Alô, pai!

Vim para matar a saudade e te deixar informado

por Maria Ribeiro em

Na última vez que estivemos juntos – e lá se vai um ano e meio – você disse que não estava com medo nenhum. Que a proximidade da morte só poderia assustar quem ainda tivesse “coisas na vida por fazer, o que não é o meu caso”, mas que chato mesmo seria não ver a Copa do Mundo no Brasil.

Sua operação estava marcada pra dali a cinco dias. Lembro que quando entrei no seu quarto você estava vendo Django, do Tarantino, e enquanto elogiava o filme comentou qualquer coisa sobre ter ligado para o tio Zé Cláudio pra ver se ele te convencia a acreditar em Deus. Acho que ele não conseguiu, mas na dúvida resolvi te dar esse alô, assim mato as saudades e não te deixo menos informado na hora de conversar com o Francis.

A Copa do Mundo acabou há um mês. O Brasil chegou agonizante às quartas de final e perdeu da Alemanha com um inacreditável placar de sete a um, em uma reedição traumática do que você viu em 1950, mas mesmo assim foi emocionante receber o campeonato aqui. Deu tudo mais ou menos certo com os estádios e aeroportos, ao contrário do nosso meio de campo, que se apresentou na categoria da tragédia grega.

João e Bento foram ao Maracanã juntos, cada um com seu pai, e viveram momentos antológicos jogando bola na sala de casa, sempre representando times com rivalidades históricas. Nem preciso dizer que essa cena – estarmos nós cinco na arquibancada do Mário Filho – fez de mim a mais fanática e agraciada das torcedoras.

Você teria gostado de ver seus netos fazendo o álbum de figurinhas dos jogadores e tentando pronunciar o sobrenome dos coreanos. João ainda se recupera do fim das tardes liberadas na frente da TV, ligada com pompa e moral de antigamente. Meu primogênito viveu momentos inesquecíveis, sendo feliz e triste como nunca havia visto. Primeiro porque sempre torcia para os times mais fracos, com uma queda pelos africanos. Costa do Marfim e Gana arrancaram lágrimas do garoto, ao mesmo tempo em que as jogadas do holandês Robben o fizeram vibrar como a criança que aos poucos deixa de ser.

A derrota

Eu entendi o futebol, pai. Ele é bonito porque é lúdico e primitivo, e nos dá a todos um sentido instantâneo pra existência, um prazer que mistura fazer parte e descansar de ser quem se é. Porque perdendo ou ganhando não há solidão, e saber que alguém sente o mesmo que você é quase tudo na vida. Quem tem time tem tudo.

Pra ser sincera, não me importei tanto com a derrota (talvez porque o Fluminense tenha me dado essa humildade) mas sei que você teria ficado bravo. Pra mim, o Brasil perdeu e eu fiquei chateada dois dias; logo estreou o último longa do Wes Anderson e tudo ficou bem.

Mas eu, pai, cá em minha vida, andei sentindo sua falta. Tomei umas de direita que me fizeram lembrar de quando eu era pequena e você dizia que do seu lado nada de mal me aconteceria... Era bom contar com alguém que parecia invencível, mas descobrir que esse alguém pode ser você mesma é mais legal ainda.

No mais, Bento canta Beatles e Arnaldo Antunes, e João tem escrito de forma comovente. E o mais importante: os dois passam a bola, pai.

Maria Ribeiro, 37 anos, é atriz e diretora do documentário Domingos, sobre o diretor de teatro e de cinema Domingos Oliveira. Atuou em Tropa de elite e Tropa de elite 2 e é uma das apresentadoras do Saia justa, no canal GNT. Seu e-mail: ribeirom@globo.com

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