A mala só de quem volta

Apesar da saudade, após morar fora, há coisas difíceis de aceitar na volta ao Brasil

por Tania Menai em

Tenho um amigo chamado Théo, ele tem 5 anos. Filho de cariocas, nasceu em Montreal, o Canadá. Todos os anos eles fogem do inverno para curtir algumas semanas de verão com a família. Este ano, andando pelo Leblon, Théo viu uma lata de lixo transbordando. Ele largou a mão da mãe e foi imediatamente catar a sujeira do chão. E não era pouca. O menino nunca tinha visto aquilo, sabia que estava errado e – não só isso – foi corrigir. Esse é o olhar que os brasileiros que moram fora têm do Brasil. E é difícil se acostumar com o que não está certo. Lixo no chão? Não. Atraso? Não. Desrespeito ao pedestre? Jamais.

A imprensa brasileira tem pipocado reportagens sobre o que os acadêmicos chamam de “a síndrome do regresso”. Trata-se da fase de readaptação que uma pessoa que morou no exterior, ou em outra cidade, passa ao retornar para a terra natal. Que felicidade saber que alguém se propôs a estudar esse fenômeno. Afinal, muitos brasileiros estão de volta ao Brasil depois de viverem aqui nos EUA, na Europa, no Japão, na Austrália e em outros cantos do globo.

Esses estudos acadêmicos apontaram que aquele que volta com novos hábitos é visto como “arrogante” por quem nunca saiu. Os amigos e familiares que ficaram no Brasil não entendem por que o sujeito que voltou não tolera mais alguém que fala que vai aparecer e não aparece, carros que avançam sinal ou serviços de TV a cabo que nunca funcionam. Para quem absorveu culturas em que ter palavra é uma questão de honra, o tal “jeitinho” passa a ser visto como um jeito infantil de tratar assuntos sérios.

Cultura importada
Garanto: não é arrogância. É falta de conformismo. E isso é muito bom. Talvez quem volta tenha a missão de trazer para o Brasil aspectos positivos de outra cultura. No caso dos EUA: a falta de cartórios (eles não servem para nada e o Brasil ainda não descobriu isso), a obrigação de responder a e-mails em prazos razoáveis, a pontualidade, os trens entre as cidades, um metrô até o aeroporto e o simples fato de poder postar uma carta na caixa de correio da rua e saber que ela vai chegar ao destinatário. O Brasil está bombando, mas pode bombar ainda mais. Some isso a beijos, abraços, brigadeiros e uma boa moqueca – quando esse dia chegar, não vai ter para ninguém.

Tania Menai é jornalista, mora em Manhattan há 15 anos e é autora do livro Nova York do Oiapoque ao Chuí, do blog Só em Nova York, no site da Tpm, e também do site www.taniamenai.com

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