito em culpa e não escondo do meu marido quando acho um rapaz bonitinho.
Não sei se o que penso está certo ou errado. Nem sei se vou pensar assim no ano que vem. Mas venho tentando acreditar que, entre vestidos e batons, existe alguém que pode fazer tudo diferente. Outro dia li que um físico russo passou dez anos resolvendo um problema de matemática. Por que não?
Picasso, Antunes e Cony
É claro que nossa infância vai nos acompanhar para sempre, e saber que alguém se orgulha de você é uma delícia. Mas para mim foi importante me liberar de uma galera. Não sou fina como minha mãe gostaria, nem culta como meu irmão imaginou, muito menos a gênia que meu pai previu. Mas jogo meu futebol e agradeço enternecida as investidas que recebi.
Preciso ser justa e dizer que nem tudo é culpa dos meus pais (que, aliás, serão vingados pelos meus filhos, que, se tudo der certo, me acusarão de coisas terríveis quando tiverem 19). Fui também influenciada por amigos, livros e até novelas. Sem falar nos gurus: Tom Jobim, que me ensinou a amar a floresta, Rubem Braga, que abriu meus olhos para as coisas pequenas que na verdade são grandes, e Machado de Assis, que apurou meu humor num grau que acho que ele exagerou.
Hoje em dia, vou atrás do Arnaldo Antunes e do Cony como se fosse criança. Quando ainda não sei o que pensar sobre determinado assunto, vou na deles. Sem falar nas frases que anoto na agenda desde os 9.
Picasso dizia que é preciso muito tempo para se tornar jovem. Eu, por exemplo, decidi que agora vou conhecer a Bahia, dançar nas festinhas e usar aquela sombra verde que comprei no ano passado. E desconfio que, à medida que eu for me ocupando, corro o risco de ficar cada vez mais parecida com a minha família. Com a proximidade que só a distância é capaz de permitir.
Maria Ribeiro, 34, é atriz e diretora do documentário Domingos, sobre o diretor de teatro e de cinema Domingos Oliveira. Atuou em Tropa de Elite, em 2007, e aguarda o lançamento de Tropa de Elite 2. Seu e-mail: ribeirom@globo.com