Alfredo é o cara
Com vocês, Alfredo, namorado da vereadora, presidente de ONG e tetraplégica Mara Gabrilli
Alfredo gosta de corpo humano. Não apenas pelo fato de ser nutricionista e se gabar de deixar seus “alunos” com a forma física que quiserem em pouquíssimos meses. Nem por já ter pesado 130 quilos por desleixo, depois ter malhado até virar praticamente um músculo ambulante – agora ele está mais do que seguro com os 100 quilos – “e 9,5% de gordura” – espalhados pelo 1,86 metro de altura. Nem por ter analisado, em 5 minutos, a postura e os dedos da repórter para diagnosticar: “Você tem cifose e é mandona”. Nem porque já praticou jiu-jítsu e foi vegetariano. Nem ainda porque aprendeu a reconhecer as pessoas pelo jeito de andar, por causa da miopia. Alfredo provou o gosto – e a intimidade – pelo corpo humano quando chamou Mara Gabrilli para dançar.
O feito é para macho. Afinal, Mara – a colunista da última página da Tpm – não se movimenta do pescoço para baixo desde que sofreu um acidente de carro, em 1994. Mas Alfredo Galebe, 44 anos, nem reparou nesse detalhe enquanto se alongava na sala de sua casa. Sentado no chão, com as pernas afastadas e as mãos segurando os dedões dos pés, ele assistia à TV. De repente, se viu com a cara colada na tela, fissurado naquela moça que sorria e falava qualquer coisa que não importava no programa do Clodovil. Ele foi direto para o computador, descobriu o e-mail de Mara e, sem cerimônia, contou a ela o que acabara de concluir: “Você vai ser minha mulher”.
Fazia dois anos que Mara tinha sido a primeira tetraplégica do Brasil a posar num ensaio sensual (na revista Trip, edição 82, em 2000). Desde então, sua caixa de e-mails vivia lotada de nomes de homens. Ela passava batido pela maioria, até por falta de tempo – Mara é fundadora de uma ONG que faz pesquisas nas áreas esportiva e de reabilitação para pessoas com deficiência e vereadora por São Paulo. Mas, naquele dia, não só abriu a mensagem de Alfredo, como respondeu. “Parecia que ele estava me dando uma bronca, por causa do jeitão seco, mas era um convite para tomar café”, lembra ela.
A partir daí foram quatro meses – ou, segundo Alfredo, “1.175 anos” – de troca de e-mails e telefonemas até eles se encontrarem. Antes, ele teria que terminar outro namoro. “Já não conseguia beijar minha namorada na época. Me sentia traindo a Mara.” Ela também precisou de tempo para digerir o convite. “Ela devia pensar que eu tinha quatro pernas, a cabeça na bunda ou algo assim...”, humoriza ele. Mas, apesar de ter recebido a imagem de um cachorro quando pediu que o pretendente mandasse uma foto, Mara estava mais preocupada com a própria segurança. Isso porque ela passa 24 horas rodeada de assistentes, precisa de ajuda até para beber água, tirar um fio de cabelo do rosto ou se virar na cama de madrugada. Ou seja, não poderia nem sair correndo numa situação de perigo. “E se ele fosse louco? Se me queimasse com cigarro?”, questionava.
Por via das dúvidas, uma das cinco assistentes de Mara ficou espiando de longe quando eles, enfim, foram tomar um café juntos. Mas não foi preciso intervir nem naquele, nem nos encontros que se tornaram frequentes nos cinco meses seguintes – até Mara ter certeza de que estava em boas mãos. Então, na noite em que Alfredo a tirou para dançar no meio de um restaurante japonês, ela o pediu em namoro.
Do avesso
“A essa altura, eu já tinha virado ela do avesso”, revela Alfredo, sem modéstia sobre as raras noites que haviam passado a sós. Como Mara não movimenta os membros inferiores, muita gente conclui que ela não sente prazer sexual. “Mas sinto. E não é só mental”, garante. Ela valoriza o fato de Alfredo ser forte, conseguir segurá-la e se mover por dois. Na hora do sexo, ele sabe exatamente como conduzi-la para pegar embalo, e às vezes parece até que o corpo da namorada tem autonomia. “Ele fala: ‘Para de se mexer que eu vou gozar’”, se diverte ela.
O conhecimento de Alfredo sobre o corpo humano o ajuda a desenvolver técnicas para pegar melhor a namorada – não apenas na cama, mas na mesa do jantar, quando ajeita a mão dela para que não pareça sem vida, ou quando a carrega no colo. “Temos várias opções: saco de batata, em que ela vai no meu ombro; super-homem, quando a seguro pelas axilas; bebê, noiva... pergunto até se quer ir andando”, conta ele. As habilidades servem também para lidar com situações inusitadas, como quando Mara teve uma dor de barriga dentro de um avião e não deu tempo de chegar ao banheiro. “Tive que limpá-la como se faz com neném”, conta ele, rindo.
“No começo, eu queria fazer tudo sem ajuda de ninguém, mas depois entendi que não sou enfermeiro. Isso até prejudicaria a relação”
Enfim sós?
Mas nem sempre Alfredo encarou essas situações com bom humor. Afinal ninguém imagina que dormir sozinho com a namorada inclua limpá-la cada vez que ela tiver necessidades biológicas, levantar de madrugada só para virá-la de lado ou coçar sua testa. “No começo, eu queria fazer tudo sem ajuda de ninguém, mas depois entendi que não sou enfermeiro. Isso até prejudicaria a relação”, revela ele, que ainda se incomoda ao pensar que, quando casarem, estarão sempre cercados por assistentes. Mesmo assim, Alfredo faz questão de dar comida na boca da namorada e não divide com terceiros a tarefa de transportá-la nos braços. Faz questão de se aproximar do gravador da Tpm para dizer que é ciumento e que, se for preciso, “quebra o cara” que mexer com sua mulher.
Seis anos e meio depois, as pessoas ainda estranham a parceria entre uma tetraplégica e um cara do corpo. “Para mim, dizem: ‘Você poderia estar com qualquer mulher...’. E para ela: ‘Você não tem ciúme de outras mulheres? Ele pode se cansar de você, dar o golpe’”, revela Alfredo. Para os dois, o tempo já provou que a relação se baseia em outros valores, como ela se sentir protegida por ele, e ele admirar a cultura e a inteligência da namorada. O fato de Mara já ter se relacionado com um cadeirante, na época em que comandava as próprias pernas, facilita a comunicação, pois ela já esteve no lugar dele. De resto, Alfredo garante que é um namoro normal. “Só que, quando brigamos, ela fala: ‘Me tira daqui’. Eu falo: ‘Não!’. Porque não é todo dia que você encontra a mulher da sua vida.”
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