Alguém em casa
Dira Paes conta como foi atuar no longa Estamos Juntos, onde vive uma líder do MSTC
Dira Paes, editora convida especial da Tpm, acaba de filmar Estamos Juntos, de Toni Venturi. Ela precisou encontrar uma maneira de ser atriz em meio à verdade de toda uma comunidade de moradores sem-teto no centro de São Paulo
Fui convidada para participar do filme Estamos Juntos, de Toni Venturi, sobre uma comunidade de moradores sem-teto no centro de São Paulo. Para isso, passei pouco mais de uma semana convivendo com Nete, líder do MSTC (Movimento Sem-Teto do Centro de São Paulo), em um prédio ocupado na Estação da Luz. Nete é o perfil da guerreira contemporânea. Ela tem beleza, delicadeza, força, obstinação e uma dignidade de alguém que, como eu e você, tinha uma casa, uma família e, de repente, tudo mudou. Desemprego, agonia, filhos e, no fim, a ponte e o viaduto como moradia. No papel de uma líder comunitária contraceno com a protagonista Leandra Leal. Ela interpreta uma médica que se descobre doente e, a partir disso, repensa sua vida ao ter contato com o movimento de ocupação. Os moradores do prédio também estiveram nas filmagens: ora como figurantes, ora em papéis menores.
O MSTC é um movimento pacífico em prol de habitação. Entre os mais de 500 moradores da Ocupação Mauá, na Estação da Luz, estão idosos, famílias e mulheres abandonadas por seus homens, desempregadas, sozinhas com seus filhos. Mulheres que ficaram, literalmente, à margem do concreto. O absurdo é pensarmos que São Paulo, essa metrópole gigantesca, tem mais de 400 mil imóveis inabitados só no centro e uma carência de moradia em torno de 5 mil famílias, o número de inscritos no MSTC. A maioria feminina conseguiu criar um movimento extremamente respeitoso e organizado.
A casa é nossa
As ocupações de prédios abandonados no centro da cidade são sempre pacíficas. É importante que as pessoas tirem um pouco desse ranço sobre os movimentos de ocupação. Entendam que estamos falando de crianças e mulheres abandonadas, idosos e pessoas que ficam sós no mundo. Seus parentes moram em outros Estados e eles não têm condições de regressar ou de obter ajuda. Com a ocupação, o MSTC não só limpa o prédio, como restabelece toda a fiação, a pintura, o encanamento. Lá dentro existem leis de convivência, em que não é permitido beber, usar drogas nem dizer não para alguém que esteja necessitado. A Nete, que já tem três filhos, recentemente adotou outra criança, filha de uma consumidora de crack.
Aquilo tudo é tão real, aquele prédio enorme com todos aqueles trabalhadores, pessoas dos mais diversos sonhos, crianças com toda a sede de aprendizado, com toda a beleza, inventando brincadeiras no meio do concreto. O que mais me impressionou foi a sensação de como é que eu poderia conseguir ser atriz ali, no meio daquela verdade toda. Meu grande desafio era me misturar com a verdade deles. E tentar quase desaparecer lá no meio. Então eu submergi, mergulhei no universo daquela mulher, na obstinação em conseguir uma casa para transformar em lar. O resultado disso você pode conferir no filme, ainda sem data certa para estreia, provavelmente no segundo semestre deste ano.