A ética, a moral e a (in)justiça
Trabalho mais de 12 horas por dia, não levo dinheiro na meia e agora me tratam como Judas
Desde que resolvi me candidatar a vereadora e ingressei no universo político acreditando que poderia melhorar a cidade, recebo constantes elogios.
Pessoas nas ruas, por e-mail ou por mensagens diversas manifestam gratidão e admiração. O fato de eu ter uma deficiência e ainda trabalhar para esse público chama a atenção, pois muitos pensam que se estivessem na minha situação jamais fariam a quantidade de atividades que faço. E também porque trabalhar para esse público melhora a cidade para todo mundo.
Tem quem reclame porque a cidade tem lixo espalhado, trânsito, enchentes, roubos e outras mazelas que despencam nas minhas costas como se fossem culpa minha. Mas esse é um ônus da política, já aprendi a lidar. Porém, fui exposta a um desconforto que veio em série por ter tido princípios tão firmes.
Chegou à Câmara Municipal de São Paulo um projeto de lei que aumentava o IPTU do paulistano. Minha reação foi: “Deus me livre votar a favor de um projeto desse”. Porém, como vereadora, tenho obrigação de estudar os projetos a fundo.
O valor do aumento me parecia alto, mas não se tratava de um simples aumento, e sim de uma atualização da planta genérica de valores. Essa tal PGV corrige o valor venal dos imóveis, coisa que nenhum prefeito fez desde 2001. Embora as pessoas reclamem alegando que não vão vender seus imóveis para se beneficiarem dessa diferença, o critério de atualização nada tem a ver com o desejo do proprietário de mudar de casa ou não.
Fui entendendo que teria de acontecer aquela atualização de qualquer jeito e que, quanto mais tarde, pior. Porque há atualmente muito desequilíbrio e injustiça com o valor do IPTU.
Além de isentar mais de 1 milhão de contribuintes, isentou também os imóveis comerciais de até R$ 70 mil e os residenciais de até R$ 95 mil de pagar o IPTU. A alíquota, que era de 1% para todos, passou a ser progressiva nos imóveis de maior valor e regressiva para os menos valiosos. Isso se chama justiça tributária. Como eu, uma pessoa norteada pela ética, moral e justiça, posso votar contra um projeto desse? E, segundo os conhecedores, sem a atualização da PGV, ficaria inviável.
Garanto que, com o eleitorado quase todo estabelecido na classe média, seria mais fácil votar contra para agradá-los! Mas não seria correta com meus princípios.
Judas?
Ontem, num restaurante, uma menina falou para o namorado: “Olha, aquela vereadora gente fina!”. E ele respondeu: “Gente fina nada, ela votou a favor do aumento do IPTU”. Nunca fui tão xingada em toda a vida. Vou respondendo e-mails, alguns mal-educados, outros até gentis, porém, indignados. Mas espera aí! Trabalho mais de 12 horas por dia com o desejo incontrolável de melhorar esta cidade, tenho programas em todos os cantos para alavancar a vida das pessoas, não levo dinheiro na meia nem na calcinha e meu voto foi uma opção consciente. Esse fato isolado virou todo o meu mandato e sou tratada como Judas? É justo receber essa saraivada de ofensas? Olha o que os políticos corruptos fizeram com o imaginário do nosso povo.
*Mara Gabrilli, 40 anos, é publicitária, psicóloga e vereadora por São Paulo. Fundou a ONG Projeto Próximo Passo (PPP), é tetraplégica e foi Trip Girl na Trip #82. Seu e-mail: maragabrilli@camara.sp.gov.br