A hora e vez do Kayaksurf
Melhor atleta latino-americana do ranking mundial, Roberta Borsari quer divulgar o esporte
A paulistana Roberta Borsari nunca pensou que se tornaria atleta profissional. Mas hoje figura como a melhor esportista de kayaksurf da América Latina no ranking mundial – que conta com mulheres e homens. Ela ainda é a única mulher do país nas competições oficiais da modalidade.
O reconhecimento é gratificante, mas Roberta não quer exclusividade: sempre trabalhou para divulgar o esporte, tanto que criou o Kayak Surf Club, com notícias e dicas para a prática. “As pessoas não conhecem muito, mas é um esporte que é possível, sim, para iniciantes”, disse, por telefone, ao site da Tpm.
A atleta também falou sobre as dificuldades de fazer esportes no Brasil, sua rotina, a importância da yoga para seu preparo e se, com tantos treinos puxados, ainda rola prazer na hora de cair na água.
Como você começou a praticar kayaksurf?
Eu sou filha de professores de educação física, meu irmão também é formado nisso. Na época de faculdade, ele tinha um amigo que depois virou um grande amigo nosso, o Zé Pupu, um dos precursores do rafting no Brasil. A gente se aproximou, fazia descidas de rio, e a competição acabou sendo uma coisa natural. Passei a trabalhar com ele, começamos a competir e a partir daí entrei na canoagem e não parei mais. Como na época, mais do que hoje, existiam poucas mulheres praticando o esporte, acabei migrando para diversas modalidades: caiaque polo; slalom, que é um esporte olímpico; canoa havaiana e outras mais. O kayaksurf foi a modalidade que chegou por último em termos de competição. Eu sempre gostei de praia, ia sempre quando criança. Então comecei a alugar casa em Maresias e levava meu caiaque de rio para ficar brincando nas ondas.
Você fala sobre a questão de poucas mulheres estarem no esporte. Como é essa situação atualmente?
Eu acho que a coisa evoluiu bastante nos últimos anos, até porque a própria corrida de aventura deu um boom no Brasil, extrapolou os limites, não só dos aventureiros, mas trouxe bastante gente de um público que gosta de esportes em geral e que começou a ter um pouco mais de acesso aos esportes de aventura. Isso contribuiu bastante para o aumento do número de mulheres no esporte. Mas ainda assim o número é bastante reduzido quando comparado a lá fora. Na comunidade da canoagem, falando do kayaksurf, hoje eu ainda sou a única mulher que corre o circuito nacional.
O kayaksurf acabou ficando um esporte um pouco restrito. Por que isso aconteceu?
É um esporte que não tem tradição no país. Querendo ou não nosso país ainda é a terra do futebol. Acho que tem uma questão cultural, que é diferente dos Estados Unidos ou da Europa, onde a família acampa desde a infância, tem aventuras no mato, na montanha. No nosso país isso ainda não é valorizado. E a falta de incentivo como um todo com certeza acaba atrapalhando, desde a falta de investimento, em escolas, em campeonatos profissionais, em uma confederação forte. É um contexto geral.
É difícil praticar esporte no Brasil?
Com certeza. Se os esportes olímpicos têm dificuldade, os não olímpicos têm muito mais. Pensando no esporte de aventura, temos diversas modalidades, atletas brasileiros entre os top 5, os top 10. Às vezes esses atletas vivem alguns anos batalhando com o próprio esforço, com o próprio bolso, sem patrocínio e acabam desistindo. A dificuldade é em todos os aspectos: a falta de assistência, por exemplo, em escolinhas, em associações fortes que poderiam abrir espaço para esporte, a falta de patrocínio para o atleta de elite. Fica complicado você fazer um trabalho a longo prazo. E é isso que faz um atleta, não adianta você achar que vai ter um mundial no brasil e que fazendo investimentos no último ano você vai ter atletas de primeira linha. É um trabalho que vem do desenvolvimento, que tem de ser feito desde a escola. Então, com certeza, é muito dificil.
Como é seu dia a dia?
Eu moro em São Paulo, uma cidade que não tem praia. E não vivo só do esporte. Tenho o privilegio de ser uma profissional e trabalhar em uma empresa que me apoia no esporte, o Uol, que também é meu patrocinador. Minha rotina se resume a acordar bem cedo, ir às seis da manhã treinar na raia da USP, onde eu intercalo os treinos físicos envolvendo remada em água plana, intercalo treinos de tiro de velocidade, treinos de longa duração e também corrida, musculação. Só à noite deixo para fazer yoga. Treino, por dia, umas duas horas e meia. E no fim de semana vou para o litoral, aí me dedico aos treinos técnicos. Basicamente, é muito surfe na cabeça! Fico no mar o maior tempo possível. Só que mesmo assim dependo das condições da natureza. Muitas vezes, principalmente no verão, quando a gente começa a ter uma baixa das ondulações, o mar fica sem onda. Nesse caso, treino corrida e remada, pego o caiaque e vou curseando as ilhas, fazendo remadas de longa duração. Treino duas, três horas, depende do mar.
Você faz yoga como um complemento da mente para o corpo?
Sim, a yoga faz um trabalho completo para atleta. Para quem pratica um esporte no mar, onde você tem toda uma questão de equilíbrio, de concentração, de estratégia, ajuda muito. Acho que é um complemento de corpo e mente. Agora não consigo me dedicar tanto quanto gostaria, queria praticar mais, mas com certeza é um benefício que faz parte do meu treinamento.
Com a carga de treinamento tão forte, você ainda sente prazer ao praticar?
Um prazer enorme! Posso falar que em todos os âmbitos para mim é só prazer. Mesmo o treinamento mais sacrificado, aquele que você acorda bem cedo, no frio, cansada do trabalho. E não só o surf, que é uma coisa muito prazerosa, mas o treinamento técnico. Acho que é minha válvula de escape para todas as tensões do dia a dia. Quem vive em São Paulo sabe como é nossa qualidade de vida, as dificuldades, a pressão no trabalho e em todas as outras questões. Falo que tenho duas profissões e trabalho para a mesma empresa. Uma complementa a outra. O meu trabalho com a internet, como publicitária, estressa a cabeça mas relaxa o corpo – porque você trabalha sentada, na frente do computador. O esporte é o contraponto. Você estressa o corpo, porque exige bastante do preparo físico, mas em compensação a cabeça fica limpa, leve. Uma atividade equilibra a outra.
Você tem um cuidado especial com a alimentação?
Sim, faz bastante tempo. Hoje eu já não sigo uma dieta rigorosa, mas tenho todo um aprendizado de uma alimentação mais saudável. Não como carne vermelha, como muita fruta, porque gosto bastante, prefiro alimentos integrais, sei o que comer, em que hora comer. Faço alguns cuidados específicos com acompanhamento, tanto de nutricionista quanto de medicina ortomolecular, e acho que tive ganhos sensacionais. E muita água, chá verde, os cuidados básicos que a gente tem da alimentação que aprende ao longo do tempo.
E os cuidados de beleza? Muito protetor solar?
Muito protetor solar. Apesar de que é dificílimo, por mais que você coloque, você fica no mar duas, três horas, às vezes no horário do meio-dia. Com certeza existe um excesso de sol, por mais que a gente se proteja, e tem mesmo que passar muito protetor solar. É uma exposição ao sol e mar que não tem jeito. Mas muito protetor solar antes, muito hidratante depois e boné sempre que for sair em remadas.
Com essa rotina, dá tempo de fazer outras coisas, ter um tempo para o lazer?
Eu acabo tendo uma vida bastante regrada, porque, como acordo muito cedo, durmo muito cedo também. Durante a semana é difícil ter uma vida social muito intensa, mas procuro sempre guardar um tempinho para os amigos, para namorar, porque não podemos esquecer esse lado. Meu tempo acaba sendo restrito por conta disso, mas eu acho que na vida tudo é uma opção. Mas você tem que reservar tempo para estar perto de quem você gosta e de quem gosta de você.
Quando você começou a praticar, pensou que se tornaria profissional?
Sinceramente não, eu não tinha ideia. Sempre gostei de competir, mas não imaginei que fosse chegar tão longe, estar entre as dez melhores da modalidade que escolhi para me dedicar. Acho que foi como um retorno. Fui muito dedicada e focada, tanto do ponto de vista da competição quanto da divulgação do esporte. Sempre escrevi matérias, fotografei, divulguei. Queria dividir essa coisa bacana que descobri do esporte, essa filosofia de uma vida de respeito com a natureza, onde você aprende seus limites e traz para sua vida pessoal, sua vida profissional. Todo esse retorno é muito gratificante. Quando eu comecei não imaginava que chegaria tão longe.
Todo mundo pode praticar o kayaksurf?
As pessoas não conhecem muito, mas é um esporte que é possível, sim, para iniciantes. As pessoas veem aquelas fotos maravilhosas, com ondas enormes, e acham que é uma coisa totalmente inacessível. Mas é uma modalidade onde você tem desde os caiaques para iniciantes, para pessoa brincar em ondas pequenininhas, até os para o esporte de alta performance. É possível, sim, desde que você tenha orientação, os equipamentos de segurança e seja muito bem orientado.