Assalto à mão armada

Amola faca, tesoura e alicatinho é o c******

por Ana Manfrinatto em

Quarta feira da semana passada eu pude desfrutar deste maravilhoso e escasso advento da vida laboral moderna: home office. O dia estava lindo, eu acordei de bom humor, peguei o liquidificador e fiz uma vitamina de banana, morango e laranja. Depois sentei na escrivaninha e comecei a trabalhar, feliz da vida, escutando os passarinhos que piam na minha varanda.

Pra ficar tudo ainda mais bucólico e naïf, eis que escuto aquela gaitinha e cinco notas agudas do amolador que, em bicicleta, transita pela cidade grande fazendo com que nós lembrássemos dos tempos de outrora. Nisso eu também lembrei que o meu alicate de cutícula estava cego de dar dó e não hesitei em descer os sete andares que me conduzem à rua.

Com um sorriso de orelha a orelha e totalmente contaminada pelo clima bucólico do dia, pedi para o rapaz executar o serviço sem antes perguntar o preço. Pensei que, no máximo, a operação me custaria entre 10 e 20 pesos argentinos (4 a 8 reais) – tendo em vista que durou 7 minutos e que ambas as superfícies de filamento do meu alicate não passavam de 2,5 cm.

E não bastasse estar contaminada pelo clima bucólico, tive que externalizar. E o amolador, que conseguia falar mais do que eu, contou que herdou o ofício do seu pai, que herdou do seu avô etc. Também disse que, assim como eu, muitas pessoas – jovens ou idosas – sempre comentam que o som característico da gaitinha os remetem a tempos de outrora. E blá blá blá.

Terminados os 7 minutos e, logo, a operação, com a maior naturalidade do mundo eu abro a minha carteira e pergunto quanto é.

Amolador diz: São 30 pesos por amolar.

Ana pensa: Me ferrei.

Amolador diz: E mais 30 pesos do polimento.

Ana pensa: @#$&##@!!%¨%

Ou seja, um total de SESSENTA PESOS (25 reais) para amolar o tal do alicatinho. Sendo que, com esse dinheiro, poderia ter comprado um novinho em folha. Não que eu goste de pensar assim, já que tento não ser tão consumista e talz... mas POHÃN, foi ou não foi um assalto à mão armada?

Segundo minha mãe, eu sou bocuda pra c******, mas nesse caso eu fiquei tão chocada que não consegui reagir. E também pensei que seria bacana deixar o cara pensar que é esperto e que eu sou trouxa. Sobretudo porque, depois de tanta conversa, ele sabia não somente o edifício onde eu morava como o apartamento. “Em que andar você está? Sétimo? Nossa... Incrível que o som da gaitinha chegue até lá”.

Pois é.

Só sei que eu peguei o elevador de volta com um misto de resignação e ódio e, com razão, fui pensando na música Fé cega, faca amolada do Milton Nascimento e do Ronaldo Bastos – no link, a cosmiquíssima interpretação dos Doces Bárbaros.

Tudo isso pra dizer que eu NÃO recomendo amolar faca, tesoura e alicatinho em Buenos Aires. Fica a dica ;-)

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