A beleza das mulheres carecas
Vida longa às carecas, de mullet, chapinha, oxigenadas, de sari, peruca e descabeladas!
Como paulistana bem nascida, nunca tive problemas, vantagens ou desvantagens por ser mulher, e sempre achei essa conversa de feminismo chata e fora de moda. Bom, tinha essa opinião porque não tinha olhado além do meu umbigo furado com piercing. Não quero levantar nenhuma bandeira, honestamente não acredito que reclamar seja a melhor solução, prefiro Keep Going e mão na massa, mas viver aqui na Índia me fez repensar nas delícias e dores de ser mulher.
JETSUNMA TENZIN PALMO
Acabei de ler um livro incrível, daqueles que você fica com saudades quando termina de ler. “Cave in the snow”, da autora inglesa Vicki Mackenzie, conta a história da inglesa Diane Perry, fã de Bob Dylan, sapato de salto agulha e tiramissu, uma mulher incrível que mora aqui perto, na Índia, e eu estou contando os dias para conhecer. Diane foi a segunda ocidental na história a se tornar monja budista recebendo o nome de Tenzin Palmo. Mudou para a Índia no começo dos anos 60 e foi barrada para receber os mesmos ensinamentos que os monges com o argumento que o corpo da mulher era inferior ao do homem e por isso ela não teria acesso aos ensinamentos mais elevados. Ela engoliu sapo por 6 anos, se mandou para uma caverna no Himalaia a 4 mil metros de altitude e fez 12 ANOS de retiro solitário, sobrevivendo a uma avalanche, frio e fome. Saiu linda e forte para mudar a história, o Dalai Lama é um dos seus admiradores hoje. Ela é a maior feminista que eu conheço, uma espécie de ativista espiritual, e fez o voto de alcançar a iluminação na forma de mulher. Posso até soar empolgada com a Jetsunma Tenzin Palmo, mas a história dela é demais mesmo.
MINHAS VIZINHAS MONJAS
Sou vizinha de um monastério de monjas, a nunnery Dolma Ling. Do quintal daqui de casa dá para ver o quintal das monjas e sempre passo para uma visita. A vibe é muito feminina, tem uma leveza no ar, é uma delícia ficar perto delas. As monjas do Dolma Ling são umas das mulheres pioneiras no debate, prática tradicional entre os monges homens budistas. Infelizmente, não é incomum ser reservado para as mulheres o trabalho na cozinha, sentar atrás dos monges, receber alimento só depois que os homens são servidos. Já as minhas vizinhas monjas mandam ver no debate, prática tradicinal onde um monge(a) pergunta e o(a) outro(a) responde. Começa com suavidade e vai esquentando até virar uma gritaria. Quem vê de fora, pensa que elas estão brigando. O debate é uma prática de alto nível intelectual e serve para deixar a mente e a língua afiada.
MULHERES INDIANAS
Aqui na Índia a situação das mulheres é dramática. Para começar existem campanhas para evitar o fetocídio feminino. Sim, as famílias preferem abortar as menininhas para não ter de desembolsar o dote para a infeliz casar com alguém que a família escolher, geralmente um homem mais velho que faz ela de empregada. Além da campanha contra o fetocídio feminino, tem campanhas para ajudar as mulheres vítimas de ataque de ácido. Por mais bizarro e absurdo que isso possa soar, mulheres no sul da Ásia ficam deformadas depois de serem atacadas com ácido no rosto e no corpo (inclusive a mulher de um ex-primeiro ministro da Índia). Tem também as mulheres vítimas de ataques com gás. É assim, a sogra ou o marido, descontentes com a falta de dinheiro, ao invés de pedir um empréstimo no banco deixam o gás ligado para explodir na cara na nora quando ela vai cozinhar. Assim o feliz viúvo fica livre para embolsar o dote da futura esposa. As mulheres indianas são cidadãs de segunda classe, sem voz ou direitos. Ninguém me contou, eu vejo isso todo dia.
Por essas e outras, fico feliz quando topo com histórias de mulheres como a Tenzin Palmo e minhas vizinhas monjas, que conseguiram passar por cima das dificuldades, por mais gigantes que pareçam. Vida longa às mulheres carecas, de mullet, chapinha, oxigenadas, de sari, burka, peruca e descabeladas!