Administrando venenos

Ou aproveitamos esta onda para pesquisar, estudar, se informar, substituir produtos, descobrir novas formas de comer ou seremos devorados por uma crise muito mais ampla

Ao rés do chão: a grande frase sobre envenenamento é: se ficar o bicho pega, se correr o bicho come. A história da saúde humana agora é na adversativa.

Comer legume é bom, mas tem que ser orgânico. Beber muita água faz bem, mas ela deve ser alcalinizada pelo filtro. Peixes são ricos em ômega 3, que é importante para o bom funcionamento do cérebro, mas nossas águas poluídas contaminam o pescado com mercúrio.

O envenenamento é por todos os poros.

O veneno nos penetra através dos produtos químicos que passamos nas unhas, na pele e nos cabelos; está no que usamos para limpar louças e talheres; nos amálgamas dentários; na água filtrada cujas doses de cloro e flúor são altíssimas; o veneno migra do plástico aos produtos por ele embalado e por nós ingeridos a cada refeição; devora os alimentos expostos aos agrotóxicos; estes, por sua vez, se embrenham no solo, no subsolo, no lençol freático, nos alimentos orgânicos transportados ao lado dos alimentos não orgânicos; as toxinas estão no ar que respiramos; no álcool que bebemos pra esquecer de todas essas mazelas; estão dentro de nós.

Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Luta inglória, ainda deitada em berço esplêndido. E a melhor maneira de engrossar suas fileiras é provando do veneno dos tempos imemoriais: a conscientização. E, passado o choque, agir de acordo.

Comprar na feira orgânica, que é mais cara, sim, porém, se mais pessoas comprarem vai ficar mais barata. É ter filtro que alcaliniza a água. É descobrir o que é alcalinizar a água. É tomar limão com água morna de manhã pra alcalinizar o organismo. É plantar horta em casa. É usar o xampu que não faz tanta espuma, mas que limpa tanto quanto e não intoxica pela raiz do cabelo. É suar e liberar toxinas. É perguntar nos restaurantes se a comida é orgânica e, se não for, exigir que seja e, se não for, parar de frequentar. É exigir que o governo brasileiro regule os índices constrangedores de agrotóxicos que nenhum país do mundo permite, só aqui. É tomar Coca-Cola, comer sorvete e batata Ruffles consciente do que está fazendo.

Frutos negros

“Não contém glúten nem lactose” é a frase da moda, mas moda é tão chato que muda de seis em seis meses. Ou aproveitamos esta onda para pesquisar, estudar, se informar, substituir produtos, descobrir novas formas de comer ou seremos devorados por uma crise muito mais ampla, de que os venenos são um dos frutos negros.

Precisaríamos de cinco planetas Terras para os 7 bilhões de humanos consumirem, hoje, nos padrões americanos. Não há cinco Terras. Há uma. Cuja produção não pode parar. Produção de bens de consumo, produção de alimentos, produção de energias, produção. Os venenos foram criados pelo nosso estilo de vida, para sustentar nosso padrão de consumo. E é o nosso estilo de vida que está a nos matar, seja nos tsunamis espetaculares, seja nas contaminações silenciosas. Pensar nos venenos é, em última instância, pensar em sobrevivência. E não a sua ou da sua família, mas da espécie humana.

Antonia Pellegrino, 32 anos, é ro­te­irista e escritora. É dela o roteiro da série Oscar Freire 279. Ela ganhou o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro pelo roteiro do filme Bruna Surfistinha. Seu e-mail: a.pellegrino@terra.com.br