Arte com sotaque japonês
Conversamos com Yumi Takatsuka, artista e esposa de Titi Freak, que está expondo em SP
Pequena, magrinha, estilosa e linda. É assim que Yumi Takatsuka, de 31 anos, aparece pelas escadas do lugar onde foi marcada a sua primeira entrevista sozinha: esta para o site da Tpm. A timidez de Yumi invade o silêncio das quatro paredes que a mesma ocupa no acervo da galeria Choque Cultural em sua primeira exposição solo, e seu tom de voz suave e seu sotaque carregado de pequenos (e fofos) erros de português nos envolve numa atmosfera bastante feminina e oriental.
Yumi é artista plástica, pintora e é casada com o renomado artista e grafiteiro Titi Freak (aka Hamilton Yokota), com quem tem um filho, o pequeno garotinho cheio de vida chamado Jin. Enquanto o garoto corre pelos demais vãos da galeria, Titi fica por perto e Yumi nos leva até o salão onde suas obras serão expostas à partir de amanhã, 14. Tudo já está pronto e em ordem. No caminho, ela envergonhadamente pede desculpas pelo sotaque japonês que nunca vai embora e diz que pode repetir qualquer coisa que não seja entendida. Mal sabe ela que se faz entender muito mais pela arte, do que pelo que diz.
Conversamos com a Yumi por trás dessa família que agora cresce, e também com a Yumi por trás do artista que é seu marido. Não deixamos de fora nem a Yumi talentosa, nem a Yumi japonesa. Durante um curto período de tempo dividimos o mesmo ar e o mesmo silêncio. Leia abaixo a entrevista:
Está envergonhada ou é sempre assim?
(Yumi sorri, antes de conseguir dizer qualquer coisa) Nunca dei uma entrevista sozinha... Estou com muita vergonha.
Você foi criada no Japão, certo?
Em Osaka.
Como é ser criada no Japão, vir morar no Brasil e ter que lidar com todo esse contraste cultural?
Eu estava no Japão até os 27 anos. Eu não conhecia o Brasil e também não conhecia a arte brasileira, só nos livros. Eu era interessada mas não conhecia nada sobre o Brasil. Uma vez estava numa exposião num museu em Kyoto, um museu grande, famoso. Era uma exposição só de brasileiros, vi coisas de Adriana Varejão, Ernesto Neto e mais gente famosa. Quando eu vi pela primeira vez, fiquei muito chocada. Nunca tinha visto, e é muita expressão, muito sentimento. Normalmente, artista japonês gosta de usar muita técnica, muito material, e acaba esquecendo de mostrar o sentimento direto para a pessoa.
Sua arte tem algum reflexo do Japão ou do Brasil?
Não, acho que não tenho influência dos lugares que vivo.
Você pinta animais, principalmente aqueles que se relacionam com a alimentação. De onde vem essa relação?
Comecei a prestar atenção nos animais, esses da alimentação, quando viajei para a Mongólia. Via as pessoas cuidando do gado e ao mesmo tempo matando para comer. Mas é tudo um processo natural, não é nada grotesco. Eles têm respeito, muito respeito pelo animal. Aquilo me deixou muito surpresa, nunca tinha visto. Isso me fez começar a pensar na relação dos humanos com os animais da alimentação. Eu achei muito interessante o jeito natural que eles veem isso, e para mim, não era natural. Comecei a prestar atenção nos animais a partir daí.
Você é vegetariana?
Não. Eu não tenho nada contra comer animais.
Você pinta em cima de superfícies como madeira, usando tinta látex e interferências de outros materiais como guardanapos... Tem algum conceito por trás da escolha dos materiais?
Não tem nenhum grande conceito. Agora eu acho melhor usar tinta óleo para quando precisa manchar tipo óleo. A escolha é gráfica, é pelo resultado que dá.
O que te inspirou a começar a produzir arte? O que te impulsionou a começar a pintar?
Quando tinha 15, 16 anos, estava interessada em coisa de maquiador de efeitos especiais de filme. Não de terror, monstro, mas de fantasma, coisas irreais. Estava aprendendo a fazer isso. Queria fazer isso, mas todo mundo me dizia que primeiro eu tinha que fazer arte, estudar arte, aprender a desenhar normal. Falei "então tá, vou fazer faculdade de arte", e aí comecei a desenhar.
Você fez faculdade de arte aqui ou no Japão?
No Japão.
Como você enxerga hoje o resultado da sua arte? Se sente satisfeita com as coisas que produz e com o reconhecimento que você recebe pelo que faz?
Eu estou muito feliz. Meu trabalho mudou muito depois que eu vim pro Brasil. No Japão eu também estava fazendo exposição coletiva. Com o mesmo conceito, mas com uma forma de desenhar totalmente diferente. Mas agora estou usando outros materiais e acho que ficou mais forte, ficou mais parecido com o que queria. Estou contente.
O que você acha da explosão de arte de rua que está acontecendo no Brasil?
Acho que é muito legal, e... Para várias pessoas que querem começar a arte e não tem muita chance, ou não tem dinheiro e espaço para montar exposição. Se você está na rua, fica fácil de começar. Pode não ficar bonito no início, mas é fácil de começar. No Japão não dá para pintar na rua, ninguém vê como arte, ainda.
Como é ser casada com um artista? Para quem vê de fora, ter dois artistas na mesma casa deveria ser garantia de uma vida diferente, louca, mais leve, colorida. Mas a vida de verdade, como é?
Para mim é meio normal, tipo... igual como um casamento normal. Os dois são artistas, mas não ficamos discutindo arte... é um dia a dia normal, mas quando a gente produz em casa, junto, no mesmo quarto, às vezes acontece alguma discussão, coisa assim. É bom, porque eu acrescento e dou opinião nas obras dele, e ele também dá nas minhas criações. Às vezes a gente "fecha o ouvido", eu, e ele também, (risos), mas isso é normal, o resto é tudo normal, nada de especial.
E como vocês se conheceram?
Eu o conheci no Brasil, quando meu amigo japonês que estava de visita no Brasil me apresentou ao Titi Freak para fazer criações com ele para uma exposição coletiva de japoneses.
Como está sendo conciliar o papel de artista com o papel de mãe? Como é cuidar de tudo isso, pois seu marido também é um artista bastante requisitado...
Eu achava muito difícil continuar pintando depois de me tornar mãe. Mas o meu marido me apóia muito. Ele quer que eu continue a ser artista. E quando eu estou com vontade de pintar ele percebe e fica com nosso filho. Ele tranca a porta e me deixa produzir. Quando eu acabo, aí a gente troca. Ele vai fazer o que precisa e eu cuido. Quando ele quer pintar, eu ajudo também.
Parece uma parceria bem estabelecida entre vocês...
E é, e é tudo natural, nada forçado (sorri, demonstrando algum orgulho)
Você influencia o trabalho dele, ou sente o seu trabalho ser influenciado pelo dele?
Do Titi? Acho que não. Até acho que estou tentando me distanciar cada vez mais, para não ficar tudo igual, sem graça. Mas não acho que se mistura, não.
Vai lá:
Yumi Takatsuka com "UNNATURAL" e Titi Freak em exposição
Onde: Acervo da Galeria Choque Cultural (Rua Medeiros de Albuquerque, 250, Pinheiros) e Galeria Choque Cultural (Rua João Moura, 997, Pinheiros), São Paulo
Quando: de 14 de agosto até 11 de setembro
Quanto: entrada gratuita