As professoras do meu filho
Rita Lisauskas: 'Ter diversidade no corpo docente é apenas o sinal que escolhi a escola certa para o Samuca'
Quando Samuca tinha pouco menos de dois anos foi recebido pela Carla. A primeira professora é meio que substituta da mãe da gente, né? Carla é carioca, tem os cabelos enrolados muito cheios como de quem mostra ao mundo o orgulho da própria raça e sempre foi muito carinhosa. Foi graças a ela que o Samuca tirou as fraldas (já que eu achava que ele não estava preparado) e aprendeu a vencer a timidez de bebê. Carla sempre me dava feedbacks incríveis do crescimento do meu filho e me enchia daqueles detalhes saborosos que toda mãe adora saber: Quem são os melhores amigos dele, quais foram as descobertas mais legais que fez, o que falou de engraçado.
Agora, aos 4, ele tem a Ismênia. Risonha, amante e passista de escola de samba, é com ela que ele está aprendendo a ler e a escrever. E agora que é um menino falante como ele só, sai da escola me contando histórias incríveis sempre com a “Ismênia” como protagonista.
Carla Grijó e Ismênia Evangelista são filhas da escola pública e mestras na escola particular. Só conseguiram chegar à universidade com muito esforço. Carla é filha de monitores da ex-Febem. Ismênia é filha de uma dona-de-casa e de um carpinteiro. As duas chegaram à pós graduação. E são amadas pelas crianças que ainda não sabem que existe preconceito racial. Carla lembra que um dos seus alunos queridos adorava seus cabelos enrolados. “Ele era loirinho e dizia que se tivesse um cabelo como o meu ficaria com ele solto todos os dias, só para balançar”. Ismênia guarda no coração o carinho de de uma menina que adorava sua cor: “Ela dizia que a avó tinha uma pele como a minha”.
As professoras do Samuca dão aula em uma escola que nunca procurou por professoras negras e sim por professoras experientes e preparadas. Ter diversidade no corpo docente é apenas o sinal que escolhi a escola certa para o meu filho: o lugar onde todos são admirados pelas suas qualidades e capacidades e não são excluídas pela cor de sua pele e nem pelo famoso “o que os outros vão pensar?”
"Nem sempre ser professora de escola particular foi fácil para Carla. Ela já percebeu olhares 'tortos' vindos de alguns pais quando descobrem que ela vai ser a professora dos filhos deles"
Mas nem sempre ser professora de escola particular foi fácil para Carla. Ela já percebeu olhares “tortos” vindos de alguns pais quando descobrem que ela, uma negra, vai ser a professora dos filhos deles. Nenhuma crítica aberta, o descontentamento nunca é verbalizado: “As pessoas querem ser politicamente corretas e é feio ser preconceituoso”, conclui. Ismênia lembra que muitas vezes em uma discussão levantou pontos de vista que causaram estranhamento de colegas: “É como se eles dissessem: 'Ué, como ela sabe disso?´, como se eu não pudesse saber mais que eles em determinados assuntos”, lembra.
Samuca nunca reparou no tom de pele de suas professoras queridas. Ele nem sabe que existe preconceito porque ninguém da nossa família tem preconceito. Também não assiste à novela das nove onde as empregadas ainda são massivamente negras embora exista toda uma geração de intelectuais como Carla e Ismênia por aí. Os negros bem sucedidos são quase sempre invisíveis nas novelas, esse espelho obtuso que perpetua esteriótipos na nossa sociedade.
Sem saber que existe esse horror chamado segregação meu filho só quer saber de beijar a Carla cada vez que a encontra no páteo da escola. “A Carla me ama muito”, o Samuca sempre diz. A Ismênia é a professora querida deste ano e com ela tudo é sempre alegre e solar. Obrigada Carla e Ismênia por fazerem meu filho se tornar um garoto mais tolerante, mesmo sem saber.
(*) Rita Lisauskas é jornalista, mãe do Samuel, madrasta do Lucca e do Raphael e mulher do Sérgio. Não necessariamente nessa ordem. Desde 2013 mantém o blog Ser mãe é padecer na internet, que vai estar quinzenalmente no site da Tpm http://vilamamifera.com/padecernainternet // Fanpage: www.facebook.com/padecernainternet Leia nosso papo com Rita sobre a parceria aqui.
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