Admirável Homem Novo
Num esforço de reportagem, fui procurar o Novo Homem num desses sites de relacionamentos
Num esforço de reportagem, fui procurar o Novo Homem num desses sites de relacionamentos.
Dei um Google desconfiado de que ele talvez não passasse de um duende das questões de gênero – uma ficção simpática e sem conexão com a realidade. Mas apenas três ou quatro cliques depois, mais fácil do que pensava, ecce homo:
“Sou o tipo de cara que não larga toalha molhada na cama, traz flores e sabe o poder de um elogio”.
Taí, o Novo Homem existe mesmo. E tem poder de síntese. Logo na primeira frase, resume boa parte das expectativas depositadas sobre seus ombros trabalhados no pilates. É solidário nas tarefas domésticas (toalha pendurada no toalheiro, bom garoto) e romântico (nada mais moderno que um amante vintage, do tipo que ainda manda flores e não esquece de caprichar no bilhete). Uma pessoa, enfim, incapaz de fazer mal ao beagle Ricardinho. O anúncio continua:
“Não primo pela beleza, mas por outro lado me dedico à felicidade da minha companheira. Fiel companheiro, cubro a amada de amor e mimos”.
Certo, agora entendi por que ele não incluiu uma foto. De qualquer maneira, importante é a abnegação sentimental que revela ali – nada importa mais do que a felicidade da amada. O fato de citar deliberadamente os “mimos”, há de se reconhecer, pode indicar que mesmo ele ainda não se libertou inteiramente do papel de macho provedor. Com o benefício da dúvida, prossigamos a leitura para conhecer melhor essa figura:
“Sou uma pessoa que compreende que o amor envolve um sentimento verdadeiro e intenso. Por isso, exijo lealdade, dedicação e respeito. Havendo amor, meu relacionamento é dos mais completos”.
É, dos mais completos! Esse cara é dos bons. Na certa cultiva uma barba tipo Portland, usa raspas de limão-siciliano em suas receitas vegetarianas e já baixou o disco novo do Devendra Banhart – a mais completa tradução do Novo Homem, perfilado na página 72.
Muito bem, o pequeno anúncio parecia uma Carta Magna da nova masculinidade, um resumo precioso da conduta afetiva adequada aos dias que correm. Mas a derradeira linha revelou toda a fraude:
“Sou casado, tenho vida financeira estável”.
Não, não, não. Devo ter lido errado. Mais uma vez:
“Sou casado, tenho vida financeira estável”.
Sério, depois daquela conversa toda? Bom, você deve saber melhor que eu: tem muito Velho Homem por aí tentando se passar por Novo Homem. Não aceite imitações.
Fernando Luna, diretor editorial