Arrebentando aos 89

Como uma artista cubana conquistou a cena artística novaiorquina no fim da vida

por Milly Lacombe em

Carmen Herrera é um enorme sucesso há dez anos. Considerando que ela tem 99 fica fácil e impressionante entender que ela estourou como artista aos 89. 

Carmen mora em Nova York, mas nasceu em Havana, Cuba, em 1915. Filha de um empersário da comunicação e de uma repórter, foi educada em Paris e começou a pintar quadros quando voltou a morar em Havana, por volta dos 20 anos. Quem vê sua obra hoje é imediatamente remetido à brasileira Lygia Clark (1920-1988), famosa mundialmente, mas a verdade é que Carmen desenvolveu seu estilo geométrico antes de Clark, ainda que tenha, por sete décadas, pintado praticamente em sigilo. Ao New York Times Carmen disse que ter demorado tanto para vender a primeira obra, em 2004, talvez tenha sido bom “ou eu poderia ter me corrompido”.

Alheia às pressões de um mercado que ela ignorava, Carmen pintava todos os dias. Na década de 50, quando chegou a Nova York vindo de Paris, e já casada com o professor Americano Jesse Loewenthal, que conheceu em Havana em 1938, tentou se firmar como artista, mas logo percebeu que o mercado não dava espaço a mulheres. Um dia ouviu do dono de uma galeria: “Sua obra é espetacular, mas nunca vou expor nada disso porque você é uma mulher”. Foi quando entendeu a quantidade de preconceito que havia no mundo. E ela não apenas era mulher, mas era também hispânica, o que deixava o preconceito ainda mais forte. “Decida-se: ou pinta ou não pinta”, o marido disse a ela durante um café-da-manhã em que ela reclamava da sorte.

E foi o que Carmen fez: todos os dias, por décadas, pintou. Quando perguntam por que continuou a pintar mesmo sem conseguir expor ou vender ela responde “porque tenho que pintar. É uma compulsão, e me dá prazer”.

Em 2004 o amigo e também pintor Tony Bechara conversava com o dono de uma galeria em Nova York quando soube que ele estava trabalhando em uma exposição de artistas latinos e tinha perdido uma expositora que usava “formas geométricas” em sua arte, por isso buscava uma substituta. Bechara disse: “Formas geométricas e mulheres? Você precisa conhecer Carmen Herrera”. E foi quando tudo virou.

 

Hoje, uma obra sua chega a custar 400 mil dólares. E como estocava quadros há anos, quadros que nem mais imaginava vender, ficou rica aos 90 – dois anos depois que Jesse morreu (foram casados por 61 anos). Por isso não é raro escutar alguém dizer que o marido orquestrou as coisas para ela depois de partir. “Ah, sim, claro. Jesse sentado numa nuvem ajeitando as coisas para mim. Trabalhei duro. Talvez tenha sido eu mesma”, disse à Deborah Sontag, do New York Times.

Carmen e Jesse não tiveram filhos, mas uma relação de parceria. Em entrevista à revista Blouin Art Auction Carmen disse: “Nós íamos ficando mais e mais juntos todos os dias e no final tínhamos nos transformado na mesma pessoa”.

Em 2004, logo depois de vender o primeiro quadro, as portas se abriram e a obra de Carmen foi para Paris, Londres, MoMA … Hoje, embora quase não saia mais de seu apartamento na “baixa Manhattan”, e se locomova em uma cadeira de rodas, ainda pinta todos os dias. “Estou muito feliz. Acho apenas que queria fazer coisas ainda maiores”, diz antes de completar: “Nunca vi uma linha reta que achasse feia”.

 

Carmen Herrera em frases         

“Em Porto Rico tem um ditado que diz “o ônibus sempre vem para quem espera” [Tony Bechara para Carmen em 2009]

“Bem, Tony, estou sentada no ponto há 94 anos” [Carmen para Tony]

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“Nunca sonhei com dinheiro e sempre achei a fama uma coisa vulgar. Então eu apenas trabalhei e esperei. E no fim da minha vida estou sendo reconhecida, para meu espanto e prazer na verdade”

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“Não tenho nada de Picasso em casa, nem um livro, nada. Picasso é muito poderoso e quando nos damos conta estamos tentando fazer igual”.

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“Olha, para mim era um branco, um branco lindo, e esse branco pediu pelo verde, e o triângulo criou um campo de força. As pessoas veem muitas coisas sexuais – mentes sujinhas. Para mim sexo é sexo e triângulos são triângulos” [Explicando New York Times sobre uma suposta forma sensual/sexual em um de seus quadros]

 

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