A mulher que o mundo vê
A antropóloga Mirian Goldenberg fala dos estereótipos da mulher brasileira durante a Copa
A antropóloga Mirian Goldenberg fala da identidade da mulher brasileira, que em eventos como Copa e Carnaval volta a ser reduzida aos estereótipos de sempre
As brasileiras vivem uma verdadeira crise de identidade: um dos momentos de maior independência e liberdade é também aquele em que há um alto grau de controle sobre o corpo feminino. A exibição e o desnudamento tão presentes na cultura brasileira podem dar a impressão de um corpo mais livre. No entanto, ele é prisioneiro de normas sociais internalizadas e reproduzidas pelas mulheres.
De um lado, a brasileira se emancipou amplamente de antigas servidões sexuais, procriadoras e indumentárias. De outro, seu corpo encontra-se submetido a coerções estéticas cada vez mais imperativas e geradoras de ansiedade. Como tenho mostrado em minhas pesquisas, o corpo é um capital na cultura brasileira. O corpo jovem, bonito e sexy é um investimento fundamental para garantir o sucesso feminino no mercado de trabalho e também no mercado afetivo e sexual.
O corpo sem marcas indesejáveis (rugas, estrias, celulites, manchas) e sem excessos (gordura, flacidez) é o único que, mesmo sem roupa, está decentemente vestido. Além de o corpo ser mais importante do que a roupa, ele pode ser considerado a verdadeira roupa: é o corpo que deve ser exibido, moldado, manipulado, trabalhado, costurado, enfeitado, construído, imitado. É o corpo que entra e sai da moda. A roupa é apenas um acessório para a valorização e a exposição do corpo.
Nas últimas décadas, o Brasil sofreu uma explosão da indústria da beleza. A brasileira tornou-se campeã mundial, logo após a norte-americana, em cirurgias plásticas, uso de botox e preenchimentos faciais. Em 2011, foram realizadas mais de 800 mil cirurgias plásticas no Brasil, especialmente lipoaspiração e implante de silicone nos seios. Em quatro anos, cresceu 141% o número de plásticas em adolescentes. Nos últimos dois anos, segundo a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética, o número de implantes de silicone nos glúteos aumentou 547%.
Pesquisa da Unilever em dez países mostrou que 63% das brasileiras querem fazer cirurgia plástica (o maior índice da pesquisa). Sete em cada dez brasileiras deixam de fazer alguma atividade quando se sentem feias ou gordas: elas deixam de ir à praia, a festas e até ao trabalho.
As brasileiras são as mais preocupadas em ter um rosto bonito, a pele bem cuidada, o corpo em forma e uma imagem sexy. Outro número impressiona: 58% das brasileiras afirmaram que, caso a cirurgia plástica fosse gratuita, recorreriam imediatamente ao bisturi.
Não é por acaso que o Brasil tem o maior consumo mundial per capita de remédios para emagrecer: 40% das brasileiras dizem estar sempre de dieta. Reportagens recentes na mídia estrangeira denunciaram a exploração e o turismo sexuais exibindo fotografias de bundas de brasileiras em minúsculos biquínis.
Em uma pesquisa recente no Rio de Janeiro perguntei: “O que mais te atrai sexualmente em uma mulher?”. A resposta mais citada pelos homens foi: “A bunda”.
Com o mundo inteiro de olho no Brasil, você não acha que é o momento perfeito para derrubar os estereótipos e provar que, como canta Rita Lee, “nem toda brasileira é bunda”?
*Mirian Goldenberg é antropóloga, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autora de A bela velhice (Ed. Record)