Acolhimento virtual
Ao criar um grupo de apoio para retribuir a ajuda que recebeu ao se assumir homossexual, Carlos Eduardo formou uma comunidade no Facebook com mais de 25 mil pessoas LGBTQIA+, o Filhos do Arco-Íris
O estudante Carlos Eduardo lembra de uma frase da drag queen Rita von Hunty que lhe acompanha: “Se as vozes que você tem ouvido não te contemplam, então seja a sua voz”. Ela resume bem sua caminhada até aqui, do processo de se assumir gay até passar a oferecer apoio a milhares de pessoas que enfrentam a mesma situação, além de um espaço de troca e conversa, por meio do grupo do Facebook Filhos do Arco-Íris*. Toda essa ajuda e alcance rendeu um convite para que a comunidade participasse de uma campanha nacional do Facebook de apoio à diversidade.
Na adolescência, Carlos, 21 anos, se sentia diferente. "Era uma questão que eu preferia deixar escondida, não queria entrar em contato”, lembra. “As pessoas que eu conhecia e o ambiente que eu frequentava eram muito heteronormativos. Gênero, orientação sexual não eram discutidos.”
Depois do fim do ensino médio, quando seus amigos mais próximos tomaram rumos diferentes, ele se deparou com a depressão. “Tive [a doença] por um ano. Ela foi criando raízes. Comecei a ter crises de pânico. Depois, tive transtorno de ansiedade generalizada.” Foi em uma das crises que sua avó decidiu levá-lo a uma terapeuta. “Eu me sentia muito culpado, muito envergonhado, muito oprimido pela sociedade, pela minha família, por mim mesmo, por não me aceitar.” Com as sessões, ele passou a se ouvir e a se aceitar. “A terapia me ajudou 100%, foi uma experiência incrível, um divisor de águas.” Contou para os pais e para todo o resto.
Carlos se deu conta do privilégio que era ter uma psicóloga para lhe apoiar no processo de assumir sua orientação sexual e propôs a ela formar um grupo de conversas para ajudar quem precisa enfrentar a mesma situação, na região de Guaratinguetá, interior de São Paulo, onde mora. O Facebook era apenas um veículo para convidar possíveis participantes para as reuniões presenciais, mas o Filhos do Arco-Íris ali nasceu e permaneceu, atingindo muito mais gente do que Carlos poderia imaginar. O grupo, que tem como objetivo ajudar pessoas LGBTQIA+ a aceitar quem são, reúne hoje mais de 25 mil pessoas e já deu suporte a membros de norte a sul do país. “Eu imaginava 10, 15 pessoas, só para fazer uma reunião semanal, quinzenal. Foi uma surpresa porque jamais imaginei.”
“É uma sensação de gratidão poder proporcionar um pouco para essas pessoas do que eu tive”
Carlos Eduardo, fundador do grupo Filhos do Arco-Íris
Diariamente, Carlos aprova depoimentos, checa se há interação, incentivando trocas e conversas, bane ataques homofóbicos e encaminha os casos mais críticos à sua psicóloga, Luciana Maciel, que abraçou esse projeto como voluntária e oferece orientação profissional. “O primeiro objetivo do grupo é fazer com que a pessoa saia da concha, onde está sofrendo. Quando ela percebe que há outras pessoas passando por isso também, cria coragem e se abre”, conta Luciana. Dependendo do caso, ela também encaminha para terapia, do SUS ou de psicólogos voluntários – o grupo também é aberto aqueles que querem oferecer apoio a quem está precisando.
“Formar um grupo desses é formar a família que muitas vezes eles queriam que tivesse os ajudado”
Luciana Maciel, psicóloga
Além de oferecer um espaço de desabafo, Carlos e Luciana procuram apoiar as pessoas de forma prática. “Vamos fazer o que com a pessoa que está na rua? Tem lugar para ela ficar? Vamos fazer uma vaquinha no grupo para colocá-la em um hotel. Ela tem que ir ao médico?”, conta Luciana. “Formar um grupo desses é formar a família que muitas vezes eles queriam que tivesse os ajudado”. A dupla está cadastrando casas pelo Brasil que oferecem acolhimento para pessoas que foram expulsas de casa. Planejam ter a ajuda de outros psicólogos e a orientação de um advogado. Também projetam ter vídeos que ofereçam apoio emocional. “É uma sensação de gratidão poder proporcionar um pouco para essas pessoas do que eu tive.”
Depois desse espaço de acolhimento virtual, Carlos – que se prepara para o vestibular de psicologia – sonha com centros físicos de acolhimento espalhados pelo país, em que possa oferecer apoio e abrigo às pessoas que são expulsas de casa por conta de sua orientação sexual. “[Espaços] em que as pessoas possam ser lá dentro quem elas são, serem respeitadas, serem acolhidas, oferecer tudo o que elas não tiveram dentro de casa e reinseri-las novamente na sociedade.” Ninguém solta a mão de ninguém.
*O Filhos do Arco-Íris é um entre vários grupos do Facebook voltados à comunidade LGBTQIA+, que oferece apoio e suporte para aqueles que querem assumir sua orientação sexual
Créditos
Imagem principal: Bispo/Divulgação
O ensaio fotográfico desta reportagem foi feito por Jorge Bispo remotamente via WhatsApp