A tal da inveja feminina

A inveja não é exclusividade ou característica de gênero. E mudar essa percepção é possível

por Gaía Passarelli em

Essa semana eu respondi a seguinte pergunta: “mulher não tem preconceito com mulher sozinha?” Foi numa entrevista sobre meu livro recém-lançado, que fala sobre viagens solo. E emendou que "devemos prestar mais atenção nas mulheres do que nos homens, porque mulher é invejosa.”

Parece mesquinho e ultrapassado, mas a repórter estava só repercutindo um sentimento que existe. Se você escrever “inveja feminina” no Google verá que boa parte das incidências tentam "explicar" a inveja, às vezes tratando como coisa biológica, ou te fazer acordar para o perigo maléfico da inimiga que está em todo lugar. A Rainha Má da Branca de Neve, a Jennifer Aniston celebrando o fim do casamento do Brad Pitt, a mulher mais velha com inveja da novinha que pode roubar seu marido. Parece que essa tal inveja feminina é super instituída e eu que sou ingênua, desligada e Poliana. Fora da minha bolha é assim que uma mulher enxerga as outras: uma maioria de recalcadas que se sentem ameaçadas por sua presença estrelar, seu corpo maravilhoso, sua vida cheia de prazeres, sua risada contagiante, seu marido rico, seu carro novo, seu bom gosto para roupas.

Quer dizer que eu não sinto inveja? Sinto, sim. Todo mundo sente inveja de algo ou alguém em algum momento. A gente inclusive usa inveja para explicar coisas que dão errado – você já não deixou de comentar um sucesso para “não atrair más energias”? A inveja tá aí. E pode inclusive servir como impulso para alguém infeliz com a própria sorte dar uma levantada na poeira e ir atrás do que deseja.

Acontece que a inveja não é exclusividade ou característica de gênero. E mudar essa percepção é possível.

Tentar ver na outra mulher uma parceira antes de uma inimiga é uma atitude de transformação. Praticar esse coleguismo com as manas é como praticar o consumo consciente, escolher a bicicleta ao invés do carro, se alimentar melhor ou parar de fumar: faz bem pra você, pro mundo, pros outros ao seu redor. Sei que esse assunto não é novidade pra Tpm, que há anos toca nessas questões e incentiva atitudes reais e positivas de mulheres para mulheres (é uma revista que não trata leitoras e leitores como idiotas, bom dizer).

Mas na minha vida tenho notado um avanço incrível da presença feminina. Nunca foi pouca, mas de tempos pra cá os laços afetivos e profissionais com outras mulheres ficaram mais fortes, mais necessários e mais reais. Passei a encontrar mais mulheres para as coisas do meu dia a dia, desde a vizinha que faz pão caseiro até advogada, taróloga, colega para pra criar cadernos artesanais. Amigas. E comecei a indicar outras mulheres em tudo que posso, o que me fez perceber o que outras mulheres fazem, criam e pensam. Passei a querer ouvir as histórias de outras mulheres. Participar delas.

Voltando para a pergunta da repórter, porque foi o caso de parar e pensar: a resposta é não. 

Talvez eu seja distraída demais (pra quem curte astrologia: pisciana). Pode ser que eu tenha sido “vítima" de conversas ou indiretas de invejosas? Pode ser. Só que eu não tenho essa história pra contar. Tenho outra.

Uma vez na Índia entrei num ônibus de linha, sozinha e sem saber da divisão de lugares dos assentos. Sentei no primeiro lugar que vi, paguei a passagem para o senhorzinho cobrador e nem começamos a andar e um indiano começou a falar comigo. Eu não estava entendendo e ignorei, mas uma mulher veio lá do fundo do ônibus e sentou do meu lado. Ela me deu a mão e puxou assunto. Fomos conversando durante o resto da viagem, uma hora e tanto, num inglês quebrado mas suficiente. Quando chegou o meu ponto, ela desceu comigo, chamou um tuk tuk e explicou (em malaiala) o caminho para o motorista. Eu teria conseguido chegar sozinha, mas a ajuda dela tornou meu dia muito mais tranqüilo e fácil.

Nessa mesma viagem (porque a Índia pode ser muito dura para as mulheres) uma mulher me ajudou quando eu estava perdida em um bazar. E uma senhora, faxineira de um templo, me levou pela mão até sua casa onde preparou chai que tomamos sentadas em almofadas na sala (que também era quarto dela e do filho). 

Eu teria ido com elas se fossem homens? Provavelmente não. Fui porque eram mulheres e me senti protegida. Em nenhum momento vi delas um olhar invejoso, de cobiça ou de rancor. Vi apenas outras mulheres.

Leia também: Viajar é diferente para homens e mulheres? 

Créditos

Imagem principal: Jeremy Bishop via stocksnap.io

Arquivado em: Tpm / Viagem / Comportamento