A promessa das máquinas
Eu tinha duas famílias prediletas, ambas do futuro: os Jetsons, de um desenho animado, e os Robinsons, do seriado Perdidos no Espaço. Achava-se que acabaríamos usando macacões prateados colados ao corpo e botinhas que finalizavam essa espécie de malha unissex. Era década de 60 e na televisão o porvir era representado igual ao presente, mudando só o figurino. Os homens ainda trabalhariam fora, enquanto as mulheres cuidariam do lar, mas haveria um atenuante: os robôs. Os Robinsons tinham um exemplar macho e os Jetsons tinham Rosie, uma eficiente empregada automática.
Todos conhecemos a imagem clássica da dona de casa da época: cabelo duro de laquê, vestido acinturado, seios espetados e um sorriso no rosto enquanto segura, sem esforço nenhum, seu aspirador de pó. Representante de um novo tipo de nobreza ao alcance da classe média, ela tem suas máquinas. Não lida mais com trapos e vassouras, a sujeira é aspirada. Ela não cozinha mais, aciona mixers, fritadeiras, grills. Suores e outros detritos são problema de sua máquina de lavar e os calos nos joelhos ficarão por conta da enceradeira.
O cotidiano doméstico lembra o trabalho do pobre Sísifo, empurrando a pedra montanha acima para em seguida vê-la despencar, retomando a tarefa infinitas vezes. Lava-se e arruma-se o que, na seqüência, será sujo e esparramado, cozinha-se o que será imediatamente devorado. O sorriso na cara das senhoras das propagandas e dos meus seriados favoritos, seu inalterável humor de Noviça Rebelde, ficava por conta de um engano, seriam liberadas do trabalho doméstico. Lamento dizer: a promessa de Rosie não se cumpriu.
Sorriso congelado, só de miss
Fornos não são verdadeiramente autolimpantes, louça e roupas não são autoguardantes, o ferro elétrico continua exigindo manobras humanas e, principalmente, filhos não são autocriantes. Nem o produto químico mais incrível vai ajudar a sorridente moça do comercial a abstrair que ela está limpando uma patente. A formação de uma família inclui um sem-número de atividades que têm que ser executadas pessoalmente, as quais sabemos que, se não as desempenharmos, pagaremos caro por isso, pelo menos com a culpa. A tarefa de convencer as mulheres dos encantos do lar incluiu um grande engano: vocês nunca mais se sujarão para limpar, nunca mais se cansarão. Balela, a fome e o caos não cansam de retornar.
Não me venham exigir esse sorriso congelado de miss, de atleta de nado sincronizado, enquanto corto cebola. Ser mulher continua dando um trabalho cotidiano sem glória nem memória, do qual saímos com a sensação de não ter feito mais que a obrigação. No dia seguinte, a sujeira, a bagunça e as incessantes necessidades dos filhos levarão tudo à estaca zero. Sísifo.
Por isso, aos ainda poucos e maravilhosos homens que começaram a dividir conosco esse campo de trabalhos forçados a que chamamos lar, as boas-vindas. A dois fica um pouco menos penoso. Pensando bem, isso é ainda melhor do que a Rosie.