A batalha do meu pai

Mara Gabrilli: "Ele deixou comigo o que construímos de vida, sem dor e sofrimento"

por Mara Gabrilli em

Depois de dez anos lutando contra a falência de seu corpo, ele deixou comigo tudo o que construímos de vida, sem dor e sem sofrimento: só saudade

 

Em 2001, ano em que a revista Tpm foi lançada, eu estava para escrever minha coluna da quarta edição quando meu pai foi para o hospital fazer uma intervenção cirúrgica na artéria aorta. Perdeu os dois rins, entrou em coma e eu fiquei impossibilitada emocionalmente de escrever esta coluna. Liguei para o editor na época, que não me deixou escapar. Saiu a coluna “Babbolino”, que conta, no meio da minha imensa dor, tudo o que aconteceu com o meu pai.

 

Lembro como se fosse hoje eu escrevendo e pedindo a Deus que ele não morresse. Naquele momento, viveria a maior desestrutura da minha vida se ele fosse embora. Eu já tinha quebrado o pescoço e sempre foi mais difícil pra mim enxergar a dor nos olhos do meu pai por eu usar uma cadeira de rodas do que encarar a vida repaginada por uma tetraplegia.

Nessa época, eu desconhecia o lado guerreiro e imbatível que ele exercitou durante cada dia dos dez anos de sobrevida.

Um ano de hemodiálise em que se transfigurava de sofrimento, até fazer um transplante renal. Começou a tomar imunossupressor para não ter rejeição do rim, o que o debilitou demais e ainda lhe trouxe vários focos de câncer de pele e no reto. Foram inúmeras cirurgias. Até para tirar quase que toda a orelha. Sem contar as pneumonias, a diabetes que desencadeou, os níveis oscilantes de ureia e creatinina, as infecções na bexiga...

Aquele que durante anos me acompanhou me levando para esquiar, andar de moto, barco, helicóptero, jogar tênis e conhecer o mundo. Aquele que tomava café da manhã comigo e domingo pegava um de seus ônibus e me levava, junto com meu irmão, para passear. Aquele que sempre foi muito querido e admirado agora estava doente e tinha a vida roubada.

Acompanhei passo a passo cada etapa conquistada pelo meu pai dentro do quadro de falência do corpo que o acompanhou por aqueles dez anos.

Norteei meu trabalho, meus princípios, meu discernimento pelo caráter, pela doçura e pela conduta correta que ele sempre teve.

Foi nesse período que ingressei na política sempre procurando ser a antítese da política suja que adoeceu meu pai.

Como se eu pudesse apagar tudo de ruim que fizeram para ele através de uma política do bem, de uma conduta impecável capaz de extinguir o jogo podre que açoitou minha família, a cidade de Santo André e resultou no mensalão brasileiro.

Olhar

Como poderia imaginar que hoje eu seria uma deputada federal assistindo de dentro do Congresso Nacional ao retorno de vários desses personagens corruptos que destruíram vidas para poder enriquecer.

O meu pai, em seus últimos meses, se expressava com o olhar e um dedo que aprovava e desaprovava. Mas por toda a vida se emocionou só de me olhar e apesar de muito se orgulhar de mim nunca deixou de se indignar por eu ter quebrado o pescoço.

Ele caiu da cama, quebrou o fêmur e teve de ser operado. De repente, seu rim transplantado parou. Desta vez segurei na mão dele e pedi para Deus que o levasse em paz...

Ele deixou comigo tudo o que construímos de vida, sem dor e sem sofrimento: só saudade.

Tudo de bom que fiz e quero continuar fazendo às pessoas dedico ao meu pai, que me ensinou a ser assim.

Mara Gabrilli, 42 anos, é publicitária, psicóloga e deputada federal pelo PSDB. É tetraplégica e fundou a ONG Projeto Próximo Passo (PPP). Seu e-mail: maragabrilli@maragabrilli.com.br

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